A Focal é famosa pelas sua colunas de som, sobretudo a linha Utopia. Também fabrica colunas para automóvel. E fornece altifalantes sofisticados a outros fabricantes de colunas. Recentemente, resolveu lançar no mercado os auscultadores Spirit One , bem visível no suporte de cabeça. Ora, uma marca com este prestígio não vai deitar tudo a perder, depois de tantos anos de esforço de Jacques Mahul, ao “perfilhar” um produto que, embora fabriqué en Chine (a única forma de tanta qualidade custar tão pouco: 199 euros!), foi concebido e desenvolvido em Saint-Etiènne, França, pela mesma equipa de técnicos responsável pelas Grand Utopia EM.
A apresentação luxuosa, numa bolsa de tecido negro, que veste um estojo rígido que contém os auscultadores e os seus acessórios, é o primeiro sinal de que a Focal não brinca em serviço.
Os Spirit One foram referidos en passant por Françoise Bardon e Jean-Philippe Fontaine, numa curta entrevista relizada, numa esplanada do aeroporto de Lisboa entre dois voos Fiquei curioso e, após uma visita à Absolute Sound/TOPAudio, em Lisboa, onde tive o grato prazer de reencontrar o Carlos Moreira, trouxe para testar um par de Spirit One e, passados 6 meses, ainda cá estão...
Nota: a Focal é actualmente distribuida em Portugal pela Esoterico, Consultores de Som
E porquê?
Habituado toda a vida ao fillet-mignon do áudio, o que me terá levado a “perfilhá-los” também? Batem-se com os Stax electrostáticos? Os notáveis Audeze, que são Magnepans de colocar nos ouvidos? Ou até os Sennheiser 800, também distribuidos em Portugal pela TOPAudio? Claro que não. Aliás, custam um décimo do preço, ou um quadragésimo até, no caso dos Stax topo de gama. Isto não é, pois, uma crítica áudio convencional, é antes a justificação técnica para a decisão económica de um crítico de áudio que, podendo ter tudo e coisa nenhuma, optou pela simplicidade de algo que o satisfaz o suficiente.
Foi esta a razão porque resolvi ficar com o par de teste. O que já é dizer muito sem dizer nada...
Os Spirit One acompanham o “espírito do tempo”.
De facto, é preciso acompanhar o “espírito do tempo” – e o tempo hoje está na internet, no Facebook, no You Tube. Percebi isso há 10 anos, tantos quantos tem o HIFICLUBE.net, cujo aniversário (09 de Julho 2002) deixei passar sem comemoração ou emoção, exactamente porque estou mais interessado no presente olhando para o futuro, sem renegar o passado, quando ainda escrevia no papel para ser lido em papel de jornal que, no dia seguinte, servia hélas para embrulhar peixe no mercado. Ainda quando eram ramos de flores coloridas e perfumadas ou castanhas fumegantes...
Quanto às revistas da especialidade, com excepção das que divulgam produtos de luxo em papel couché a la Vogue: moda, automóveis, viagens, relógios, decoração, etc., cuja função é também a de “decorar” os balcões das lojas que os vendem e as salas de estar de quem os compra para impressionar as visitas (e são depois fora de tempo mil vezes desfolhadas por dedos molhados no ADN de pacientes impacientes, nos consultórios médicos e na antecâmara de tortura dos dentistas), o seu papel hoje na sociedade (e na natureza...) está a esgotar-se, num mercado em quarto minguante, depois das gloriosas noites de lua cheia, que se esgotaram na contemplação da sua própria glória.
Hoje, nos escaparates dos Press-Center, por esse mundo fora, há mais revistas sobre musculação que amplificação...
Até o papel-dinheiro tem os dias... contados. Actualmente, o dinheiro em circulação é quase todo virtual. Por isso a crise aconteceu quando alguém se lembrou de exigir dinheiro “à vista” - e não a perder de vista – e não o havia afinal em lado nenhum.
Os Americanos resolveram o problema: imprimiram mais e a banda continuou a tocar, enquanto a economia se afunda. A Europa deixou de fora essa possibilidade, por imposição da Alemanha, por ironia a maior caloteira da história recente, que nunca pagou as dívidas de guerra.
Os Spirit One foram assim uma decisão pensada, fundamentada na experiência, na racionalidade do investimento, com a economia em pano de fundo, e na utilização intensiva do equipamento, numa base diária. Tenho uma máxima: se possuo algo que não utilizo regularmente, então isso é dispensável na razão directa do tempo que passou desde a última vez que a utilizei.
Não sou, nunca fui, um grande adepto de auscultadores. Muito menos dos earphones intrauriculares, cuja utilização negligente pode levar à surdez precoce dos nossos jovens, ainda antes dos sintomas de esteatose hepática.
Ora, críticos de áudio com esteatose hepática conheço muitos. Já surdos, configura-se como uma contradição entre termos, embora eu conheça alguns que se recusam a aceitar essa “contradição”: ou porque que não sabem ouvir, ou porque já não conseguem ouvir e não sabem...
Isto não significa que JVH nunca tenha utilizado earphones, e não os considere intrumentos de trabalho úteis e práticos, até pela sua portabilidade. Em alguns casos, até pela espantosa qualidade de som, não no sentido de fabulosa mas antes de surpreendente, pois sendo objectos minúsculos reproduzem um som enorme, ainda que esta dimensão varie muito com o seu posicionamento no canal auditivo. Quanto mais “enterrados” mais graves parecem ter, até ao dia do enterro dos tímpanos...
Focal Spirit One: l'esprit du temps
O Focal Spirit One foi concebido para ser utilizado, de forma prática e eficaz, para ouvir música on the move com o iPod, iPhone e iPad (et pour cause a Focal vai lançar a versão em branco Apple), tendo o cordão um controlo de volume e comutador para se poder atender directamente as chamadas, além de fornecer os adaptadores e fichas necessárias para instalação em computadores, incluindo o duplo-jack que ainda se encontra em alguns modelos de aviões comerciais, nomeadamente os Boeing da Continental que me transportaram durante anos mal e porcamente até Las Vegas (e se a viagem é longa!...).
Claro que pode ser utilizado também em sistemas áudio sérios com jack normal ou mini (os prévios da McIntosh, por exemplo). Nesta última função, a qualidade do som é tanto melhor quanto melhor for a fonte e o programa, portando-se o “One” com galhardia quando o confrontei com a minha colecção de ficheiros de alta resolução.
O cordão é forrado a tecido e não se “enrola”, como aqueles cordões de telefone fixo que nos obrigam a brincar aos “piões” para o desembaraçar. Além disso, é amovível, logo pode ser substituído por um cordão de referência, se a sua filosofia audiófila for incompatível com “obstáculos” no caminho do sinal, como o referido “atendedor de chamadas” e respectivo potenciómetro de volume. A minha preferência vai sempre para a “linha recta” entre dois pontos. Há marcas famosas que oferecem cabos para auscultadores inclusivé em prata e ouro. Fica aqui a sugestão.
Mas o que mais me atraiu no “One” foi a empatia com o meu PC portátil, fiel companheiro de viagem, imprescindível instrumento de trabalho, que tem vindo a aumentar de peso, logo de potência, na razão directa do “peso” dos ficheiros de vídeo. Noite dentro, nos quartos de hotel ou no silêncio do lar, com a esposa a dormir, posso editar os meus videos registados com som directo, e publicá-los quase em tempo real no HIFICLUBE, sem a incomodar, porque a portabilidade do “One” está associada ao excelente isolamento acústico.
É verdade que um modelo intra-auricular também me garante o silêncio, mas fico tenso com aquelas coisas espetadas nos ouvidos e assim aguento menos tempo de “serviço”. Além de que os altifalantes tipo “supositório” auricular são pouco higiénicos, sobretudo quando se pretende partilhar sons e não fluidos...
O “One” é leve e adapta-se perfeitamente à minha cabeça, com o “aperto” justo (em ambos os sentidos da palavra) aos meus ouvidos, por acção mecânica da estrutura pivotada em alumínio. Para pessoas com a cabeça avantajada, ou muito cabelo (o que manifestamente não é o meu caso...), convém ver se a carapuça lhes serve, porque a extensão da cabeceira ou arco de suporte é limitada. Do mesmo modo, quem tem orelhas grandes não as vai conseguir “envolver” pelo formato ovalizado dos auriculares – e lá se vai o isolamento acústico.
As almofadas são forradas com uma pele sintética suave e atérmica que não “aquece” com o uso prolongado. O design é excelente e, quando me vejo reflectido num espelho, com eles montados na cabeça, não me sinto ridículo, como acontece com os Jecklin Float, que parecem um capacete para “andar de mota”.
A arte do silêncio
Da mesma forma que o som não “sai” para o exterior, como nos auscultadores dos “exibicionistas”, que impõem a sua música a todo o espaço em redor; também não “entra” de fora para dentro (20dB de atenuação, dependendo da frequência), o que os torna muito úteis em viagem: aeroportos, aviões, comboios, etc.
Mas para isso há os auscultadores activos, não é verdade? Que eliminam electronicamente o ruído exterior, como os que são utilizados pelos jogadores de futebol, que os exibem em viagem, porque acham que lhes dá um ar muito fashion. Ora era aqui que eu queria chegar.
Há uma linha que separa o lixo da música...
Há uma linha que separa os que não deixam entrar parte do lixo dos que escondem o lixo todo debaixo do tapete. Os “activos” não eliminam o ruído exterior, “mascaram-no” ao introduzir no som sinais com a mesma frequência em inversão de fase. Ou seja, escondem engenhosamente o lixo, de tal forma que continua lá mas o cérebro já não o pode “ouvir”.
É como vestir uns “hot pants” por cima de umas cuecas sujas, quando a melhor opção seria tirá-las, e mostrar a nudez crua da verdade...
Acontece que tudo o que é activo exige alimentação. No caso dos auscultadores, é a bateria ou pilhas. E se ela se esgota, não há som para ninguém, porque o sistema de cancelamento está no caminho do sinal all the time, mesmo desactivado. Ora, como o circuito funciona como um filtro de pente, que actua a posteriori, pode também alterar outras frequências que não são lixo, deitando assim o bebé fora com a água do banho. Além disso, tornam os auscultadores mais pesados. O “One” pesa apenas 225 gramas já com a fralda molhada e tudo...
Como último argumento para optar por “passivos”, embora não sejam tão eficazes como os “activos” na redução de ruído exterior, quanto mais ruidoso for o ambiente (o interior de um avião, uma estação de metro, ou a rua numa grande cidade, mais energia em inversão de fase é necessária para compensar, e isso leva muitas vezes o amplificador de sinal dos gadgets móveis (normalmente, fraquinho, benza-o Deus) a entrar em clipping produzindo distorção, que ainda é pior que o ruído que se pretende eliminar.
O Focal Spirit One (com o cabo de origem) tem um equilíbrio tonal que me agrada. Nem aquele brilho prenhe de informação dos Sennheiser, nem a tímida musicalidade dos Grado. Já o disse: não são os Stax nem os Audeze. Falta-lhes o requinte harmónico destes. E apesar de se gabarem de uma resposta optimista de 6Hz-22kHz, o grave não tem o corpo e a presença que, escrevo de memória, se experimenta com os Sony—que testei há muitos anos (ver teste aqui), embora esteja lá quando é preciso. De facto, com as bandas sonoras de filmes, o “One” parece acordar da letargia para provar que também sabe descer as escadas e ir lá abaixo à cave buscar mantimentos, à custa de algum esforço (leia-se alguma distorção abaixo dos 30Hz, com perda de definição, o que é vulgar com quase todos os auscultadores). Mas para isso precisa de amplificação dedicada, não basta ligá-lo ao iPAD e este ao You Tube.
O que o “One” me dá todos os dias – e o nome permite-nos pressupor que vai haver o “Two” e o “Three” - são as vantagens da “auscultação” correcta de música e outros sons, com uma notável sensação de espaço e ambiência, sem os inconvenientes do preço, do peso, do desconforto do calor e dos ênfases tonais excessivos que me distraem do trabalho. A resposta em frequência soa-me muito linear, apesar de um “piquinho” benigno nos 6kHz, ao qual já me habituei e até favorece o detalhe sem agredir. Daí que a presença do “Spirit One” não tanto é física, é mais... (e)spirit(ual).
Recomendado por JVH para JVH.
Preço: 199 euros
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