Fui ao auditório da Ajasom na Damaia assistir ao concerto das MBL 111F, dirigido pelo maestro McIntosh MC 1.2K. Como primeiro violino, o dCS Vivaldi, secundado pelo Kronos.
António Almeida recebeu-me em privado para uma sessão musical com os ilustres protagonistas acima referidos, ficando o repertório de base-CD exclusivamente a seu cargo. No final, ouvi ainda ‘St. James Infirmary’, de um LP histórico de Louis Armstrong, com o Kronos e uma célula Air Tight, mas foi o sistema dCS Vivaldi que fez as honras da casa. E sabe-se como o Vivaldi consegue ‘sacar’ do CD convencional todo o sumo nele contido.
A artista principal era, claro, a coluna omnidireccional MBL 111F ( F de Fifth generation ou de Fantastic, depende do ponto de vista) que, sendo de muito alimento, exigiu ser acompanhada por um par de monoblocos McIntosh MC 1.2, de janelas abertas para o céu azul onde dançavam nuas as inquietas - e inquietantes – agulhas bailarinas ao sabor do caudaloso rio de watts que corria, ora sereno ora rápido, para a foz desaguando nas elegantes e exóticas ‘radialstrahler’ da MBL.
Como elo de ligação e conciliação entre as partes, o não menos exótico prévio McIntosh C500/T500 (válvulas), com as janelas iluminadas de azul e verde kryptonite.
Enfim, um sistema que ‘soa’ bem mesmo antes de começar a tocar…
Ser ou não ser omnidireccional, eis a questão
Antes de passarmos à descrição do menu musical, permitam-me algumas reflexões sobre o tema da omnidireccionalidade das unidades activas ‘radialstrahler’ utilizadas nas 111F para reproduzir os agudos e médio-agudos.
Ao contrário da sua irmã mais velha, a famosa 101 E (agora na versão MkII), a ‘One-Eleven’, como é conhecida, não utiliza o mais icónico dos altifalantes omnidireccionais de médio/médio-graves, em forma de melão ou bola de râguebi, com as suas enormes pétalas de alumínio, também conhecido por ‘acordeão de Marte’, e que durante muitos anos tem sido o ex-libris da MBL, e é agora também utilizado em dose dupla no modelo de topo 101 Xtreme, cujo preço ronda os 200 mil euros (ver video abaixo).
O princípio é o mesmo, o tamanho e os materiais utilizados é que são diferentes. As pétalas das unidades ‘radialstrahler’ das 111F são de fibra de carbono, 12 para o de médios; 24 para o de agudos. Sob o efeito do movimento de uma bobina, em resposta a um sinal áudio, as pétalas flectem e irradiam som a 360 graus como uma ‘esfera pulsante’. Engenhoso. Genial. Radical.
A relação ‘omnidireccionalidade/espaço’ é de amor-ódio
Eu explico.
Os altifalantes convencionais, refiro-me aos ‘médios’ e ‘graves’ de cone e aos tweeters de ‘cúpula’, têm uma dispersão polar cujo pendor para a direccionalidade frontal varia com a frequência e é também consequência da diferença de energia ou pressão sonora entre a irradiação ‘on-axis’/‘off-axis’, isto é, diminui substancialmente no plano lateral (fora-do-eixo), daí a necessidade de ‘toe-in’ para obter uma imagem sólida na ‘sweet-spot’.
Os ‘omnis’ irradiam a mesma energia ‘em todas as direcções’, aproximando-se assim da dispersão do som de um instrumento real no espaço, e criando uma imagem estereofónica tridimensional, com notável sensação de largura e profundidade.
Contudo, as ‘imagens’ dentro do palco amplo, embora muito estáveis, são algo ‘difusas’, com menos enfoque que as reproduzidas pelos altifalantes convencionais, mas com mais textura, dimensionalidade e riqueza tonal, obrigando-nos a redefinir alguns dos nossos mais queridos e arreigados conceitos audiófilos, como o de ‘pin-point focus’, que não existe na realidade.
O reverso da medalha é o conflito acústico entre dispersão uniforme da energia e os reflexos secundários nas paredes circundantes, pelo que a distância das MBL às paredes laterais e traseira é crítica, para evitar que os reflexos com atraso temporal ‘confundam’ a nossa percepção do som e alterem a tonalidade e o timbre.
Não foi por acaso que a minha ‘visita’ foi sendo adiada por António Almeida e Nuno Cristina que me pediam mais tempo até estarem minimamente satisfeitos com a ‘afinação’. Mesmo sabendo que podiam ir ainda mais longe, arriscaram o convite - e em boa hora o fizeram.
As MBL devem ser ouvidas numa sala ampla e/ou com tratamento acústico, como a do auditório da Ajasom, cujos especialistas têm também a solução para o seu caso, por isso nada tema se o desejo de posse o assaltar após uma eventual audição na Damaia.
Na dúvida, é preferível colocá-las mais próximas entre si que perto das paredes laterais. Uma vez obtida a posição ideal em termos tonais e de imagem, a posição do ouvinte na sala não é tão crítica como em relação às colunas convencionais.
Os sintomas da ‘omnidireccionalidade’, tanto os ‘benignos’: a extraordinária capacidade de recriar a volumetria do palco original, quer seja natural (sala de concertos) ou artificial (obtido por mistura de estúdio); como os ‘malignos’: a conflitualidade acústica com o auditório (se é que se pode chamar ‘maligno’ a algo que se resolve com algum tempo, paciência e uma fita métrica); os sintomas, dizia eu, são tanto mais críticos quanto maior for a largura de banda a reproduzir.
Neste contexto, as 111F são paradoxalmente até fáceis de ‘instalar’, por comparação com as 101 E, cujo valente ‘par de melões’ exige muito maior cuidado com a instalação (e também ‘aquilo’ com que se compram os melões, pois custam o dobro das 111F)), embora a recompensa em termos de performance seja ainda maior. Num dia mau, podem soar algo ‘pesadas’ no grave, em função das condições acústicas da sala, em óptimas condições de audição, as 101E são uma experiência auditiva inesquecível.
Ao optar por um conceito ‘híbrido’ para as 111F, no qual a ‘omnidireccionalidade’ se restringe aos agudos e médio-agudos, sendo os médios e graves reproduzidos por dois pares de altifalantes convencionais montados lateralmente em configuração bipolar para acompanhar a dispersão polar esférica do par ‘radialstrahler’, as 111F oferecem o melhor de dois mundos, num conjunto esteticamente elegante e que constitui ao mesmo tempo um avanço acústico enorme em relação à estranha 111 original, de design em pirâmide e com um único altifalante de médios apontado para cima.
Música maestro
Por deformação profissional, hábito, estatuto ou convenção, eu sentei-me na ‘sweet spot’, enquanto A.Almeida esteve aos comandos do sistema dCS Vivaldi a ‘virar’ discos. Já vimos que o ponto de audição não é tão crítico, mas ‘old habits die hard’ e até nos concertos ao vivo eu gosto de me sentar no meio da sala…
E, se não era um concerto ao vivo, parecia, quando Cecilia Bartoli abriu o programa com ‘Una Voce Poco Fa’, seguindo-se a belíssima ‘Casta Diva’ de Bellini e fechando com ‘Tutto Tace’, de Mascagani, do álbum ‘Sospiri’, esta última faixa na excelsa companhia de Pavarotti, que a 111F projectou na sala com todo o poder do seu 'dó de peito'.
Pensei: as 111F nasceram para este género de música. Balanço justo entre orquestra e vozes, com aquela sensação de presença e realismo que nos faz ‘pele de galinha’. Notei um toque de artificialidade nas sibilantes da Cecilia, que não as do Luciano, mas, chegado a casa, constatei com recurso a um par de Hifiman HE1000 alimentados pelo McIntosh MHA100, que se trata, de facto, de uma coloração do microfone. De resto, Cecilia é sublime, como sempre. Tinha ali a Bartolli à minha frente sem ter de olhar para as caretas que faz a cantar…
Seguiu-se uma ária do Rigoletto, de Verdi, cantada por uma jovem chinesa, de uma colectânea sob o título ‘The Favorite Opera Arias’. Embora a soprano tenha revelado uma técnica no mínimo discutível, fechando a ária em clara perda de fôlego (as 111F não perdoam deslizes...), a técnica de gravação da voz e da orquestra constitui um tratado de imagem estereofónica, que é também a ‘imagem’ de marca da MBL 111F: ampla reprodução da boca do palco, com inexcedível estabilidade, mas como que ‘perseguindo’ a deambulação da intérprete, com uma notável sensação de profundidade à medida que ela se afasta do microfone, num palco expansivo, habitado por seres musicais verosímeis, no timbre, no tom e na dimensão.
Ou aquele outro tratado de imagem estéreo e sensação de presença e plasticidade vocal de Fontella Bass: ‘Cotton Club'.
Quanto à imagem holográfica, estamos conversados. Vamos ao timbre. O do contratenor Andreas Scholl, por exemplo, primeiro numa ‘Lutesong’, depois em ‘But who may abide’, do Messias de Handel, com a orquestra aberta em arco amplo atrás de si. Uau!
Ou o falsete de Caetano Veloso, cantando ‘Foi por Vontade de Deus’, do álbum Fados, do filme de Carlos Saura, sem um resquício de sotaque na voz mas de brasileirismo bem patente no ritmo bossa nova da guitarra; a tonalidade quente e dourada de Carlos do Carmo, no ‘Fado da Saudade’; e uma versão de ‘Transparente’ de Mariza, tão artificial que assassina o original, e dava para perceber que a voz dela e a orquestra foram gravados em separado e… em ‘desfasado’! Ela cantando para um lado, os músicos ‘assobiando’ para outro. Saura, hombre, um pouco de respeito pela arte de Mariza...
Ou que o famoso álbum audiófilo ‘Jacintha Sings Ben Webster’ é, digamos, ‘artificialmente natural’, com excesso de natas, como os discos de Patricia Barber que soam sempre doces, mesmo sendo ela 'azeda'. As 111F não deixam passar truques por baixo da mesa (de mistura)…
Soa bem? Claro, mas a textura da voz de Jacintha é demasiado aveludada e densa e o tom encorpado não poder ser real. As 111F são uma lupa audiófila...
Big band anyone? Que tal ‘I am the magic’, de Lester Bowie? Magic timbres, indeed. E o tom, o ataque, o balanço, a dinâmica do conjunto, este sim gravado… ‘em conjunto’. E aquele trompete!...
Finalmente, a excepção que negou a regra: afinal as 111F não tocam bem apenas música clássica, ou jazz e… fado, pois brindaram-me à despedida com uma das melhores interpretações de sempre de ‘Private Investigations’, dos Dire Straits, expondo todos os truques de estúdio e respondendo com prontidão às exigentes solicitações dos transíentes das guitarras acústica e eléctrica e da percussão sintetizada, além de transmitirem todo o dramatismo cénico e dinâmico da faixa, com graves controlados e extensos, um palco expansivo em largura e profundidade, habitado por seres virtuais, bigger-than-life mas ainda assim verosímeis e com excelente foco (1).
Nota (1): No que diz respeito ao foco, as 111F têm uma curiosa particularidade. Em registos ao vivo ou ‘naturalistas’, sobretudo de música clássica, o foco é algo difuso para quem está habituado às colunas convencionais, sendo esta uma característica da dispersão omnidireccional, como de facto é na realidade, quando o som é captado num espaço físico; com misturas de estúdio, tudo o que surge no centro do palco, surge mais nitidamente focado, como é intenção do engenheiro de som, porque o espaço é virtual e pode ser ‘manipulado’ à vontade do freguês. Com as 111F esta destrinça é óbvia.
Agora que a Ajasom tem o seu próprio auditório dedicado, vou passar mais tempo na Damaia. Aviso: o acesso é gratuito, assim como o desejo de posse; a posse efectiva, essa, já exige um considerável esforço financeiro, sujeito a negociação. Só a base de ‘licitação’ mete respeito…
Marca: MBL
Produto: Colunas híbridas mbl 111F
Preço: 37.700 euros
Distribuidor: Ajasom