É na simplicidade das coisas que residem as soluções complexas. O Hegel H390 é um amplificador integrado analógico com soluções digitais modernas.
Esta não é a minha primeira experiência Hegel. Já tive o prazer de analisar para o Hificlube outros modelos: Röst e H90. O H390 segue na mesma linha de resolver questões complexas com propostas simples e eficazes.
O que distingue os Hegel da concorrência é a tecnologia patenteada SoundEngine 2, uma solução engenhosa para o problema endémico da distorção harmónica.
Mas isso não passa de marketing, certo? Em certa medida, sim. Cada fabricante gosta de atribuir um nome tecno-pomposo a tecnologias, ditas exclusivas, que são apenas variantes de ‘coisas’ do passado, como utilizar o feedforward (da Quad) em vez de feedback negativo.
SoundEngine 2
A Hegel, uma pequena empresa norueguesa, foi quem melhor soube adaptar uma tecnologia existente, introduzindo as vastas potencialidades dos novos chips de processamento rápido para obter resultados mais sustentáveis.
Os transistores não são lineares no funcionamento e introduzem distorção cumulativa (e atraso) em todos os sinais que processam, que é tanto mais elevada quanto mais elevado é o ganho dos vários estágios de amplificação.
Para corrigir esta distorção, usa-se realimentação negativa, que tem dois problemas principais: actua depois do acontecimento, como um cão que persegue a própria cauda sem nunca a apanhar (negative feedback loop), porque a correcção detectada na saída é aplicada à entrada e não corrige o atraso temporal constante; e não é tão eficaz nas altas frequências, cujo ganho tem de ser limitado para impedir que o amplificador entre em oscilação.
Os Hegel utilizam um módulo computorizado que compara o sinal à entrada e à saída, analisa a diferença (distorção) e, se esta exceder o patamar de referência, inverte-lhe a fase e reinjecta o resultado em tempo real no andar de saída/potência (feedforward), eliminando assim todos os tipos de distorção dos estágios anteriores, incluindo a decorrente da transição entre os meios-ciclos positivo e negativo (crossover distortion).
Prosápia e água benta…dirá o leitor. Pois, mas esta ‘injecção’ milagrosa cura, de facto, a transistorite crónica, e os Hegel soam tão doces, que dá vontade de os abrir para descobrir se há lá válvulas escondidas dentro. Não há. Mas há música. Muita e boa.
The taming of the shrew
Isto é típico em todos os amplificadores Hegel. Como típica é a capacidade para alimentar cargas de baixa impedância (1kW/1 ohm!) e o elevadíssimo factor de amortecimento, que amansa a fera que há em todas as colunas: 4000! Leu bem, não me enganei nos zeros…
Assim, quando opta por um modelo Hegel, só tem de se preocupar com a potência, que mais se ajusta às suas necessidades, as funcionalidades e especificações na área digital e, naturalmente, o preço. Mais dinheiro compra-lhe uma fonte de alimentação melhor e mais transístores de potência, a qualidade do som é basicamente a mesma.
Portanto, quando lhe disserem que o H390 soa como (e faz exactamente o mesmo) o H590, apenas tem menos potência (250W/310W – 8 ohm) e custa também menos (5.795,00€/9.995,00€), acredite. O mesmo é verdade em relação ao H90, que custa só 1.695,00€, que é também um amplificador integrado/DAC/Network Player. Nota: ler o teste do H90 em Artigos Relacionados no final do artigo.
Foi, aliás, como o H590 ‘dos pobres’ (será pelo menos dos ‘remediados’), assim como uma espécie de Robin dos Bosques, que rouba tecnologia aos grandes para dar aos pequenos, que o Hegel H390 me foi apresentado no Highend 2019, em Munique
Hegel H390 – um amplificador quente que veio do frio
O amplificador integrado Hegel H390 é a simplicidade em pessoa. É como um rosto sem maquilhagem: um visor alfanumérico, ladeado por dois enormes botões rotativos, um para as fontes, outro para o volume. Mais nada! Até o botão para o ligar está escondido por baixo do painel frontal. É preciso apalpar (honi soit) para o encontrar.
Eu só lhe acrescentava uma saída para auscultadores. O H90 (e o H190) tem esta especificação e funciona muito bem. Isso e talvez umas ligações HDMI. Já provámos que é possível transmitir sinal DSD via HDMI.
Arte digital
De resto, o H390 não só tem tudo, como tudo funciona na perfeição, de imediato e à primeira!, sem o obrigar a tirar um curso de informática, ou sequer a ler o manual:
MQA Decoding? Check. PCM 32 bit 384kHz? Check. DSD256? Check. Bluetooth? Nope. Apple Air Play? Spotify Connect? Roon Ready? Não testei. Mas pude confirmar que funciona com Roon no auditório da Ajasom.
Nota: a Ajasom disponibilizou-me amavelmente uma assinatura Roon e um Roon Nucleus de última geração, mas não foi possível testar esta especificação em tempo útil.
Mas testei com a Tidal. Via USB/Ethernet ligado ao meu PC e via Ethernet com a App grátis Mconnect Lite. Instale. Vá a Play to e seleccione H390. Depois vá a Browser para navegar na Tidal. Simples. E com esta App também pode aceder a um NAS ligado à sua rede doméstica.
USB
No manual, pode ler-se que, com Windows 10, o H390 não precisa de instalar a driver Asio para aceitar DSD256 e DXD. Com PCs, não conheço nenhum caso em que isso seja possível. Liguei o H390 ao meu PC via USB, abri o JRiver24 media player, e lá estava ele disponível na lista de Audio Devices: Hegel H390 USB (Wasapi).
Hum, só com o protocolo Wasapi, não vais lá! Foi. E passa de um formato para outro sem um queixume, um murmúrio, um tique que seja! O único rumor de cliques é o dos relés do selector de fontes.
E o JRiver certifica que não há ‘alteração’ (no changes are being made) entre o sinal à entrada e à saída, excepto no número de bits de 24 para 32 com PCM!
Bom, a conversão DSD é via DoP (dsd over pcm), pois sem uma driver Asio, não há outra forma. Atenção: DoP não significa que o sinal é convertido para PCM, é apenas um protocolo de transmissão.
MQA
Será que é mesmo compatível com MQA? Quero eu dizer, compatível com ficheiros MQA nativos, não apenas os da Tidal? Tenho alguns a 44,1kHz. Pumba!, foi só carregar em Play.
E será que faz o MQA full unfolding dos ficheiros da Tidal até 352kHz? Pumba! 352.8kHz and everything in between…
COAXIAL
A sua fonte preferencial é o CD? Nada tema. Ligue o H390 a um transporte digital ou leitor-CD por cabo coaxial até à resolução máxima disponível actualmente em suporte físico (Bluray/192kHz; HXR/176,4kHz). Nota: sugiro um adaptador BNC ou um cabo com fichas RCA/BNC, pois soa melhor na entrada BNC (75 ohm).
Tudo bit-perfect, porque a Hegel não faz nem upsampling nem downsampling dos sinais digitais. Só faz uma excepção com o MP3, ajustando o ‘relógio’ (downclocking) para tirar o melhor som possível do formato.
Notas de audição
Posto o que acima se descreve, vamos ao que interessa: que tal toca o Hegel H390? Não funciona só bem, toca muito bem. Tal como expliquei, ouvir um Hegel é ouvir todos. Mas há naturalmente pequenas diferenças na qualidade à medida que se sobe na hierarquia. Uma fonte de alimentação mais robusta e mais transístores de potência não lhe dão só mais watts, dão-lhe mais…tudo!
Há quem copie descaradamente o que outros escrevem, mas por certo estarei perdoado se me copiar a mim próprio. É que tudo o que escrevi sobre o som do Hegel H90 se aplica ao H390 elevado ao quadrado:
O H(3)90 cumpriu com rigor todos os itens da minha cartilha audiófila, superando as limitações das suas parceiras de ocasião e as próprias limitações da sua categoria:
- potência subjectiva muito acima do especificado, com controlo total do processo musical em curso, sem perda de souplesse dinâmica e total ausência de grão ou artificialidade electrónica;
- resolução orgânica com detalhes bem integrados no corpus musical, de talhe doce e prenhe de nuances sem o excesso de ‘sharpness’ que, nas imagens fotográficas digitais, por exemplo, vem sempre acompanhada de um halo desagradável;
- integração perfeita das três bandas, tornando despicienda a análise parcelar de graves, médios e agudos, embora eu não resista a enaltecer aqui a notável qualidade dos baixos, não só ao nível do corpo mas sobretudo da informação e ritmo;
- som relaxado e relaxante, apresentando-se com ‘cores’ saturadas, fixas, sólidas, de textura verosímil, que conferem elevado grau de realismo à reprodução das vozes e, bem assim, de todos os instrumentos acústicos;
- imagem estável e bem dimensionada, simultaneamente bem focada, sem ‘recuo’ ou frontalidade aparente, e expansiva: aquém, além e para lá do limite das colunas.
Nota:
Além das audições no meu desktop setup de trabalho, que tenta imitar as condições de um estúdio de gravação e mistura com monitores de campo próximo, ouvi o Hegel H390 no auditório da Ajasom-Damaia, nas mesmas condições de que os leitores poderão também usufruir, e que aconselho antes de qualquer decisão de compra.
A reportagem poder ser lida em Artigos Relacionados, mas publico o vídeo de novo para não deixar o leitor em suspenso:
Conclusão
Se tem 6.000 euros para gastar num super amplificador integrado (inclui DAC/Streamer), o Hegel H390 deve estar no topo da sua short list. Pela qualidade (da construção e do som). Pela funcionalidade e ergonomia (tudo funciona como anunciado). Pela imperturbabilidade (face à carga imposta pelas colunas).
A EISA atribuiu-lhe o prémio de amplificador high end 2019-2020. Eu, que sou frequentemente crítico em relação a estas ‘manifestações’ comerciais, sobretudo da criação de categorias ad productum, assino por baixo.