O computador é hoje a principal fonte de áudio e vídeo digital. Até eu, que sou supostamente um audiófilo inveterado, deixei há muito de utilizar primeiro o gira-discos, depois o leitor-Cd como ferramenta de trabalho, embora admita que se perde um pouco o sortilégio do ritual e, no caso especial do LP, aquela forma muito especial, eu diria mesmo única, de apresentar o PMEC, processo musical em curso.
Discos e papel, já eram…
Um PC portátil, um miniDAC/headamp, como o DACMagicXS (ver Artigos Relacionados), e um bom par de auscultadores ou colunas activas (por razões práticas, pode juntar-lhe um software de Media Player JRiver 21, por exemplo) e não é preciso mais nada para ouvir hoje som de alta resolução, tão próxima quanto possível da master tape, algo que antes só estava ao alcance de alguns privilegiados em estúdios profissionais. Aliás, o PC é também já a minha principal fonte de informação (jornais, revistas, noticiários, etc.).
Tal como a música em suporte físico, a imprensa em papel tem o destino traçado, e por isso nos lançámos na aventura do HIFICLUBE há 15 anos, embora continue a publicar com prazer em revistas internacionais da especialidade, sempre que sou convidado, como na HiFiNews (Janeiro e Julho 2015) e na HifiCritic (edição Julho/Outubro 2015, já no prelo).
A ponte entre as fontes do passado e a música do futuro
Neste contexto, o ‘CXN’, cuja função é, em termos técnicos e comerciais, de ‘network/media player, ou leitor de rede para abreviar, é uma verdadeira ponte digital entre as ‘fontes do passado’ e a ‘música do futuro’, que enriquece hoje as nossas colecções discográficas, sobretudo via download e streaming.
Mas o ‘CXN’ também oferece Radio, podcasting, sem esquecer os suportes físicos, como o CD e o SACD ou Blu-Ray Audio, se ligado a um transporte digital, pois é compatível com praticamente todos os formatos e resoluções nativas até 24-bit/192kHz, incluindo DSD via DoP.
O ‘CXN’ é um elegante ‘player’, que funciona como um médio-centro rápido e inteligente a distribuir jogo no miolo do campo musical, fazendo a ligação entre o meu NAS Synology com 4 terabytes de ficheiros digitais de áudio via router por UpnP (cabo de rede), um disco rígido Iomega via PC (cabo USB) e para os ‘saudosistas’ um leitorCD/SACD via cabo coaxial ou óptico.
De estrutura tipo slimline, apoiada sobre dois pés atrás e elevada por uma barra central à frente que o faz 'pairar', tem uma fonte de alimentação comutada, e é por isso muito leve e fácil de transportar e de integrar no seu sistema e rede doméstica.
Cablar ou não cablar, eis a questão
Se não gosta de cabos, pode optar por Wi-Fi (antena fornecida), AirPlay (para iPads e iPhones) ou Bluetooth (adaptador não fornecido: Cambridge Audio BT100 aptX Bluetooth receiver) ou ainda uma simples pen na entrada frontal USB A mas com resolução máxima limitada. As entradas USB A (tem outra no painel traseiro para ligar o receptor Bluetooth) também servem para carregar o telefone.
Mas se pretende reproduzir ficheiros áudio à máxima resolução de 24-bit/192kHz com upsampling para 384kHz tem de ligar o seu PC à entrada USB B (no painel traseiro), ou o leitor-CD às entradas óptica ou coaxial. Nota: configure o ‘CXN’ para USB type 2 e instale o Asio Driver 1.67 da Cambridge se utiliza Windows 8/10 (ver DACMagicXS em Artigos Relacionados).
O lettering de identificação das diferentes entradas e saídas está invertido para facilitar a leitura a quem se debruça sobre o ‘CXN’ (uma solução tão inusitada quanto interessante).
Aqui para nós, a qualidade do som sem cabo é razoável mas não é a mesma coisa: não corte os cordões umbilicais (configure nos ‘settings’ a ‘network’ para ‘wired’ ou ‘ Auto’).
Um manual em Português era um gesto simpático dos ingleses da Cambridge
O ‘CXN’ não vem com manual de utilização, nem precisa, cedo se percebe que tudo gira – literalmente – à volta do enorme botão rotativo/pressão. Gira/clica, vai olhando para o mostrador e tudo se torna claro e simples. Depois tem ainda os mini botões laterais de apoio com ícones óbvios que designam a respectiva função, sendo a chave mestra ‘Home’.
Nota: pode descarregar o manual no site da Cambridge (em 12 línguas, menos, hélas, Português…).
Nem tudo o que brilha no visor é DSD
Sem mais delongas, liguei-o à corrente, esperei um pouco: starting, connecting to LAN, network OK, encontrei o Synology na Music Library, clic, ‘carrega’ a metadata de 700 ficheiros em segundos; e pronto, tive acesso imediato à lista integral de ficheiros de áudio, com exibição no visor do título do álbum, da faixa e da capa, quando disponível, sem necessidade de recorrer ao computador. Nota: atenção, o CXN não ‘carrega’ os ficheiros apenas a metada, pois não dispõe de armazenamento interno.
Os ficheiros DSD e DSF aparecem com a designação correcta no visor. Mas alguns ficheiros PCM (.flac) são também apresentados para minha surpresa como DSD, sobretudo os de 176.4kHz, a frequência correspondente no protocolo DoP; e outros ainda aparecem no visor como tendo resolução de 44.1, quando de facto são de 88.2 ou 96.
Curiosamente, via PC/USB os mesmos ficheiros do Synology já são apresentados com a resolução nativa PCM correcta, excepto DSD/DXD que surge sempre como 176,4kHz, mas sem a informação adicional sobre o disco, que, neste caso, me é dada apenas no JRiver.
Não que isto tenha qualquer importância na qualidade do som, porque o circuito de conversão interno faz upsampling de tudo o que entra para 24-bit/384kHz por default, independentemente da resolução original. Ou seja: o ‘CXN’ tem sempre o turbo ligado!
O ‘CXN’ é alegadamente compatível com ALAC, WAV, FLAC, AIFF, WMA, MP3, AAC, HE AAC, AAC+, OGG Vorbis e DSD, mas não consegui reproduzir alguns ficheiros AIFF, surgindo no visor a informação: stopped. Admito que possa haver corrupção do ficheiro (não é só na política que há corruptos). De qualquer forma, aconselho sempre FLAC, porque inclui metadata com informação adicional sobre os discos e respectivas capas.
A polémica da resolução
Por resolução aqui não se deve entender a solução encontrada pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, por exemplo, mas a resolução nativa dos ficheiros áudio. Para utilizar a linguagem rebuscada de Assunção Esteves, a Presidente cessante da Assembleia, esta ‘inconformidade’ ou ‘inconseguimento’ que detectei na informação sobre a resolução nativa de alguns ficheiros, quando liguei o ‘CXN’ ao NAS, sem recurso ao PC (o computador, não o partido comunista), pode ser motivo de amplo debate entre os audiófilos a quem aconselho a fazer as suas próprias experiências numa loja indicada pela Support View.
Eu sugiro a Imacustica, que tem toda a gama da Cambridge em exposição e demonstração, incluindo o CXN que é regularmente utilizado como fonte em audições.
Assim, tendo em conta as fraudes já detectadas e denunciadas (na HDTracks, por exemplo) na comercialização de ficheiros de alta resolução, que não passam de ficheiros com resolução nativa original red book (16-bit/44,1kHz) ‘upsamplados’ para 24bit- 96 ou 192 kHz, pergunto-me se não é afinal o algoritmo utilizado pela Cambridge que tem razão e está apenas a revelar publicamente a verdadeira origem do ficheiro, pondo a nu a barriga de aluguer digital (a da HDTracks, não a da Joana Amaral Dias…).
Os dias da rádio
Ainda dei uma voltinha pela secção de Internet Radio (podcast, streaming, etc…), que funciona na perfeição. O sistema detectou dezenas de emissoras digitais em Portugal, que eu nem sabia que existiam, com uma qualidade fraquinha (44kbps). A BBC a 128kpbs é, contudo, ‘aceitável’, pois o ‘CXN’ faz o que pode para melhorar o sinal. O leitor é livre de explorar esta vasto manancial de música online gratuita de todos os géneros musicais e para todos os gostos.
Spotify em directo
O ‘CXN’ pode ser ligado directamente ao Spotify Premium. Inscrevi-me. Paguei 0,99 por 3 meses free trial (free?), entrei, cliquei numa música qualquer ao acaso da Selena Gomez (juro que foi por acaso), cliquei em Connect, et voilá!, a selecção musical, incluindo toda a informação, foi transferida para o ‘CXN’ e passei a ouvir o MP3 da Spotify a 24-bit/384kHz. Acho eu, porque ‘Spotify sucks!’ e o ‘CXN’ não tem culpa disso: lá diz o ditado ‘garbage in, garbage out’.
Eu prefiro a Tidal, com a qual a Cambridge não tem ainda acordo. A propósito: a Tidal via PC/USB soa muito bem com o ‘CXN’, pois embora surja no visor a resolução nativa de 44,1kHz, o sinal está, como já vimos, a ser também upsamplado para 24-bit/384kHz, com a tecnologia ATF2 antes de ser convertido pelos Dual Wolfson WM8740 24-bit DACs, e o resultado é mais do que satisfatório.
Com uma boa saída para auscultadores, chamava um figo ao CXN…
O ‘CXN’ pode ser utilizado também como DAC/prévio digital, atacando um par de colunas activas, por exemplo, tendo um leitor-CD como fonte. Mas seria uma pena não explorar as capacidades de rede que o distinguem de um simples DAC apesar da qualidade da conversão.
Para os bons resultados obtidos pelo CXN muito contribuiu o equipamento complementar, composto por McIntosh MHA-100 e um par de fabulosos auscultadores planar-magnéticos Hifiman HE-1000 (Nota: testes da minha autoria sobre estes dois componentes de eleição serão publicados na HifiCritic ainda este mês, em inglês, claro).
As ligações alternaram entre as saídas simples (RCA) e balanceadas (XLR) com cablagem Nordost Valhalla. Diferenças se as há ao nível nas ligações são de volume percebido, não de qualidade do som.
Mas há algo que me deixa intrigado. Se também pode ser utilizado como prévio com controlo de volume digital, porque não incluir também uma entrada para auscultadores no ‘CXN’ e, então sim, já não era preciso mesmo mais nada?...Fica a sugestão.
Terabytes de música sem jitter
Há uma clara sensação de ausência de jitter e distorção que convida às audições prolongadas, terabyte após terabyte. O som, como seria de esperar, tem o mesmo carácter ‘very british’’do pequeno ‘Magic’ (ver Artigos Relacionados), com excelente ritmo, fruto da articulação do grave, e uma gama média carnuda.
No agudo, nota-se que evitaram utilizar uma ‘peneira’ demasiado fina, como aqueles filtros de luminance em fotografia, que eliminam totalmente o grão à custa da vivacidade e da dinâmica. Aliás, a dinâmica intrínseca do ‘CXN’ não cessa de me surpreender quando a música o exige, e não me refiro apenas ao rock, pois até é patente numa simples voz a capella ressoando na acústica de uma igreja medieval.
Tal como o ‘Magic’, a concorrência do ‘CXN’ é apertada nesta área, pois apesar de ser barato, haverá sempre quem venda ainda mais barato. Nada como ouvir para comparar, sobretudo se quer ouvir música digital com boa qualidade e dispensar o computador: é só ligar um NAS da Synology à sua rede doméstica e conduzir depois as operações directamente no ‘CXN’, com o controlo remoto ou a app Cambridge Connect no seu smartphone ou iPad.
O Cambridge CXN Network Player é um produto lifestyle, moderno, prático e funcional, com um som que não envergonha a música, e um preço que não o vai levar à falência e exigir um resgate familiar com declaração de insolvência: 1098 euros.