O meu primeiro contacto com a Micromega foi numa feira qualquer em Paris, nos idos de 1986, quando Daniel Schaar, o seu mentor e criador, ainda apresentava os produtos numa pequena banca em espaço aberto, como se estivesse a vender fruta no mercado. Schaar, que fez parte da equipa de John Curl e Tom Colangelo, os verdadeiros “pais” dos famosos Mark Levinson da série ML. Mark, the man himself, era apenas o rosto que os vendia. Um nome e um rosto que ainda hoje vendem bem as criações alheias, a coreana LG, por exemplo. O mundo dá muita volta...
Não admira que a Constellation Audio tenha contratado John Curl para a sua equipa de engenheiros, cujo som lembra muito a doçura dos ML originais, mas agora com um poder de resolução e transparência que não era possível, in illo tempore, com a tecnologia e os componentes disponíveis.
Daniel Schaar afastou-se da Micromega, mas voltou com a sua filosofia de “musicalidade intrínseca” tout court, no difícil domínio da síntese digital, que sempre foi a fonte de inspiração da marca. Os DACs de Schaar sempre tiveram este som macio, cativante, de génese analógica, dando de barato alguma (pouca) resolução em troca de (muita) emoção.
E o que já era óbvio (ou seja: que Schaar andava de novo nos bastidores da Micromega), com o wireless streaming AS400, que ouvi pela primeira no Salon HIFI 2011, em Paris, atingiu agora o pleno com o MyDAC. A avaliar pela generalidade das críticas, ensaios e teste já publicados em todo o mundo, não há no mercado mundial nenhum DAC de 300 euros que lhe faça sombra.
O Dragonfly, em formato de pendrive (um milagre de miniaturização), é um DAC de bolso, que pode ser levado para todo o lado com o seu PC portátil e um par de earphones. O MyDAC não é propriamente portátil, mas também não se pode considerar um full DAC, porque, de tão pequeno e leve, parece um brinquedo, que, asseguro-vos, não é afinal para brincadeiras! Aliás, nas parece sempre maior e mais sólido na foto do que de facto é.
Quem lê as críticas entusiásticas da The Absolute Sound, por exemplo, e depois pega nele, não pode deixar de pensar que se está perante um caso flagrante de “escrítica hiperbólica”. O MyDAC é uma caixinha de plástico tão leve e insignificante, que lembra os tradicionais produtos das “lojas de 300”, que anteciparam a invasão chinesa. A verdade é que, ao contrário de muitas vedetas do highend, no painel traseiro, exibe um orgulhoso: “made in France”. Allez enfants de la patrie...
A rodinha central do MyDAC (lembra a fase artdéco do áudio) controla a transição de standby/power on (led vermelho passa a branco) e a selecção das 3 entradas possíveis: USB, Coaxial, Optical, acendendo-se o led branco respectivo. Os 3 leds piscam simultaneamente até a entrada seleccionada fazer lock com a fonte, fixando-se depois. Embora os dois restantes continuem a tremelicar (?). Não há qualquer indicação da frequência de amostragem.
Eu compreendo que se tenha de poupar em algum lado, mas até no Dragonfly o led-libelinha muda de cor, conforme o ficheiro é a 44,1, 48, 88,2, 96. O MyDAC aceita também sinais a 192kHz, sempre sem informação visual. Temos que ter fé e acreditar na luz sagrada branca...
Tal como nos “escargots bourguignone”, não é a “casa do caracol” que importa, é o que vem lá dentro. E o Chef Daniel Schaar esmerou-se na confecção e no têmpero deste petisco digital: não há um único condensador electrolítico no caminho do sinal e o processador central é um XMOS...
Para começar, a fonte de alimentação, que não utiliza o habitual cabo com transformador externo (liga-se directamente à tomada de sector), é um prodígio tecnológico. É uma fonte comutada, tão silenciosa e económica que, em standby, gasta menos que um led de árvore de Natal e em funcionamento pleno consome 2,5W apenas – ideal, portanto, para países intervencionados pela Troika, que pagam todos os pecados dos políticos na factura da EDP.
Se juntarmos ao silêncio da fonte (galvanicamente isolada dos restantes circuitos internos), a ausência de jitter proporcionada pelo interface assíncrono da entrada USB e os clocks separados: relógios respectivamente sincronizados a 22, 5972 Mhz e 24,5760Mhz para cada múltiplo de frequências (44,1, 88,1, 176,4 kHz)+ (48, 96, 192kHz) e a resolução de rigueur de 24-bits, o miolo interno está ao nível – e supera até – muitos USB DACs highend. (Salut, Daniel!...)
Para o pôr a tocar só precisei de fazer o download do site da Micromega do respectivo driver (se tiver um Mac nem disso precisa), e seguir o caminho das pedrinhas do manual (tão leve como o produto...). Nada que exija um curso de informática, embora o novo firmware (que permite o processamento até aos 192kHz), exija também o download prévio de um programa de instalação do novo driver 2.0. Pelo sim, pelo não, aconselho o apoio de um especialista da Imacústica, pois, sem saber, pode não estar a tirar todo o partido do seu MyDAC.
Eu devo ter feito as coisas bem, porque o som do MyDAC me permitiu interpretar à letra a famosa máxima de Oscar Wilde: “gosto de coisas muito simples, fico sempre satisfeito com o melhor”, sabendo nós que, no universo de Wilde, a simples utilização da palavra “simples”, passe a redundância, é um portento de ironia. O MyDAC é muito simples e satisfaz como os melhores. Sem ironia.
Vamos assentar os pés na terra, e esquecer os AR, dCS, Esoteric, Krell, Metronome, PS, TAD, Wadia deste mundo, só para citar algumas marcas famosas. Estamos a falar dum USB DAC de 300 euros, que não exibe nenhum dos defeitos dos produtos da sua categoria e tem muitas das virtudes dos modelos das marcas citadas:
- ausência de grão, estridência, dureza, agressividade ou brilho excessivo (apenas um ligeiro brilho nos olhos).
- resolução q.b. em toda a banda áudio, e não apenas na gama média: o agudo tem requinte francês e o grave perde apenas alguma transparência relativa, pouco significativa neste contexto.
- timbres correctos, detalhe fino, musicalidade, espacialidade, atmosfera, fluidez
- volumetria e corpo, associado às características intrínsecas de um grave mais carnudo que musculado.
- ritmo q.b., sem stress ou fadiga, associado a uma “suspensão” do tipo Citroen hidráulica: “simpática” para estradas em mau estado, logo adequada para longas viagens, sem exigência de grandes acelerações dinâmicas.
- vozes femininas arejadas, sem vibrato ou modulação artificial; vozes masculinas peitudas mas sem anabolisantes ou excesso de “glóbulos vermelhos” a la Armstrong...
Nota: Todos os resultados acima descritos foram obtidos apenas a partir da ligação USB. O objectivo do teste era analisar até que ponto um USB DAC de 300 euros seria capaz de oferecer o que há 2 anos custava uma pequena fortuna: USB assíncrono a 24-bit/192kHz com jitter insignificante, tendo como fonte um PC.
O MyDAC não tem entrada para auscultadores. Na CES 2013, a Micromega apresentou o 2º capítulo da trilogia “My”, o amplificador de auscultadores MyZic, sendo que o 3º capítulo será um andar de phono. Mas como eu tinha acabado de devolver o delicioso Dragonfly, e não me agradava a perspectiva de voltar a ligar ao computador os Focal Spirit One, que utilizo fundamentalmente para o trabalho do dia a dia, arrisquei ligá-los ao MyDAC, mediante a utilização de um simples cabo com um minijack (macho, pois o Focal tem uma extensão fêmea) e duas RCA. Com outros auscultadores de cabo não amovível, terá de optar por um cabo com duplo RCA/minijack fêmea.
Nota: Para manter as coisas no domínio da “simplicidade”, tanto o cabo USB como o cabo de ligação aos auscultadores que utilizei foram daqueles banais de linha branca, que custam 10 euros na FNAC. Portanto, não temam que eu vos diga que os resultados obtidos só foram possíveis graças a cabos Odin ou Transparent, que custam 10, 20, 100 vezes mais que o MyDAC. E é verdade que ouvi ficheiros digitais de 44,1 a 192kHz, mas também o som de videos do You Tube, como qualquer comum mortal...
A impedância das saídas analógicas do MyDAC é de 600 ohms, um pouco elevada para a função de amplificador de auscultadores. Mas os Focal vêm especificados como compatíveis com impedâncias entre 32-600 ohms. No limite máximo, isto significa que iria ter limitações de volume e uma ligeira perda nos extremos de frequência. Ora, como eu não pretendo ficar surdo tão cedo (a natureza se encarregará disso, in due time), o volume máximo decorrente deste setup pouco ortodoxo é suficiente para uma utilização diária intensiva, variando com o nível do sinal do programa em escuta.
E o inevitável ligeiro decréscimo abaixo dos 40Hz não me parece significativo, é até saudável, considerando que todos os auscultadores sofrem de alguma distorção abaixo dos 30Hz, e o MyDAC não é propriamente um mergulhador de profundezas oceânicas. Não sendo a solução ideal, neste clima de austeridade, dá para “aguentar”, como diria o Ulrich, pelo menos até ter acesso ao MyZic...
O Micromega MyDAC a la bourguignone recomenda-se como entrada acessível de uma boa refeição musical. Sirva-se com um Porto Vintage das Caves Imacústica.