Na “Nota Preliminar” de “Mensagem”, Fernando Pessoa escreve que são necessárias cinco qualidades para se poder compreender correctamente o seu conteúdo simbólico, que eu irei adaptar para levar a bom porto este exercício de crítica audiófila, também ela uma actividade profundamente esotérica, a saber:
- Simpatia
O crítico tem de sentir simpatia pelo equipamento que vai testar. A abordagem não deve ser hostil, portanto.
- Intuição
Não basta a simpatia, embora seja importante, é necessária a capacidade de “ouvir” para além do símbolo.
- Inteligência
Analisa, decompõe, relaciona. A Inteligência precisa da Simpatia e da Intuição para se tornar de meramente discursiva em analógica, ou não será possível interpretar o valor simbólico.
- Compreensão
Talvez a mais importante para o crítico. Exige o domínio de múltiplas matérias, de forma a que o “símbolo” seja iluminado por várias luzes. Não é erudição, pois a erudição é uma soma; nem cultura, pois a cultura é uma síntese; é a vida de experiências feita.
- Graça ou Conhecimento
É a mais complexa e inscreve-se no plano do Divino: é a mão do Superior Divino que guia quem tentar ir mais longe na compreensão do simbolismo das coisas, e lhe permite escrever sobre aquilo que, de facto, entendeu, para que outros o entendam também.
É essa a tarefa a que me proponho, pois não creio que, na actual situação económica do país e da Europa, haja outra forma de abordar a análise subjectiva do prévio EMM Pre2 SE, que custa 17 000 euros!, e não é auto-suficiente, isto é, isolado não nos permite sequer começar a percorrer a pé a via sacra que leva ao Graal Sónico, quanto mais em primeira classe; e, em conjunto, foi concebido para “passar incógnito”, quando inserido num sistema complementar, composto por uma fonte, um amplificador, colunas de som e respectivas cablagens.
Por outras palavras: só os “iniciados” nos rituais esotéricos do highend poderão compreender o “simbolismo” do valor real do EMM Pre2 SE.
Todos os outros seres racionais, ditos “com bom senso”, terão dificuldade em aceitar o que lhes é proposto pela Ultimate Audio Elite, o distribuidor oficial, e que vai ser aqui veiculado no HIFICLUBE, ou seja, que comprem, pelo elevado preço proposto, um aparelho cuja utilização prática exige que se gaste pelo menos o triplo em equipamento complementar.
Claro que pode lá ir “ouvi-lo”, à loja de Benfica, sem qualquer compromisso, uma experiência que o “iniciará” nos “5 Passos para o Entendimento”, sobretudo se deixar-se guiar pela mão, não do Superior Divino, mas de “Maître” Jorge Gaspar.
Se você, caro leitor, não tem “Simpatia” pelas virtudes esotéricas do highend, nem desenvolveu ainda a “Intuição” necessária para a sua “Compreensão”, não há “Inteligência” que lhe valha, e só lhe resta mesmo invocar a “Graça” divina para o ajudar a investir o seu dinheiro conscientemente, se o tiver, ou para que lhe saia o euromilhões, se o não tiver.
Que o Superior Divino me dê a Graça, portanto, a mim também, de o convencer da bondade desta proposta, sem que fique no ar a mínima dúvida sobre a isenção deste exercício crítico e o valor simbólico de um prévio cujo custo é... bem real.
Da nobre arte de pré-amplificar
O pré-amplificador é o coração de qualquer sistema de som: bombeia o sinal para as várias artérias. Se preferir uma analogia mais prosaica, pense no prévio como uma “rotunda”, algo muito na moda no universo autárquico: de Cascais a Alcabideche (5 km), onde moro, circulo por mais de uma dezena de rotundas até chegar a casa! A ideia é tornar o trânsito fluído sem interferências na velocidade do fluxo. O selector permite-nos escolher a via; o controlo de volume, a “potência” do sinal. Outros há que nos permitem manipular a fase, o balanço (ou equilíbrio entre canais) e até a tonalidade (graves e agudos).
O prévio ideal, quando inserido num sistema completo, e com o controlo de volume seleccionado para o ganho unitário, não deve distinguir-se, no carácter do som, do mesmo sistema sem prévio, isto é, com a fonte directamente ligada ao amplificador. São raros, muito raros, e tanto mais difíceis de encontrar quanto mais “funcionais”.
Com alguns “eleitos”, como o EMM Pre 2 SE, o sinal original melhora com a sua introdução no sistema, sem que as suas características organolépticas se alterem.
Ora, com as actuais fontes digitais, que dispõem de saída variável, como é o caso do Oppo BDP95, que utilizei neste teste como transporte universal/DAC, onde está a racionalidade de gastar uma fortuna em “algo” que, afinal, não faz falta nenhuma?
Bom, os prévios fazem falta para ligar várias fontes simultaneamente e poder seleccionar a que nos interessa em cada momento. Mas isso não se pode fazer com um prévio passivo?, pergunta o leitor.
Sim, claro, mas os prévios activos “alimentam” os cabos e garantem a compatibilidade de impedâncias da fonte até ao amplificador e, last but no the least, têm ganho, que faz muita falta para dar escala e volume ao processo musical em curso em determinadas circunstâncias específicas, como a opção por colunas de baixa sensibilidade.
Digamos, então, que o prévio é um mal necessário, pelo qual temos de pagar caro para que cumpra a sua função como se não estivesse lá. Para mal dos nossos pecados audiófilos, isto é mais fácil de dizer do que de fazer. E é isso que torna a busca do prévio perfeito a mais longa saga da história da audiófilia, que eu tenho acompanhado nos últimos trinta anos, e cujo epílogo parece estar próximo agora - não o meu, enquanto crítico de áudio, espero, mas o da saga, de que o Emm Pre 2 é um bom prenúncio.
O proverbial fio-com-ganho, enquanto desiderato sónico na área da amplificação pura e dura, é ainda mais importante aqui, pois a introdução no sinal de cromossomas do prévio já não é possível de eliminar no DNA total do som do sistema, e são demasiado vulgares as mal-formações congénitas, leia-se, a presença do efeito de op-amps no sinal. Nenhum prévio que os utilize pode ser verdadeiramente transparente e neutro. Nós é que podemos habituarmos aos desvios de neutralidade, porque “temperam” o som ao nosso gosto e este nos agrada mais, por ter esta ou aquela razão.
O outro problema generalizado que afecta os prévios é o controlo de volume. Já nem escrevo sobre o balanço e os controles de tonalidade, em especial estes, pois são, por definição, um desvio voluntário e, admito, por vezes, útil da neutralidade. Ora nenhum potenciómetro é neutro. Ponto final. Os que mais se aproximam são os de resistências, muito utilizados nos prévios passivos, sendo que, em cada passo, apenas uma está no caminho do sinal.
Os circuitos lógicos e a tecnologia digital têm adaptado esta solução artesanal com propostas híbridas muito promissoras, já que os controlos de volume digitais puros são mais perfeitos no papel que nos resultados obtidos: aumentar artificialmente o número de bits de cada palavra da trama digital para depois os poder reduzir para baixar o volume é um processo redundante, quase de “esperteza saloia”.
O que o grande Ed Meitner tentou produzir foi um “fio-com-ganho-prévio”, com todas as vantagens de funcionalidade básica e neutralidade dos prévios passivos, sem os inconvenientes da flutuação dos valores de impedância e a capacidade ilimitada para “alimentar” cabos de qualquer génese e comprimento. He did it, again!
EMM Labs Pre2 SE High-End preamplifier
A construção é robusta e sóbria. Não será um modelo de arte audiófila, pelo menos externamente. O meu McIntosh C2200, um pouco kitsch, no arroubo daqueles olhos azuis, tem mais carisma. Mas estamos a falar de duas filosofias que, não sendo antagónicas, pois pretendem atingir o mesmo objectivo, escolheram caminhos bem diferentes, tanto no design como na tecnologia: a simplicidade de estado sólido face à funcionalidade fundada no vácuo.
A marca gravada “a fogo” no dorso negro dá-lhe um toque distintivo e inconfundível e é a primeira indicação de que se trata de coisa séria, ou Meitner teria optado por um simples logotipo autocolante.
No painel posterior, prevalece o já referido princípio da “rotunda” de distribuição de tráfego áudio, com muitas saídas alternativas: duas balanceadas e quatro não-balanceadas, com diferenças de ganho significativas (12dB e 6dB), que podem ser renomeadas e ajustadas de forma independente, o que torna o Pre2 um instrumento de trabalho imprescindível para um crítico. O mostrador também permite ajustar a luminosidade, e vê-se bem à distância.
Com um voltímetro (ou um bom ouvido) e um disco teste e um sinal a 1kHz, é possível garantir o mesmo nível de saída para cada uma das fontes. De referir que as “diferenças” entre fontes muitas vezes não passam de diferenças de ganho que, uma vez corrigidas, se desvanecem como por magia. O que era “melhor”, afinal era apenas “mais alto”...
O Pre 2 não tem entrada de Phono nem saída para auscultadores. No fundo, o Pre 2 é uma caixa negra que gira à volta de um botão rotativo.
No que diz respeito às funcionalidades, ficamos por aqui. Para uns chega, para outros é pouco, muito ou nada, como quem desfolha o malmequer. Daí a importância dos “5 passos” na abordagem a um equipamento deste tipo, que custa uma pequena fortuna e se limita a seleccionar fontes e a corrigir-lhes o ganho, mantendo incólumes tanto a personalidade acústica como o carácter sonoro de cada uma.
Não é ele, pois, apesar do preço, que se adapta à suas necessidades, caro leitor. É você que tem de estar previamente, passe a expressão, preparado para ele, isto é, ter “Simpatia” pelo produto. E muito menos tenta adaptar o som dos discos ao seu gosto pessoal. É pão-pão-queijo-queijo. Não há aqui sandes clube em pão tostado com tomate, alface e maionese: ou é pão ou é queijo!
Sendo americano, o Pre2 é de uma neutralidade suiça e, por certo, a Audioelite vai manter também o segredo bancário de quem o compra...
O controlo de volume é a cereja neste bolo de chocolate negro. Uma obra-prima de concepção híbrida ( proprietary software-based analog volume control ), mas sem o inconveniente das versões artesanais utilizadas em muitos prévios passivos, cujos passos se ouvem como tacões altos em soalho de madeira no andar de cima.
O Pre2 dá pequenos passos de gueixa, inaudíveis e miudinhos, num longo trajecto de -64 a +6dB. Claro que pode sempre recorrer ao controlo remoto (um belo naco de alumínio esculpido), mas isso já é sexo virtual, à distância: o que dá gozo aqui é “mexer no material”...
Ora, é na análise do controlo de volume que o segundo passo – passe de novo a expressão – o da “Intuição” é fundamental. O que para uns é apenas um botão que roda para aumentar o volume é, de facto, a pièce de résistance do Pre2.
Deixemos, por agora, o passo 3, o da “Inteligência”, que concedo de mão-beijada a todos os verdadeiros audiófilos que me lêem, e socorramo-nos antes da “Compreensão”, o saber de experiências feito que nos permite afirmar que este é o melhor potenciómetro do mercado.
Funciona segundo a filosofia dos “Seals”, o corpo especial de marines americanos, que “não deixam ninguém para trás”: sobe e desce tudo ao mesmo tempo! E não é isso que fazem todos os outros potenciómetros, mais ou menos sofisticados? Não.
Já vimos que há potenciómetros que alteram, não só o volume, mas também as relações de força no circuito electrónico interno, bulindo com as impedâncias. Há sistemas que se tornam estridentes a altos níveis de pressão sonora e baços a baixos níveis. O Pre2 garante que a diferença entre “alto” e “baixo” está apenas no volume percebido pelo ouvinte. E refiro-me ao volume da música, porque o ruído próprio é praticamente nulo. Semper Fi.
Intrometi o Pre2, em substituição do McIntosh C2200, no actual sistema residente, composto por amplificação NCore, de Bruno Putzey, e colunas Ktêma, de Franco Serblin. Como fonte, um transporte Oppo BDP95, lendo ficheiros de alta resolução, convertidos até ao limite dos 96kHz pelo DAC64. Para alguns ficheiros a 176 e 192kHz servi-me do DAC (Sabre) interno do próprio Oppo, que também liguei, como termo de comparação, directamente aos NCore (saída variável). Utilizei ainda CDs, DVDs e BD (da nórdica L2) áudio, com todos os géneros musicais. Do clássico ao reggae.
O Emm Pre2 é o mais neutro de todos os prévios de estado sólido que já testei – e foram muitos. Incluo aqui os Mark Levinson do mesmo distribuidor. Atribuo esta notável característica ao controlo de volume e à ausência no caminho do sinal dos mal-fadados op-amps utilizados por quase toda a concorrência.
A neutralidade, em si, não é uma condição sine qua non para um som de elevada qualidade. Senti, por vezes, na comparação com o C2200, que o tempêro das válvulas confere ao som corpo e alma, e ao palco sonoro uma natureza expansiva que, sendo alegadamente falsa, é muito agradável ao ouvido e se recomenda.
O CD, por exemplo, ao contrário do LP e de alguns ficheiros de alta resolução - não todos, infelizmente - pode soar seco e “fininho”, e as válvulas contrariam de alguma forma esta característica inata, com uma molhenga sápida e quente de 2ª harmónica. Mas nem aqui Meitner quis ceder terreno, mantendo-se fiel aos seus princípios e ao som original.
O Pre2 mantém o equilíbrio precário que existe entre a palheta e a corneta (o saxofone é uma “madeira”, apesar de ser de metal), o sopro e o corpo dos metais, o peito e a alma das vozes, o ar e a ressonância da percussão, o tempo e o espaço, a vibração e a emoção, a verdade crua e a mentira doce e piedosa.
Compete ao potencial comprador servir-se da sua “Inteligência” para analisar, decompor e relacionar o que aqui fica escrito. Valer-se da “Simpatia” e da “Intuição” para tornar analógico o que é meramente discursivo, e assim poder interpretar o valor simbólico deste teste. Compete-lhe decidir o que é mais importante para si.
Sou dos que dão de bom grado o corpo em vez da alma, a razão em vez da emoção – daí eu conviver bem com alguns genes mutantes introduzidos pelo vácuo, assumindo – e desculpando - como humanos: erros meus, má fortuna e amor ardente.
Mas não precisei da “Graça” do Superior Divino para admitir que o Emm Pre 2SE é a actual referência de estado sólido para quem não quer mais que bem querer à música e à sua correcta reprodução electrónica.
O Emm Pre 2 SE é um prévio para quem quer ter – e pode ter - o tudo que é nada. E isso custa caro, porque, em termos audiófilos, o nada é muito. Demasiado, hélas, para muitos de nós...