Homenagem de JVH ao grande mestre artesão do som Franco Serblin, no 8º aniversário da sua morte.
Fez no dia 31 de Março, 8 anos que Franco faleceu. Eu deixei passar uns dias, porque esse dia é para mim uma recordação dolorosa. Hoje resolvi adaptar um texto que já tinha escrito sobre as Lignea para homenagear a sua memória e saudar o regresso da marca à parceria Absolute Sounds/ Imacustica.
A monitora Lignea é a obra póstuma do Mestre de Arcugnano, Vicenza, na linha de outros grandes artesãos como Amati, Guarneri e Stradivari.
Quando Franco Serblin revelou ao mundo as Ktêma, depois de 3 anos de silêncio monástico, escrevi isto na abertura da notícia:
‘Franco saiu da Sonus Faber em circunstâncias que nunca foram explicadas, mas que têm obviamente a ver com diferentes concepções de gestão do tempo – o de Franco, que é Moderato gracioso e o do mercado que é Presto’.
Agora sei porque saiu e também sei que foi convidado a ficar com garantia de autonomia criativa. Mas Franco era um espírito livre e a dor e o orgulho falaram mais alto. Tanto que, depois de nos ter dado as Ktêma e as Accordo, Franco faleceu, num Domingo de Páscoa – o dia da ressurreição...
No epitáfio que, então, escrevi pode ler-se:
‘De todos os grandes criadores audiófilos que conheci, ao longo da minha carreira de trinta anos, Franco Serblin terá sido aquele com quem estabeleci maior empatia, que se tornou com o tempo numa relação de amizade fraterna, alicerçada no respeito mútuo e, sobretudo, na minha admiração pela sua genialidade e personalidade cativante.’
Franco Serblin Lignea, a obra póstuma do Mestre
Como outras grandes obras póstumas da cultura mundial, a coluna de som monitora Lignea foi acabada por Massimiliano Favella, genro e discípulo de Franco Serblin, cumprindo os desejos e seguindo os princípios do último grande mestre artesão de Arcugnano, que sempre foi um cultor dos pequenos monitores, tendo atingido o expoente máximo com as Electa Amator (há quem diga que foram as Extrema):
'After three years of research and development, LIGNEA, one of the last projects conceived by Franco Serblin,
has become a reality. During all the steps, I always followed his teaching and his “modus operandi” for every single detail. Today I wish to affirm that the value we give to things is the meaning
we put in them The value I attribute to the LIGNEA project is the profound esteem I always had for Franco.'
Massimiliano Favella
Trata-se de um mini monitor de apenas 4 litros, em forma de instrumento musical invertido: talvez um alaúde renascentista. Os detractores poderão alegar que se parece com uma cobra capelo, mas até essas têm uma forte conotação com a música - quem não conhece os encantadores de serpentes egípcios?...
Acontece que, neste caso particular, somos nós, os ouvintes, que ficamos ‘encantados’ pelo som das pequenas Lignea, que desaparecem de cena para nos deixar perante um espaço musical ao mesmo tempo intimista e sensual: ‘intimissi’, ou não fossem italianas.
As Lignea são construídas em madeira sólida, com uma câmara de refracção traseira concebida de forma a eliminar as ondas estacionárias. O ‘tweeter’ de cúpula de seda tratada de 27mm e o médio-grave de 110mm estão montados num ‘baffle’ estreito que proporciona o ‘vanishing act’, com boa integração das unidades graças a um filtro de 1ª ordem, criando uma imagem muito estável e com excelente definição.
A sensibilidade é baixa mas a impedância nominal permite a utilização de amplificadores de baixa potência, nomeadamente até tríodos de aquecimento directo capazes de gerar pouco mais de 20W. Mas, como sempre, um pouco mais de potência disponível é um factor de conforto e segurança adicional na audição.
As Lignea foram apresentadas ao mundo, no HighEnd 2016, de Munique. De forma inexplicável – eu diria mesmo, imperdoável – falhei a apresentação.
Com apenas 4 litros de volume interno, não se podem esperar grandes cometimentos no departamento dos graves, que contam com a ‘carga’ do tipo ventilada reflex para obter uns razoáveis 53Hz. Contudo, o acoplamento acústico com a sala faz-se de forma empática, pelo que a sensação de extensão é bem maior que a prescrita no papel.
Como é apanágio da marca, a reprodução da voz feminina e das cordas é sublime, sobretudo os violinos. A voz masculina e os violoncelos não denunciam omissões graves do…uh…grave, sendo reproduzidas com peito e corpo q.b.
O som é leve, com um bom compromisso entre a ‘doçura’ musical, que o nome de Franco Serblin contempla; e a maior ‘vivacidade’ e ‘luminosidade’ exigida pelos tempos modernos.
Os mais audazes poderão acoplar um par de subwoofers de pequeno porte, se e quando a ocasião o exigir.
Mas para a audição da sua dose diária de música as Lignea a solo são quanto basta e vão proporcionar-lhe horas de prazer, pois o grave, embora limitado na extensão, tem excelente sentido rítmico e constitui fundamento bastante para sustentar a qualidade musical da gama média, que revelou ter o entrosamento que tornou famosas as LS35a; e a definição e transparência que atraiu durante anos milhares de fiéis para as Quad electrostáticas.
Com uma diferença: as Lignea tocam bem mais alto do que seria suposto com um corpo tão esbelto. E, por isso mesmo, são, não apenas mais domésticas, pois constituem também uma mais valia decorativa, enquanto objecto de arte. Nem o velho ‘caixote de sabão’ das LS35a, nem o monólito desengraçado das Quad.
As colunas foram colocadas próximas de paredes nuas, que contribuíram para alguns reflexos que tornaram os médios mais vivos mas menos puros - afaste-as um pouco até para controlar melhor os graves também. E ainda para apreciar melhor a beleza escultural das Lignea: elegantes e misteriosas.
As ressonâncias dos graves, quando bem aproveitadas, funcionam como anabolisante das percussões, conferindo-lhes um poder inesperado para o tamanho – e, porque não admiti-lo, entusiasmante.
A programação musical esteve a cargo do meu filho Pedro Henriques, em cuja casa as ouvi, que depois de passar umas peças de Haydn, por Isabelle Faust e de um concerto de oboé de Bach, só para me agradar, abriu as hostilidades com Stimela, de Hugh Masekela, Back in Black, dos AC/DC e ‘Master Of Puppets’, dos Metallica, deslizando para o álbum ‘Private Dancer’, de Tina Turner e fechando com uma gravação notável: ‘Red River Blue’, de Blake Sheldon, tudo via Tidal/Masters a partir de um BlueSound Vault 2.
E não é que as pequenas Lignea se comportaram sempre na…linha!
Eis a Lignea, a coluna/escultura com elevado WAF que agrada a eles e a elas, curiosamente talvez pelos mesmos motivos: beleza e musicalidade. Tudo por um preço de peça de arte acessível: 4990euros.