A Cambridge Audio é mais conhecida pelos seus produtos de hifi acessível, como os já testados pelo Hificlube aqui, aqui e aqui. Contudo, nos anos 80, no tempo de Stan Curtis, o Cambridge CD1, foi o mais famoso dos leitores-CD, nos meios audiófilos, o primeiro a apresentar-se com transporte e DAC separado e a utilizar a técnica do ‘oversampling’. Era, então, o único exemplo de highend digital no mercado. Nada se lhe comparava. Utilizava os chips de 14-bit originais da Philips (3 por canal) com 4 x oversampling. Com escolha de 5 filtros! Isto em 1985...Mais tarde foi incluída uma terceira caixa com um contador de erros. Juro!
Lembro-me bem da primeira vez que ouvi Fast Car, de Tracy Chapman, reproduzido pelo CD1. A diferença para a concorrência era enorme, a todos os níveis, mas sobretudo no grave. Com a nova linha Edge, a Cambridge regressou ao passado de glória audiófila, com um olhar atento sobre o futuro.
Com a nova linha Edge, a Cambridge regressou ao passado de glória audiófila, com um olhar atento sobre o futuro.
A Edge foi apresentada no Highend 2018, em Munique, sendo composta por 3 componentes: o prévio NQ, o amplificador estéreo W e este A, agora em análise.
Antes de o ‘trazer para casa’, ouvi ainda o som Edge, em várias ocasiões, nomeadamente no audioshow 2019, onde estava a passar ‘música de fundo’; e no auditório da OnOff, aqui na versão prévio/amp, com colunas Tannoy.
…não foi preciso muito tempo para perceber que estava perante algo de especial…
Tudo em família
E não foi preciso muito tempo para perceber que estava perante algo de especial, que me trouxe à memória um Krell dos primórdios gloriosos da marca: um som de excelente textura harmónica que, também no caso do Edge, emana de um fundo negro de silêncio, fruto de judiciosa aplicação de polarização em Classe A e a total ausência de distorção e ruído mecânico, nada de ‘hum’ de transformador ou do sussurro quente das ventoinhas do KSA100.
Só que os tempos são outros e o Edge A responde às solicitações dos ecologistas (não dissipa 2/3 da potência sob a forma de calor), sem ofender os puristas da Classe A, agrada aos modernistas, pois tem um excelente DAC interno, e aceita streaming (apenas via Bluetooth).
A construção é robusta, o design tem o charme discreto da burguesia e os acabamentos são excepcionais. Tudo por um preço de cerca de 5 000 euros (contactar Support View) só possível porque é montado na China, mas inspeccionado localmente por engenheiros britânicos. Em terras do Tio Sam, produzir algo desta qualidade era coisa para custar 5 x mais. Isto é highend!
Em terras do Tio Sam, produzir algo desta qualidade era coisa para custar 5 x mais. Isto é highend!
Aliás, cheguei a pensar que a opção pelo nome Edge se devia ao facto de utilizar tecnologia de ponta (edge technology), ou porque estaria no limite possível (edge, em inglês) do conhecimento técnico actual. Mas não. Deram-lhe o nome do ‘pai’, Gordon Edge, fundador do Cambridge Technology Center, ligado à famosa universidade britânica, onde foram desenvolvidos muitos dos conceitos tecnológicos que estão na base da Cambridge Audio.
A ideia era comemorar os 50 anos da Cambridge Audio. E não se pouparam a esforços: o produto honra o prestígio da marca e o nome do seu fundador.
O Edge A lembra os Classé, com os painéis frontal e traseiro de alumínio espesso e cantos arredondados, que escondem os dissipadores numa perspectiva frontal, e a ‘pele‘ é acetinada e agradável ao tacto, num tom discreto de cinza-mate.
Os dissipadores completam a caixa e estão bem integrados, não são protuberantes do tipo rapa-canelas, as tampas em baixo e em cima são placas de aço maciço, correndo uma espécie de ‘regueira’ a toda à volta da tampa superior, como se a música fosse escorrer por ali como água limpa. Interessante opção de design, que confere leveza e estilo a uma caixa com 40 x 15 x 46 e 24,4 quilos de peso. A Cambridge não olhou a meios, aqui plenamente justificados pelos fins.
A Cambridge não olhou a meios, aqui plenamente justificados pelos fins.
Bluetooth AptX HD
O painel frontal é dominado ao centro por um enorme botão concêntrico de volume/selector de fontes analógicas e digitais: A1, A2, A3, D1, D2, D3, D4, D5 e Bluetooth AptX HD. Em baixo, à esquerda o botão On/Off; à direita a saída para auscultadores. And that’s it! O Edge A é de uma complexa simplicidade.
Outras funções – além de Mute, pouco mais interessa - só estão disponíveis no controlo de volume, também ele em metal robusto. O Edge A passa ao modo standby automaticamente, ao fim de 20 minutos sem funcionar. Se pretende mantê-lo sempre ligado, tem de accionar um botão no painel traseiro. Não que ele precise: fica bem quentinho ao fim de pouco tempo. Só que soa bem melhor ao fim de uma hora. Se não gosta de arrancar a frio, já sabe…
A primeira surpresa com que me confrontei, foi quando procurei a entrada Ethernet, no painel traseiro, e não a encontrei. Ao contrário do prévio NQ, o Edge A não tem função streaming - e é pena, mais um esforço e ficava um integrado ainda mais completo. Claro que não tem mostrador*, logo…duh… Mas ainda pensei que, obtendo a App da Edge, resolvia o assunto. Nope, aparentemente a App só funciona com o NQ.
Mas tem lá todas as outras ligações analógicas e digitais necessárias, balanceadas e simples (ver foto), incluindo USB A (para ligar periféricos) e USB B para o computador, com o qual já pode, não só fazer streaming, da Tidal, por exemplo, como reproduzir ficheiros áudio de alta resolução até 32-bit /384kHz e DSD256*. Não é compatível com MQA, mas com o aplicativo da Tidal pode reproduzir ficheiros MQA ‘desdobrados’ até 24-bit/96kHz.
*Nota: vai precisar de um leitor de rede como o JRiver instalado no seu PC para reproduzir ficheiros HD e para saber qual a frequência de amostragem.
Normalmente, passo bem sem o Bluetooth. Mas resolvi montar a pequena antena fornecida e entrei no aplicativo da Tidal no meu iPhone. O Edge reconheceu-o imediatamente, e proporcionou-me a melhor reprodução Bluetooth que estes ouvidos já ouviram. Ninguém diria que não é hi-rez. Eu sei que a resolução é de apenas 24-bit/48kHz, só que está lá tudo o que eu procuro na música, com uma qualidade muito acima da média.
O Edge proporcionou-me a melhor reprodução Bluetooth que estes ouvidos já ouviram.
A principal pecha do Bluetooth é a de um som esquálido e granulado. Not here! O grave, sobretudo, é irrepreensível: no tom, no timbre, no ritmo e no balanço. O médio tem estrutura e textura. E o agudo não apresenta granularidade.
Sinceramente, sempre que pretendi fazer audições prolongadas, recorri ao Bluetooth, o que não é apenas raro na minha experiência – é inaudito, pois ao fim de dez minutos estou cansado. Não digam a ninguém que JVH utilizou como fonte privilegiada um…iPhone via Bluetooth! E gostou…
Não digam a ninguém que JVH utilizou como fonte privilegiada um…iPhone via Bluetooth! E gostou...
On the edge of time
O Edge A é o mais silencioso de todos os amplificadores integrados que já ouvi. E não me refiro apenas às medidas obtidas por laboratórios independentes, que mostram níveis de distorção harmónica muito baixos e excelente linearidade, ou o facto de se poder aumentar o volume até ao máximo (sem sinal) e não se ouvir nada, mas mesmo nada, nem um sopro, nem um murmúrio.
É também mecanicamente silencioso. O duplo toroidal montado em configuração simétrica de oposição de fase elimina as interferências electromagnéticas, e o resultado é a total ausência de hum, aquele ronronar contínuo e incomodativo, do qual, no silêncio da noite, não nos conseguimos por vezes abstrair.
Nas especificações, o Edge A é apresentado como debitando 100W/8 ohms, dobrando a potência sobre 4 ohms, funcionando em Classe AX, uma designação para o que é, de facto, um truque genial. Vejam o vídeo para perceber melhor:
De facto, não é só marketing. O Edge A funciona na prática – e soa – como um amplificador de Classe A: a gama média tem uma textura cremosa sem a coloração eufónica das válvulas ou perda de transparência e detalhe.
Grave superlativo
Mas é no grave que o Edge se revela excepcional. A textura e estrutura ‘molecular’ do grave é notável. Tal como o Krell, que me trouxe de imediato à memória, o Edge A não utiliza condensadores no andar de saída (DC coupled). Talvez por isso, tem um ritmo, um recorte e uma pujança que nos delicia a ouvir música com forte suporte rítmico.
Funciona um pouco como a técnica do contraponto para a criação de ‘texturas’, na música de Bach, porque também revela a rara experiência de interacção melódica nas linhas de baixo. Esta característica é independente da extensão do grave, pelo que se mantém independentemente de se utilizar monitoras ou colunas de banda larga. Ou auscultadores!*
- Nota: utilizei aqui o adaptador do Hifiman HE6se para os poder ligar directamente aos bornes das colunas, em vez da entrada própria.
Se tivesse escrito esta crítica em inglês, terminava assim:
The Edge A kept me on the edge of time immersed in the music.
Para mais informações: