Sven Boenicke admite que não é ‘especialista’ na construção de colunas e desenho de ‘crossovers’. Constrói colunas de ouvido, com base no treino auditivo de 300 concertos que já gravou ao vivo. A ele, preocupa-o antes que o som seja natural, como um ser vivo que respira dentro de um auditório ou de uma sala de concertos, que também contribuem com a sua assinatura acústica para completar um todo orgânico.
Vai daí resolveu ‘mandar às urtigas’ todas as regras ‘científicas’ que, segundo ele, ‘espartilham’ a indústria do áudio; e mais algumas que são impostas pelas leis da física, nomeadamente a de que o ‘tamanho’ do som depende sobretudo do volume interno das colunas.
Tudo nas Boenicke é feito ‘ao arrepio’ do manual de bem construir colunas de som. E contudo, o resultado não podia ser mais consentâneo com o que se espera de umas colunas de banda larga com o dobro do porte.
Tudo nas Boenicke é feito ‘ao arrepio’ do manual de bem construir colunas de som.
Não é por acaso que, em todas as demonstrações a que assisti, em Portugal (Audioshow 2017) e no estrangeiro (HighEnd 2017), a questão que paira na mente dos ouvintes é: ‘Onde terão escondido o subwoofer?’.
Como foi que Sven Boenicke conseguiu isto? Por inspiração divina? Vamos tentar descobrir.
Boenicke W8
A colecção completa é composta pelos modelos W5, W8, W11 e W13, sendo que o ‘W’ designa a madeira sólida (wood) utilizada na construção e o algarismo a ‘altura’ x 10 da coluna: 50 cm, 80 cm, etc.
Depois há ainda as versões SE e SE+, com afinações ao nível da base de suporte (‘Swing Base’, desacoplada atrás por meio de dupla suspensão e à frente com esferas) e com ‘tuning’ interno da Harmonix, Stein Music e Bybee, que fazem disparar o preço base de 5 990 euros quase para o dobro.
Para o Hificlube foi enviado um modelo ‘standard’ com suspensão rígida atrás, com base numa cantoneira de metal mais larga que a coluna para compensar o periclitante centro de gravidade, pois a base de apoio é estreita e o peso de apenas 10 quilos não é suficiente para as manter estáveis sem suporte.
O culto da madeira
Sven considera que o MDF (aglomerado de madeira) e o revestimento natural ou ‘plástico’ da maior parte das colunas é em grande parte o principal responsável pela artificialidade do som.
Por isso, utiliza blocos de madeira sólida para construir cada uma das metades da caixa, nas quais são depois talhados, com elevada precisão mecânica computorizada, labirintos simétricos, quase ‘alienígenas’ no padrão, que fazem lembrar a cultura inca, e que uma vez colados formam, além de uma estrutura interna anti-vibração, as câmaras de isolamento das unidades frontais e o longo ‘túnel’ reflex cuja saída rectangular, do tipo ‘slot’, está na parte de trás da coluna.
Mesmo depois de Sven me ter garantido que não se trata do labirinto típico de uma linha-de-transmissão, o que, de certo modo, justificaria em parte o facto da Boenicke W8 ‘soar grande’, sobretudo no grave, eu acho que isso contribui em certa medida para o efeito, pois funciona quase como uma carga por ‘labirinto’: a radiação traseira que flui pelo ‘túnel’ é composta por reflexos primários que fluem directamente para o ‘túnel’ e secundários reflectidos com atraso pela base da caixa e respectiva estrutura interna. Só assim se compreende a sintonização para os 28Hz.
Enigmaticamente, Sven admite que a madeira natural é um ‘organismo vivo’, logo com uma ressonância própria e uma assinatura acústica que contribui também para o todo sonoro.
Tanto assim que se recusa a utilizar vernizes na madeira que lhe ‘tapam os poros’ e a impedem de respirar. Um simples óleo é quanto basta…
Isso e a ‘sobreposição’ de bandas na qual os altifalantes estão activos simultaneamente, por ausência de filtragem ou opção por pendentes muito suaves, ao contrário do que acontece quando se utilizam filtros divisores complexos de ordem elevada em que cada altifalante cobre apenas uma parte muito restrita da banda áudio e as ‘passagens de testemunho’ se fazem mais rapidamente.
Sven vai mesmo mais longe no ‘afastamento’ deliberado do que os outros fabricantes consideram ‘politicamente correcto’
Sven vai mesmo mais longe no ‘afastamento’ deliberado do que os outros fabricantes consideram ‘politicamente correcto’, pois considera que a rigidez dos cones dos altifalantes não é importante. Pelo contrário, nos modelos W11 e W13, o cone do médio-grave é em madeira, contribuindo para a sonoridade geral por efeito de ‘bending mode’.
Mais: Sven considera que uma coluna 'suspensa' por cabos de aço numa base toca melhor que uma coluna solidamente implantada no chão com 'spikes'.
Nas W8 aqui em análise, Sven utiliza 4 altifalantes também montados de forma pouco ortodoxa.
A unidade de graves de 165 mm do fabricante chinês Tang Band (Taiwan) é montada lateralmente, num estilo muito semelhante ao das Audio Physics Tempo, tem cone em papel, não utiliza filtro de passa-baixas e funciona ‘em roda livre’, descendo até onde lhe permitem a mecânica (corte centrado nos 100Hz com atenuação muito suave para cima; e com uma pendente mais rápida para baixo até aos 35Hz); e a física (o sistema reflex está sintonizado para os 28Hz), entrando assim livremente no território da unidade de médio-graves de 100 mm, também da Tang Band e igualmente com cone de papel, que por sua vez mergulha sem rebuço nas oitavas inferiores, numa orgia de promiscuidade acústica sem a consequente corrupção dos timbres.
Um filtro de primeira ordem limita por uma questão de segurança a entrada de muito baixas frequências nesta unidade, mas esta é praticamente livre de actuar tanto ‘lá em baixo’ como ‘lá acima’ até onde for possível, como o tiroliroliro e o tiroliroró (desculpem, mas não resisti…) com apenas uma ligeira atenuação mecânica acima dos 2kHz, que a mantém activa mesmo nas altas frequências, jogando com o efeito de direccionalidade para reforçar o desempenho da unidade de médio-agudos da Fountek.
Gostaria de ver um gráfico com a resposta polar das W8 para assim avaliar melhor o engenho de Sven Boenicke na integração das diferentes unidades.
O cone exibe um enorme faseador torneado em madeira de cerejeira, enquanto no interior o magneto do motor é isolado com uma peça de madeira de ácer. Nice.
No topo, reside a tal unidade de 75mm Fountek F85 (RPC), com cone em metal, que não é realmente um ‘tweeter’, antes se trata de outra unidade de banda quasi-larga sujeita a um único filtro de passa-altas de primeira ordem (6dB por oitava). O Fountek tem o positivo acoplado por meio de um circuito electromagnético, composto por uma resistência e uma peça de metal sintonizada para uma ressonância não divulgada. Um dos muitos truques de magia (ou será bruxaria?) de Sven Boenicke.
Todas as unidades estão envolvidas por uma moldura de material plástico, mole nas frontais e rígido nos ‘woofers’, que as fazem parecer maiores do que são.
O verdadeiro ‘tweeter’ está nas costas, um Monacor DT25N, de cúpula de seda e fabrico alemão, que entra em acção acima dos 6kHz e se mantém activo até aos 40kHz para conferir espacialidade e profundidade ao palco sonoro.
Como é possível este misto de engenho e ingenuidade, que contraria todas as regras do livro sagrado da construção de colunas?
Como é possível que este misto de engenho e ingenuidade, que contraria todas as regras do livro sagrado da construção de colunas: com filtros divisores que não dividem antes ‘somam’; com graves que disparam para o lado; e tweeters que apontam para trás, tudo montado numa caixa com apenas 12 cm de largura, reproduza som com esta naturalidade e este ‘à vontade’, ‘that is the question’, mesmo descontando a opção nos modelos SE e SE+ de ‘amuletos’, como os da Harmonix, de que eu tenho uma caixa cheia. Só falta a Sven recorrer ao Peter Belt…
A primeira coisa – e provavelmente única - que o vai surpreender (negativamente) é a baixa sensibilidade das W8. Os 84-87 dB declarados são muito optimistas. Eu diria 80-82dB. O que significa que convém que o amplificador tenha ‘músculo’ para as alimentar. Não tanto, porque a impedância é do tipo excessivamente punitivo (2-4 ohms), mas porque elas sendo pequenas são de muito alimento.
Não é por acaso que Sven propõe amplificadores de Classe D, que, aliás, utiliza nas W13 activas.
Assim, não descansarei enquanto não as ouvir nas instalações do distribuidor Ultimate Audio Elite, alimentadas pelos excelentes Mola-Mola, cujo protótipo eu testei em primeira mão aqui. Ou quiçá um VTL daqueles com músculo…
Não que o T+A PA 2500R que as acompanhou não tenha cumprido com garbo e competência a função de lhe dar toda a energia necessária para me voltarem a surpreender, desta vez positivamente.
Mesmo tendo eu já ouvido as W8 em várias ocasiões, nunca se está à espera, só de olhar para elas, que ‘saia’ tanto som de uma coisa tão pequena, que só não é também ‘insignificante’ por ser tão elegante e atraente, tanto no design como na construção.
O primeiro impacto – literalmente – é o do grave. Não se pode dizer que seja ‘tenso, intenso e extenso’ à boa maneira americana, seria exigir demais a tão fraca figura. Para isso experimente as Golden Ear Triton, por exemplo. Mas é do tipo ‘cantante’. O grave impõe assim a sua presença pela qualidade mais do que pela quantidade, e é tão equilibrado (com os altifalantes de graves apontados para fora), em termos de articulação, definição e ritmo, que é difícil encontrar paralelo acústico, mesmo em modelos highend de caixa fechada.
Contudo, embora reproduza melhor o ‘carácter’ do grave de instrumentos acústicos, incluindo percussão sim, não é tão tímida quanto o seu reduzido tamanho faria supor, quando colocada perante a brutalidade, por vezes gratuita, da actual música electrónica.
O que, suponho, é fruto do contributo do altifalante de médios-graves entre os 100 e os 200Hz e do pórtico entre os 50 e os 100Hz, num bom trabalho de equipa, que faz com que o copo esteja sempre meio-cheio e nunca meio-vazio.
O primeiro impacto – literalmente – é o do grave.
Uma das virtudes das W8 é que nunca tentam fazer aquilo de que não são capazes. Há colunas que ‘batem no fundo’ na ânsia de reproduzir o que não está ao seu alcance. As W8 auto-limitam naturalmente o nível de saída (output) e soam sempre compostas e controladas.
Se as afastar um pouco mais da parede, o grave ganha em linearidade (e o agudo em espacialidade), mantendo, contudo, uma temperatura sobre as cores quentes, que favorece a voz masculina sem prejudicar as mulheres, que soam com grande riqueza de pormenor, não só na dicção mas também em outros aspectos mecânicos da fonação, como o movimento dos lábios e da língua e o contributo dos dentes e do nariz na articulação dos sons, conferindo sensualidade à performance.
Um verdadeiro compêndio de fonética aplicada. E algo de espantoso, porque o ’woofer’ se mantém activo ‘inda além’ da zona de presença sem mesmo assim introduzir excessiva coloração na gama-média. Mistérios da cultura chinesa e da arte de construir altifalantes de banda larga, talvez...
Embora não seja fácil pô-las a tocar alto, devido à baixíssima sensibilidade, elas soam sempre ‘grandes’ por natureza.
A ‘grandeza’, em toda a acepção da palavra, do som das W8 existe sobretudo em função do trabalho de equipa, com todas as unidades a contribuírem, não só com a sua limitada quota-parte, como acontece com a maior parte das colunas de som, mas colaborando num esforço comunitário e solidário de entreajuda, em causas comuns (cobrindo a mesma banda), que cativa o ouvinte, enquanto manifestação harmónica colectiva, um pouco como o ‘Cante Alentejano’ ou as ‘Vozes Búlgaras’. É caso para dizer que a união faz a força – e a arte acontece.
E isso é bom, porque embora não seja fácil pô-las a tocar alto, devido à baixíssima sensibilidade, elas soam sempre ‘grandes’ por natureza.
À excelência da imagem estereofónica, não é alheia a extrema ‘magreza’ das W8, com apenas 12 cm de ‘cintura’. A imagem é ampla mas estável e incrivelmente holográfica na sua apresentação peculiar do palco sonoro.
Que não é do tipo ‘pin-point’, permitindo-nos apontar cada interveniente com um feixe laser, talvez porque o ‘tweeter’ aponta para trás difundindo os pontos de referência. É antes coerente e verosímil na forma como projecta as imagens à nossa frente: com boa resolução, saturação e textura, numa tela aparentemente difusa e algo ‘laid back’ mas natural e sempre agradável ao ouvido.
O ‘tweeter’ à retaguarda contribui para a sensação de espaço, de ar e profundidade, que Sven experimenta na sua actividade de engenheiro de som nas salas de concerto.
Mas atenção: a distância à parede, já o referimos, e o facto de ser ‘nua’ ou tapada com cortinados ou móveis pode ser determinante para o ‘carácter’ do agudo. Algumas referências a um certo ‘brilho’ podem depender destes factores que, numa sala tratada como as da UAE, não se fazem sentir. Ao contrário do proverbial conselho: experimente fazer isto em casa.
A Boenicke W8 é uma coluna de som única na forma e no conteúdo, em relação à concorrência ‘mainstream’
Sendo clássica na opção pela madeira sólida, é revolucionária no seu posicionamento em relação ao que se considera politicamente correcto na indústria áudio.
Neste contexto, é uma coluna desconcertante, embora paradoxalmente reproduza um som ‘concertante’ e musical.
Sven Boenicke é o bom rebelde do áudio que veio ‘abanar’ as estruturas do poder instalado.
E Sven Boenicke é o bom rebelde do áudio que veio ‘abanar’ as estruturas do poder instalado. Que ele seja cidadão da neutral Suiça, é apenas mais uma das muitas ‘originalidades’ de um projecto diferente e surpreendente.
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