A americana Bricasti não é um ícone imediatamente reconhecido no mundo audiófilo.
Primeiro ganhou reputação na área profissional com o M7 – stereo reverb processor, um dos mais reputados do mundo, junto dos especialistas, e só depois utilizou o vasto know-how no áudio high-end para produzir os DACs, Streamers, prévios e amplificadores.
Em termos comerciais, a área profissional tem um distribuidor diferente, sendo que a Exaudio se assumiu apenas como representante oficial do áudio highend da Bricasti Design, em Portugal.
Da Lexicon para a Bricasti
Apesar do sucesso, a Bricasti Design continua a ser uma ilustre desconhecida do público em geral. Mas se eu lhe disser que tem ao leme dois dos principais engenheiros da Lexicon: Brian Zolner (circuitos analógicos) e Casey Dowdell (DSP software), já tudo começa a fazer sentido.
Todos os produtos Bricasti são projetados e fabricados no Massachusetts, EUA, e o preço elevado reflete a sua origem, aliás patente na excecional qualidade de construção e desempenho.
O modelo M3 é uma tentativa bem sucedida de levar a um público mais vasto (ainda assim restrito, pois 5 836 euros não são propriamente peanuts) a excelência do M1, um conversor D/A dual mono, considerado como referência absoluta em círculos bem informados.
O M3 DAC é de construção modular
Por mais 1216 euros este exemplar já traz um circuito simples de Streamer (DNLA/UPnP), controlado por um computador onde corre um Media Server (JRiver, por exemplo) sem App de controlo.
Por mais 584 euros, o M3 pode passar a M3H, com um circuito de amplificação para auscultadores.
Esta alteração ou upgrade implica o envio para a fábrica, pois, além da nova placa de circuito, é preciso perfurar o painel frontal para instalar as fichas (para jack de 6,3mm e XLR de 4-pinos).
O controlo remoto também é extra e custa outros 586!...
É maneirinho e em metal sólido, com pezinhos de silicone. Por acaso não o usei muito, porque eu gosto de ter o M3 ao pé de mim, como se estivesse num estúdio. Já estou como o outro: só compra quem pode – e precisa.
Mas lá que o preço do controlo é puxadote, lá isso é: há DACs mais baratos que este controlo!...
A caixa tem 35 x 28 cm e apenas 6 cm de altura e o conjunto pesa 4,5 quilos. O painel frontal negro de alumínio sólido tem arestas boleadas, e exibe um mostrador alfanumérico vermelho, que se vê bem mesmo ao longe (bom para quem investir no controlo remoto…), um botão rotativo multifunções (volume/seletor), seis botões ovais de pressão função/seleção e um redondo para a função Stand-By, todos de proporções generosas e identificados com letras brancas sobre fundo negro bem legíveis, como eu gosto.
Com os botões ovais, seleciona-se a função ou grupo de funções: Input ou Status, por exemplo; com o botão rotativo seleciona-se uma função específica desse grupo: IN4=USB; ou Minimum/Linear Phase, respetivamente. Apanhando-lhe o jeito, é muito fácil navegar no programa.
A espessa tampa dupla ventilada de alumínio, que corre em calhas maquinadas ao milímetro, apresenta-se na cor natural. Talvez ficasse mais ‘profissional’ também na cor negra.
Optou-se aqui pelo contraste por uma questão de design, porque confere mais leveza ao conjunto? Talvez. Dou a mão à palmatória. A tampa inferior segue o mesmo conceito.
Os ventiladores laterais iluminam-se com leds vermelhos, como o ‘cérebro’ de HAL, o computador de ‘2001, Odisseia no Espaço’.
Na placa traseira, também em alumínio sólido de arestas boleadas, estão montadas as fichas de entradas e saídas digitais e analógicas, incluindo balanceadas, além da entrada de corrente de setor e respetivo comutador (ver foto).
O designer industrial conseguiu o justo equilíbrio entre a solidez de um produto profissional e a elegância de um produto comercial de áudio high-end: robusto e insustentavelmente leve.
Lá dentro, duas fontes de alimentação lineares independentes, incluindo os transformadores toroidais: uma para a secção analógica, outra para a digital – nada de misturas para garantir o mínimo de interferência e ruído.
A conversão PCM está a cargo de duplos conversores Sigma Delta Analog Devices: um por canal em modo diferencial. As versões mais recentes do M3, como é o caso desta, já utilizam a nova placa de circuito MDX com novos chips e software v.1.06, com compatibilidade USB para DSD256 (só com USB).
DSD com filtragem analógica pura
O sinal DSD passa por um modulador analógico de 1 bit (10Ghz switch) e a trama sinusoidal correspondente vai direta para a saída, sem processamento ou filtragem digital (desnecessária porque se trata de um sinal analógico), sendo o ruído de alta frequência eliminado por um filtro analógico exclusivo da Bricasti.
Convém ler bem o excelente manual para perceber que:
- o sinal DSD nunca é convertido para PCM, como acontece com a maior parte dos DACs;
- os filtros Linear e Minimum Phase só atuam sobre sinais PCM ou DSD convertidos para PCM (NDSD PCM) pelos conversores Analog Devices;
Aliás, qualquer processamento de sinal DSD implicaria a sua conversão prévia para PCM. A Bricasti mantém a pureza do DSD até à saída. Portanto, se não ouvir nenhuma diferença entre os filtros digitais com DSD nativo, é porque eles só estão ativos com PCM.
A resolução máxima (DSD256 viA DoP e PCM 384) só é possível com ligação USB (assíncrona) e DSD128 com Ethernet (não testada).
Se utilizar ligações AES ou SPDIF (coaxial e ótica): máximo DSD64 via DoP e PCM 192).
Atenção: quando se utiliza o protocolo DoP (DSD over PCM), o sinal DSD não é convertido para PCM. O fluxo Bitstream (1-bit) é ‘embutido’ (mas não convertido) numa portadora a 176,4kHz/16 bit, mas mantém todas as características do sinal direct stream digital original, aproveitando-se os 8 bits sobrantes do total de 24 bits apenas para identificar o sinal como DSD.
A Bricasti aconselha a não fazer ‘up-sample’ prévio dos sinais PCM, no JRiver, por exemplo, mantendo sempre a resolução nativa, pois assim ambos os filtros de 8x oversampling Minimum Phase e Linear Phase oferecem melhores resultados.
Sem filtro MQA
Até por isso, o M3 não é compatível com MQA, cujo filtro dedicado é muito intrusivo. Mas abre sem problemas no Roon como Endpoint (identificado como AeVee Labs) e funciona muito bem como ‘renderer’, o que significa que reconhece e converte faixas MQA previamente ‘desdobradas’ até 96kHz/24 bit pelo algoritmo da Tidal.
Nota: a Exaudio informa-me que o Bricasti M3 já tem certificação Roon com o qual é compatível, tanto com USB como Ethernet/LAN, e surge identificado como Bricasti M3.
AeVee Labs
Também pode ouvir diretamente a Tidal via PC, onde aparece identificado como AeVee Laboratories, a empresa de software que colabora com a Bricasti.
Nota: claro que, primeiro, tem de instalar a Drive Asio da AeVee Labs, disponível no site da Bricasti, sem a qual não pode reproduzir ficheiros DSD no JRiver, por exemplo.
Se quer ouvir ‘Master’ até 96kHz, tem de entrar nos ‘Settings’ da Tidal e em Sound Output (More Settings) deve selecionar ‘Use Exclusive Mode’ e ‘Force Volume’ (não ative Passthrough MQA).
DAC e prévio
O M3 pode atacar diretamente um amplificador, dispensando o prévio (utilize as saídas balanceadas, se possível), ou um par de colunas ativas, sendo o volume regulado no potenciómetro que é analógico puro.
Se for utilizado no modo DAC exclusivo deve ser colocado no modo by-pass automático (0dB na função Level, corresponde a 4V RMS na saída), sendo o volume controlado no prévio ou amplificador a que estiver ligado.
Nota: Se passar da utilização como DAC puro para a função de prévio, não se esqueça primeiro de regular o volume na função Level ou Reference, que memoriza o último nível de volume utilizado.
No meu caso, o M3 vinha com o nível de saída a -28dB memorizado (Reference) e com o equilíbrio (Balance) entre canais L03/R00, o que significa que esteve a ser utilizado como prévio, antes de me chegar às mãos.
O manual é um dos mais bem escritos e informativos que já li, e podia limitar-me a traduzi-lo todo, ou a fazer copy paste como fazem os meus colegas críticos de língua inglesa. Mas aconselho a leitura na integra, antes da utilização.
What a difference, OMG!
Nunca ouvi um DAC em que a diferença entre filtros digitais Linear/Minimum Phase (PCM apenas) fosse tão audivelmente marcada; e, no entanto, têm exatamente a mesma resposta em frequência, segundo as medidas obtidas pelo meu colega Paul Miller, embora a resposta impulsiva (temporal) seja diferente. Nota: Paul Miller testou a versão anterior sem placa de circuito MDX.
O Linear tem oscilação antes e depois do impulso (pre/post ringing); no Minimum Phase a oscilação é mais evidente, mas surge apenas depois do impulso (post-ringing).
Se gosta de um som mais seco, limpo, definido e presente, opte por Linear; se prefere um som mais redondo, relaxante, mais, dare I say it?, analógico, faça como eu e opte por Minimum Phase: o grave, por exemplo, tem menos tensão mas ganha mais extensão, e soa tudo tão mais natural que voltar para Linear não é uma decisão fácil ainda que seja legítima, pois são ambos excelentes.
Atenção:
- só se ouve a diferença entre os filtros se o ficheiro áudio for PCM (.wav, . flac, .dxd, .aiff, etc). Com DSD, os filtros digitais estão inativos.
- Clique sucessivamente em Status até surgir no mostrador o Input que está a utilizar. USB corresponde a IN4, seguido dos dígitos correspondentes à resolução do ficheiro: 44.1, 88.2, 96, 176, 192, 352, 384
- Depois clique de novo em Status até surgir Minimum ou Linear no mostrador.
- Rode o botão de volume para comutar entre Linear e Minimum. Enjoy!
A pureza original do DSD
O M3 é a prova da superioridade do DSD nativo: a transparência geral do som não deixa margem para dúvidas. Quanto mais oiço, mais gosto.
- Atenção:
- Só se ouve a diferença se o ficheiro áudio for DSD (.dsf ou .dff). Com DSD os filtros digitais não estão ativos.
- Clique primeiro em Status para confirmar no Input (IN4, neste caso) se o ficheiro está identificado como DSD (64) DSD2 (128) ou DSD4 (256)
- Depois clique de novo em Status até surgir NDSD DSD no mostrador.
- Rode o botão de volume para comutar entre NDSD e PCM DSD. É a diferença entre a noite e o dia…
E pensar que é afinal como PCM que a maior parte dos DACs reproduz DSD. O que temos andado a perder…
Exemplos:
Ouvir o ensaio final da Sinfonia Nr.1 de Mahler, Titan, pela Orquestra Festival de Budapest, dirigida por Ivan Fischer, em DSD256 nativo, via Roon, é elucidativo e educativo: there’s no going back, my friends!
Fase absoluta e relativa
Finalmente, a diferença entre fase absoluta (Phase NRM) e relativa (PhaseINV), que uns dizem que não se ouve e outros dizem que sim. Com o M3, ouve-se. Distintamente. Mas depende muito do disco.
Nota: Foi o famoso Harry Pearson, editor da TAS, que começou esta guerra. Há editoras que gravam os discos em fase absoluta e outros em fase relativa (invertida).
A solução é inverter as ligações positivo/negativo de ambas as colunas. Ou, então, ter um DAC ou prévio com comutador de fase, como o M3.
De facto, é um comutador de polaridade, porque a inversão de fase pressupõe um desvio ou atraso, o que não é bem a mesma coisa. Mas isso fica para outro artigo.
A audibilidade da fase absoluta/relativa ou polaridade geral positiva/negativa (que é algo de muito diferente e menos óbvio que fora-de-fase, quando apenas uma das colunas tem as ligações invertidas) é polémica, pois depende de muitas condicionantes para ser audível:
- Numa sala grande, os reflexos secundários (em inversão de fase) confundem o ouvinte;
- Com discos gravados em várias pistas, não é possível garantir na mistura que todos os microfones estão em fase; concentre-se na voz e na percussão.
- Discos gravados com apenas um par de microfones, como os da Clarity, são ideais para se ‘aprender’ a ouvir a ‘fase absoluta’;
- Monitoras de duas-vias com filtros de primeira ordem, ouvidas no campo próximo, e auscultadores ajudam.
- Utilizar um DAC como o M3 também ajuda – e muito!
Exemplos:
Cláudia Gomez, Salamandra, Clarity Records, ‘Cancion’, soa melhor com Fase INV.
Messiah, Handel, Gardiner, Philips, soa melhor com PhaseNRM
Supertramp, The Autobiography, ‘It’s raining again’, A&M, soa melhor com Phase NRM.
Depois destas experiências, e após prolongadas audições, eu arrisco-me, assim de memória, a dizer que (bem quente) também em modo PCM é um dos melhores DACs que já ouvi. Mesmo em PCM 44,1kHz (leitor CD ligado via cabo coaxial). Quanto mais oiço, mais gosto.
Ouvir jazz a 384kHz/24-bit (via USB), então, é uma espécie de epifania. E já nem quero entrar pelos lugares comuns da praxe: resolução, dinâmica, extensão do grave, pureza do agudo, ataque, ritmo, e excecional reprodução do palco sonoro.
Há muitos outros que me oferecem isto (ou quase), por uma fração do preço.
É o corpo, leia-se a estrutura orgânica, a fluidez e a coerência geral do som que me atraem, e colocam o M3 ao nível dos melhores DACs do mundo, justificando assim os +5.000 euros que pedem por ele.
Nota: se puder, utilize cabos balanceados para o ligar ao amplificador integrado (Level 0dB=4 V RMS); ou estéreo, na função de DAC/Pre, regulando o volume no potenciómetro.
O M3 vale o preço que custa?
Só tenho pena de esta versão não ter vindo equipada também com o amplificador de auscultadores. Por mais 584 euros deve ser uma boa aposta.
A questão de um milhão de dólares é: face ao exposto, o Bricasti Designs M3 justifica afinal o dinheiro que custa? O mundo fica melhor por existir mais um DAC de +5 mil euros à venda?
Se o leitor é um ‘spotfier’ fanático, ou ouvinte casual de ficheiros áudio HD, há por aí muitos DACs de qualidade que por mil euros, ou menos, fazem a festa; alguns custam até menos que o controlo remoto do M3.
… pureza de reprodução DSD é inaudita, a qualquer preço…
Mas se, como dizem os anglo-saxónicos, you are serious about audio, então vai ter de ouvir o M3, sobretudo com DSD Nativo, cuja pureza de reprodução é inaudita, a qualquer preço.
Se tem uma vasta coleção de ficheiros áudio de alta resolução em PCM e DSD, o M3 vai reconciliá-lo com o digital e vai tornar melhor, se não o mundo, que está perdido, pelo menos a sua vida audiófila, enquanto andar por cá e houver música ‘desmaterializada’ para ouvir.
Recomenda-se a audição na Exaudio do DAC Bricasti Design M3, sem reservas. Eu, quanto mais oiço, mais gosto.
A compra já depende da sua saúde financeira. Porque a saúde ‘física’ e sónica do M3 é notável; e, com DSD, é imaculada!...
Produto testado: Bricasti Design M3 DAC (pre)
Preço base: 5.836 euros
Distribuidor: Exaudio