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Chord Anni(e), porque acho que é feminina, é um amplificador de auscultadores de 1.549 euros com 10W extra para alimentar colunas. A Chord completa assim a ‘trilogia’, composta ainda pelo DAC Qutest e o andar de phono Huei.
Quanto testei o DAC Qutest, achei estranho não ter ao menos uma saída para auscultadores. Ei-las agora, não uma mas duas ( 3,5mm e 6,35mm). Anni(e) oferece também saída para colunas, servida por um amplificador de apenas 10W, que utiliza a mesma tecnologia dos Ultima.
Anni(e) é uma amostra de perfume caro, que nos dá um ‘cheirinho’ da fragância sonora dos Ultima.
Na base dos Ultima, está a tecnologia de amplificação com circuito de topologia dual-feed-forward do Dr. Malcolm J. Hawksford, da Universidade de Essex, que ainda tive o prazer de conhecer pessoalmente, no decorrer de um dos muitos Hifishows a que assisti no Penta Hotel, nos anos oitenta.
A teoria foi posta em prática por Bob Cordel e recuperada por John Franks no amplificador Étude (daí o nome) e depois nos Ultima, tirando partido das fontes comutadas, que não eram prática comum na altura.
Esta topologia permite corrigir e compensar a linearidade de cada Mosfet do andar de potência individualmente, logo na entrada do circuito e não na saída, portanto, sem os inconvenientes das técnicas de realimentação negativa, como perda de ganho e desvios temporais (atraso na resposta aos transitórios) que resulta num som frio, embora as medidas de sinusoides estáticas em laboratório sejam sempre muito boas.
Mati Otala: a realimentação negativa é como um cão a correr atrás da cauda, raramente a apanha.
Festival de cor e luz
Anni(e) veste-se de muitas cores e é muito parecida com os seus irmãos Qutest e Huei: um tijolo negro decorado com berlindes luminosos e código de cores, que funcionam como comutadores de ativação e de ganho: High (vermelho) e Low (azul), que é o default com auscultadores. Os modos de ganho High/Low não estão disponíveis com auscultadores. Porquê? E pode utilizar as duas saídas para auscultadores em simultâneo, mas a regulação de volume é comum a ambas. Porquê?
Já o botão on/off ilumina-se de verde em modo operacional e, se pressionado de novo, passa a vermelho em modo standby. Ao introduzir o jack, desliga as colunas se estiverem ativas, e o botão de ganho passa a azul (low), ou red/blue se partir de ganho High, enquanto o botão de corrente passa a verde, e de novo a vermelho quando se retira, reativando as colunas.
Anni(e) perdeu a janela circular central dos irmãos, pois era preciso uma grelha de dissipação do calor (aquece bastante) gerado pelo amplificador. Assim, os botões foram puxados para a direita e a grelha colocada à esquerda (topo, lateral e frente), onde está alojada a secção de amplificação.
Ao centro, algo apertado para dedos grandes se ambos os jacks estiverem ligados, um botão de volume temperamental (sem remoto) iluminado com fundo de cor púrpura, que também funciona como seletor de fontes, quando pressionado: botão azul para a entrada 1 e vermelho para a entrada 2. No escuro, podem ver-se também luzes verdes e vermelhas no interior através da grelha perfurada, emitidas pelos diodos.
O pequeno ‘tijolo’ que faltava na trilogia
No painel traseiro, percebemos que Anni(e) era o pequeno ‘tijolo’ que faltava nesta trilogia, pois tem uma saída DC umbilical para alimentar um dos irmãos e apenas duas entradas RCA, portanto trata-se de um assunto de família.
Ao contrário do que é habitual nos HeadAmps, em vez da saída de prévio, tem as tais saídas para colunas já referidas (só bananas). E um borne de terra, provavelmente a pensar no Huei, creio.
Anni(e) é fornecida com uma fonte de alimentação comutada de 15W, tipo transformador, que se liga por meio de uma ficha-DIN de 4 pinos, o que me impediu de utilizar a Ferrum Hypsos, por não ter cabo compatível. Muito gostam os britânicos de ser diferentes…
Como também não tinha à mão um DAC Qutest, recorri ao meu fiel Hugo 2 para fazer as honras da conversão D/A, pois, já vimos, que Anni(e) é apenas um amplificador, não um DAC.
A Chord já provou vezes sem conta que sabe fazer bons amplificadores de auscultadores. Anni(e) não é exceção: tem potência, controlo, dinâmica, transparência e baixa distorção. Com auscultadores, a potência parece ser ilimitada. Já com colunas, há um limite a partir do qual se sente algum desconforto, leia-se dureza. Daí a importância de optar por colunas de alta eficiência.
Anni(e) é, sobretudo, mais neutra que o Hugo, por exemplo, talvez porque tem mais autoridade sobre os auscultadores, nomeadamente os planar-magnéticos como os Hifiman.
Contudo, se em vez do Qutest, o leitor já tem um Hugo 2 como DAC e amplificador de auscultadores, não se justifica o investimento só para cumprir esta última função. Até porque o som do Hugo é um gosto adquirido: eu chamo-lhe voluptuosidade tonal.
Se, por outro lado, já ouviu um Ferrum Oor e apreciou a limpeza e controlo do processo musical, Anni(e) oferece algo semelhante, ainda que sem a excecional qualidade da ligação balanceada daquele. Mas, sejamos justos, o Oor não ataca colunas, apenas auscultadores (ou colunas ativas, claro).
Só tive pena de já não ter aqui comigo os Meze Audio Empyrean/Elite, do mesmo distribuidor, JLM, com os quais devem fazer um casamento fantástico sem ter de se pagar muito pela boda. Com os Hifiman HE1000, que não são pêra-doce, não passei da posição de meio-dia. Nem me atrevi a ir até ao fundo.
10W de saúde sonora
E quanto ao dote da Anni(e)? Os 10W servem para alguma coisa?
Se tem um par de colunas de corneta de elevada eficiência, ou umas Devore Orangutan, a potência chega e sobra para as vicissitudes da vida audiófila. Eu tinha aqui um par de Sonus faber Concertino originais, que andam cá por casa há anos e, sendo pequenas e algo pachorrentas, gostam de amplificadores musculados, sobretudo de válvulas. Mas a Anni(e) bateu-lhes o pé, quem diria?
Surpreendentemente, os níveis de pressão sonora possíveis foram mais do que suficientes para audições confortáveis e civilizadas com todos os tipos de música. A minha mulher gostou e os vizinhos também. Evitei sempre o prego a fundo para evitar distorção (dureza), é verdade, mas ainda assim com boa velocidade de cruzeiro.
Anni(e) e KEF LS50 Meta
Mas admito que estive o tempo todo a pensar nas KEF LS50 Meta, que devem ser o par ideal para este ‘frasquinho de perfume’ de nuances florais com notas de citrinos.
Faça, por favor, a experiência por mim, e dê-me notícia do resultado: a crítica áudio só faz sentido se funcionar como um intercâmbio com o leitor, que hoje já não aceita passivamente as opiniões da crítica, e quer ouvir por si próprio antes de investir o seu dinheiro. E faz muito bem.
Anni(e) em Concert (ino)
Munido de um leitor Universal da Oppo, abri com o Messias, na versão de Gardiner, para aquilatar da capacidade de Anni(e) para pintar um palco amplo e estável com colunas. Pintou.
Segui com os Supertramp, e deixei-me surpreender com o controlo do excesso de brilho de algumas produções desta banda pela doçura acetinada de Anni(e); a capacidade de boa destrinça tímbrica dentro da mistura complexa; e a entrega sem medo ao excelente jogo de pares entre a baterista e o baixista, sem prejuízo da compreensão do contributo das vozes.
Ouvi o SACD de ‘Oh Mercy’, de Bob Dylan, um disco difícil só para ver/ouvir se Anni(e) deixava passar o ‘mau feitio’ de Dylan – e deixou.
Deliciei-me com ‘Cancion’, de Cláudia Gomez, da Clarity Recordings, gravado apenas com um par de microfones: as duas vozes desafiando-se mutuamente, a guitarra dedilhada e a delicadeza percutiva das claves estavam no ponto.
Fechei com o SACD de ‘Salamander Pie’, outro dos meus favoritos: voz, contrabaixo acústico e piano, com histórias de espionagem e bebedeiras. De beber e chorar por mais…
E ainda dizem que as mulheres são o sexo fraco? Os 10 watts da Anni(e) vão mostrar-lhe o significado de poder gracioso…
Chord Electronics Anni: €1.549
Distribuidor: Grupo JLM