As Kef LS50 Meta são um milagre acústico: concentram num pequeno monitor de mil e duzentos euros 50 anos de know-how de um dos mais importantes fabricantes britânicos de colunas de som.
A minha relação com a KEF é antiga. Quase tão antiga como a banda alemã de rock progressivo ‘Tangerine Dream’, que me inspirou este título por extrapolação do termo técnico ‘tangerine wave guide’.
A minha amizade com Eduardo Rodrigues idem. Eduardo foi o maior vendedor de colunas KEF Reference da Europa (abrir no final o pdf ‘Ao Eduardo…’) e a minha relação privilegiada com João Cunha, o anterior distribuidor da marca em Portugal, permitiu-me ouvir, testar ou apenas conviver com praticamente todos os modelos KEF, sobretudo a partir dos anos 80, incluindo as famosas KEF 105, as extraterrestres Muon e, mais recentemente, as Blade, que utilizam para reproduzir os médios e os agudos versões da unidade dual-concêntrica UNI-Q Driver idênticas à unidade única das LS50.
Kef Muon – UAE 2010
Kef Blade - UAE 2017
Regresso a Maidstone
Em Abril de 2012, visitei a fábrica da KEF, em Maidstone, a convite de João Cunha, junto com António Domingos, da Ultimate Audio, a atual distribuidora nacional, no que seria um ensaio da ‘passagem de testemunho’, a juntar a outras pistas, como a apresentação da Muon e da Blade nas instalações da UAE (ver vídeos acima).
Assim, vou utilizar aqui alguns dos documentos dessa reportagem, sob o título ‘KEF Blade, a star is born’, que podem ler na integra, clicando já sobre o título, ou abrindo apenas no final em ‘Artigos Relacionados’, para não se dispersarem.
Um dos momentos memoráveis foi a visita guiada ao Museu KEF por Ron Locke, de que vos deixo este documento histórico em vídeo:
Regresso ao útero materno
Não menos interessante foi o ‘mergulho’ (é o termo exato) na câmara anecóica da KEF.
Embora eu já tivesse trabalhado na câmara anecoica do IST, nos primórdios da revista Audio, quando publicávamos a nossas próprias medidas de resposta em frequência, é sempre uma experiência algo estranha esta sensação claustrofóbica de silêncio, que nos permite ouvir o coração a bombear o sangue para o cérebro e até o próprio pensamento. Um regresso ao útero materno?...
Nota: o som do vídeo é apenas para ilustrar, a não ser que eu tivesse engolido o microfone…
Jack Brown, o wizkid da KEF
Foi também um prazer conhecer pessoalmente Jack Brown, o wizkid da KEF que, utilizando técnicas computorizadas sofisticadas, revolucionou o comportamento acústico da unidade UNI-Q, que já vai na 12ª versão, e concebeu a ‘tangerine waveguide’, o faseador em forma de moinho de papel, que ‘guia’ as ondas sonoras, melhorando a dispersão do tweeter e eliminando a interferência do baffle que, neste caso, é o próprio cone da unidade de médios em movimento.
As LS50 no HighEnd 2012
Poucos meses depois, a KEF apresentava as LS50, versão comemorativa dos 50 Anos, no HighEnd Show, em Munique, pela voz firme e bem timbrada de Johan Coorg, o ‘mestre de cerimónias’ que mais prémios EISA garantiu para a marca. O Hificlube estava lá e registou o evento para a posteridade (ver vídeo acima). E também provou que, embora pequena, a LS50 era grande no talento e exibia um grave que envergonhava muita coluna com o dobro do tamanho.
Em Agosto de 2012, o Hificlube publicou o primeiro teste das LS50: Kef Anniversary LS50 - Doce de tangerina, que podem ler na integra já, clicando sobre o título, ou apenas no final em 'Artigos Relacionados'
Das LS35a às LS50
Está lá tudo bem explicado. A KEF LS50 já era perfeita na altura, e o pouco que mudou até agora foi para melhor. Por isso, vou ‘plagiar-me’ (se os outros o fazem…) e transcrever algumas passagens para os que não têm paciência para ler o teste completo:
‘O sucesso acústico das LS3 5a devia-se sobretudo à limitação de banda. A filosofia era: deixá-las fazer só aquilo que fazem bem. No séc. XXI, o mercado exige colunas todo-o-terreno. As LS50 têm mais extensão nos extremos de frequência, e não escondem o “lixo” debaixo do tapete da musicalidade só para agradar.
A longa excursão da unidade coaxial de médios, bem sintonizada com o sistema reflex, permite-lhe reproduzir graves sólidos e sérios, que constituem a estrutura de suporte da ponte musical over troubled waters, pelo menos até ao limite do movimento de pistão (a caixa é pequena e as leis da física são isso mesmo: leis!). Quando atinge o limite, bate no fundo, embora recupere rapidamente e de forma graciosa.
Não é possível ‘passar para a outra margem’ da reprodução musical sem uma boa secção rítmica. Logo, uma boa reprodução de graves é fundamental, nem que para isso se tenha que jogar com a sensibilidade e a impedância.
A KEF podia ter optado por uma coluna mais fácil de alimentar, o que implicaria ter o “pé mais ligeiro”. Ganhava-se em resposta transitória do grave o que, por certo, se perderia em imponência da massa sonora e grandiosidade do palco. Assim, sendo o volume interno a única limitação física - haja energia para as alimentar - a opção afigura-se-me como a mais correta.
O agudo atinge um patamar com o qual as LS3 5a não podiam sequer sonhar in illo tempore. Para o integrar com a mesma qualidade patente na grande-gama-média era preciso encontrar uma solução.
Tangerine Wave Guide
O acasalamento acústico faz-se assim no altar do som com a benção da dispersão polar integrada: o faseador em estrela, a que a KEF chama de “Tangerine Wave Guide ”, funciona como um 'chuveiro' acústico, melhorando a dispersão, e contrariando a direcionalidade à medida que a frequência de reprodução sobe no espetro áudio. Deste modo, obtém-se uma imagem mais ampla e uniforme em diferentes pontos de audição.
É este o grande segredo do som das LS50. A dispersão emita o som vagamente difuso mas orgânico e musical das LS3 5a, mas aqui sem perda declarada de informação no agudo, ao mesmo tempo que produz uma “wave of sound” nos registos médio-graves que, com a ajuda do inovador sistema reflex, envolve o ouvinte num tsunami acústico, só possível com colunas com pelo menos o dobro do volume interno.
É óbvio que, apesar da utilização intensiva de computadores, alguém “afinou” de ouvido as LS50, sobretudo nos registos médios, tendo como referência as LS3 5a, incluindo até aquele toque q.b. de nasalidade que as caracterizava. No caso das LS50, é apenas uma vaga sensação que se limita a “humanizar” não a “caracterizar”.
No conjunto, o som é doce como geleia de tangerina. Uma receita “conventual”, que só se encontra à venda nas lojas gourmet de áudio. É aqui que a tecnologia moderna e a tradição da KEF convergiram para criar mais um notável “património imaterial da humanidade”: o som das LS50.
Para ouvir, saborear e lamber a colher.’
KEF chega à… Meta
Uma década depois, a KEF apresenta-nos o modelo LS 50 Meta, melhorando o que já era perfeito para o preço.
A construção parece ser ainda melhor, com a caixa fabricada em MDF e o painel frontal convexo em resina e fibra de vidro e, se bem me lembro, os parafusos de fixação do baffle no painel traseiro eram visíveis e agora já não são; enquanto o acabamento mate cinza-titânio, com o cone e o funil faseador em cor de cobre, lhes dá um ar jovem e hightech, que não é só visual, pois basta ler o white paper original (abrir pdf no final do artigo) para perceber que as LS50 não são apenas mais um brinquedo hi-fi, são coisa séria, eu diria mesmo profissional, pois há engenheiros de som que as utilizam para monitorizar.
O som é cheio e encorpado mas também mais limpo, mais claro, agora sem resquício de nasalidade.
O agudo é mais controlado sem perda de detalhe e o grave ganhou articulação e definição e ainda mais poder. Sinceramente, não vejo (oiço) necessidade de lhe ligar um subwoofer para a maior parte das situações musicais – do rock à música sinfónica. Porque o ‘sub’ só iria afetar a articulação, que mesmo a baixo nível de pressão sonora (audição noturna) mantém o ritmo bem definido.
Depois de as ouvir, não fico nada surpreendido que se vendam como rebuçados, e estejam sempre esgotadas.
Do passado glorioso da KEF nasceu um produto futurista de que as LS50 Wireless II (a versão ativa das Meta) são o apogeu técnico.
Brexit rules
Aliás, tinha a intenção de as comparar com o modelo ativo LS50 Wireless II, e não foi possível porque a UAE ainda não recebeu a nova encomenda, tal o sucesso do modelo, a que se junta agora o Brexit para dificultar a importação.
Nota: se a situação de falta de stock se mantiver, fica a promessa de voltar ao assunto, logo que receba um par de Wireless II.
A imagem estéreo é estável e ampla, e as Meta podem ser ouvidas a curta distância sem perder entrosamento (as vantagens da concentricidade), o que as torna nas colunas ideais para utilizar como desktop monitor, apesar de se portarem como gente grande montadas em suportes, sempre com algum espaço atrás delas para respirar e evitar ondas estacionárias.
Apesar da impedância relativamente baixa, a pedir amplificadores com alguma capacidade de corrente (o Naim Uniti Atom de 50W está no limite do desejável), ouvi-as com grande prazer ligadas a um Audionote P1 SE Signature de apenas 10W (single-ended a válvulas), que não cessa de me surpreender pela elegância e musicalidade do som e nega o aforismo de que dos fracos não reza a história….
Do carvão ativado ao metamaterial
As KED LS50 Meta vão buscar o nome ao MAT (Metamaterial Absorption Technology), um novo elemento criado para substituir a câmara de absorção da onda traseira do tweeter, composto por um disco de plástico que contém 30 pequenos corredores capilares, em forma de labirinto, que funcionam como ressoadores de Helmholtz, absorvendo as frequências acima dos 600Hz, que assim já não são refletidas através do cone.
Não tenho aqui as LS50 originais para comparar mas a tecnologia MAT parece resultar bem, a avaliar pela limpeza do agudo, que é muito informativo sem ser duro ou agressivo.
Curiosamente, a KEF sempre tentou encontrar formas mais ou menos engenhosas de absorver a radiação traseira também por métodos químicos, sem recorrer apenas à velha espuma. E na CES 2002, em Las Vegas, J. Coorg demonstrou umas colunas que utilizavam a tecnologia ACE-Ace Compliance Enhancement, com base em carvão vegetal, o que se prestou a algumas piadas minhas.
Em Maio de 2002, publiquei no DN um artigo bem humorado sob o título ‘Pó Mágico’, que podem ler na integra no formato pdf no final deste artigo, e de que passo a transcrever um excerto só para despertar a vossa curiosidade:
‘Será possível reduzir o tamanho da caixa e, ao mesmo tempo, diminuir a pressão no seu interior? A KEF afirma que sim (e provou-o em Las Vegas), utilizando um pó mágico composto por carvão ativado, como o que se vende nas farmácias para nos livrar dos… gases!’
E termino tal como em 2012:
Se considerarmos a beleza e simplicidade do design, a excelência dos acabamentos, a inovação tecnológica e a performance acústica, tudo por um preço contido estrategicamente no limite inferior dos 1200€, as KEF LS50 Meta são um bom antídoto para o stress do confinamento Covid19 e merecem uma recomendação sem hesitações do HIFICLUBE.NET, sendo fortes candidatas a Coluna Monitora Acessível do Ano 2021.
A KEF é distribuida pela Ultimate Audio Elite, mas há uma boa dezena de revendedores em Portugal.
Para mais informações: KEF