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O amplificador integrado de Classe A pura Musical Fidelity A1, a obra-prima da autoria de Tim Paravicini lançada em 1985, foi um marco importante na minha carreira como crítico de áudio. Voltar a ouvi-lo, 40 anos depois, é percorrer a estrada da memória.
Em abril, num webinar da EISA, de que o Hificlube é agora membro pleno, Heinz Lichtnegger revelou que a Musical Fidelity ia lançar em 2023 o amplificador Nu-Vista 800.2, além de uma versão revivalista do A1, o modelo mais icónico da marca, disponibilizando amostras para teste. Optei logo pelo A1, enquanto a maioria dos outros críticos optaram pelo poderoso (e moderno) 800.2, que viria a ganhar o prémio 'High End Integrated Amplifier 2023/2024'.
A prometida amostra do A1 nunca chegou, mas finalmente a Sarte Audio (distribuidor ibérico) fez chegar às minhas mãos o A1 (versão 2023). Gracias, Ada!
"Take care of all your memories. For you cannot relive them." Bob Dylan
Em 1986, era eu leitor assíduo da revista britânica Hi-Fi News, (editada, então, por John Atkinson), quando participei num concurso de escrita sobre o HFN Test Disc nr1. Era um CD com música variada, sinais de teste e efeitos sonoros, incluindo a famosa ‘Garage Door’, gravada por Mike Skeet com um microfone Calrec Soundfield, para testar a dinâmica da vida real.
Contra todas as expectativas, ganhei o concurso e recebi como prémio um amplificador Musical Fidelity A1, e foi assim que vivi com um amplificador (na altura, único em Portugal) de que só tenho boas memórias acústicas. Voltar a ouvi-lo, 40 anos depois, é percorrer a estrada da memória.
Nota: A notícia foi publicada na edição da HFN de março de 1986. Abrir pdf integral aqui, ou no final do artigo.
A herança de Paravicini
O A1 (2023) é uma recriação fiel do icónico e acessível amplificador de Classe A, da autoria de Tim Paravicini, que foi lançado pela primeira vez em 1985, embora tenha sofrido algumas alterações para poder cumprir as normas de segurança da EU.
A Musical Fidelity, sob a direção técnica de Simon Quarry, resistiu à tentação de o ‘modernizar’. É assim um amplificador analógico puro, sem funções digitais ou streaming, que mantém o circuito de potência discreto de Classe A desenhado por Tim Paravicini, mas agora ‘deslizando’ mais suavemente para Classe A/B, no terço superior da potência de saída.
Segundo Marc Hennessy, o maior estudioso do A1, o original funcionava em Classe A até aos 8W, passando depois para Classe A/B. Tim Paravicini, que faleceu em 2020, defendia que os 90W de consumo contínuo correspondiam a 16W em Classe A pura. O A1 (2023) tem um consumo de 130W. É só fazer as contas.
O A1 (2023) tem agora a potência aumentada de 20 para 25 W em 8 Ohm; resposta em frequência de 10Hz-40kHz (+/- 1 dB; 82 dB de relação-sinal-ruído; 150 de fator de amortecimento; e 42 dB de ganho (-10 dB em modo Direto).
Descubra as diferenças
Por fora, são cinco as principais diferenças:
- Pequeno controlo remoto minimalista: Volume e Mute apenas.
- Comutador Normal/Direct, que faz bypass ao primeiro andar de ganho (-10dB).
- Luz-piloto é azul, quando antes era vermelha, creio.
- Painéis laterais ventilados para melhorar a dissipação de calor.
- Dimensões: 3x283.3mm [HxWxD], sendo 40 mm mais largo e 20 mm mais profundo (10,5 Kg).
Por dentro, há também algumas diferenças:
- O potenciómetro é um ALPS RK motorizado com funcionalidade remota.
- O andar de Phono tem um conversor corrente/tensão de baixo ruído e ajuste automático de impedância de células MC.
- Os canais esquerdo e direito têm fontes de alimentação independentes, com o dobro da capacidade de filtragem.
- Os enrolamentos do transformador são compartilhados em modo dual mono split rail.
- Os novos condensadores e transístores 25 Planar Audio resistem melhor ao calor.
Deixa-me em brasa
O novo A1 foi projetado para recriar a magia do som quente, doce, eufónico e fluido do original, menos os "problemas térmicos", que afetavam os componentes internos e produziam avarias constantes.
A tampa continua a funcionar como dissipador, e fica tão quente que não é saudável tocar-lhe durante muito tempo, pois a topologia simétrica de Classe A do circuito discreto de potência dissipa muita energia sob a forma de calor.
Mantenha o A1 num lugar onde possa respirar e longe das crianças. É o preço a pagar pelo som de estado sólido mais próximo de um amplificador a válvulas SET (single-ended), que já ouvi.
O A1 tem o som de estado sólido mais próximo de um amplificador a válvulas SET, que já ouvi.
O A1 foi concebido numa época em que grandes bandas, como os Supertramp, editavam os discos com os agudos ‘puxados’ para soar bem nas rádios FM americanas. Ouvir ‘Breakfast In America’ (1979) com o A1 é como ouvir uma matriz bem remasterizada. E sim, apesar dos seus poucos watts, o A1 tem potência e dinâmica q.b. para não se perder a energia da música. O som é delicioso, doce e morno como um pastel de Belém à saída do forno.
No modo Direct, no qual faz bypass ao AmpOP do andar de ganho. Perdem-se 10 dos 42 dB de ganho, mas ganha-se muito em transparência e continua a ter potência suficiente para aplicações domésticas, mesmo sem recorrer a colunas de elevada sensibilidade.
A gama média e o agudo são feitos do mesmo tecido de veludo macio e, se bem me lembro, o grave tem agora mais ataque e articulação que o A1 original, algo que atribuo à dupla fonte de alimentação.
Audições: a paixão pelo som
Liguei o A1 a ao leitor-CD Oppo BDP-95EU, ao Rose RS520 (Streamer/DAC) e a um par de Sonus faber Concertino, que gostam de se alimentar bem, e fui vasculhar discos da mesma época na minha coleção de CD, que antes me soavam duros ou demasiado vivos, como os editados pela GRP. E ouvi Diane Schuur em ‘Deedles’ (1984), como se a estivesse a ouvir ao vivo, tal a naturalidade da voz, a que também não é alheio o filtro de primeira ordem das Concertino.
O mesmo passou-se relativamente ao famoso ‘At Last’, a obra máxima de Jazz&Blues de Lou Rawls (1989), um disco fantástico que pode soar algo agressivo com o equipamento errado.
E, claro, aproveitei para ouvir muitas das faixas de música clássica do HFN Test Disc Nr1: da música antiga de Hildegard of Bingen, ‘Columbia aspexit’ à 4ª Sinfonia de Bruckner; e até um solo de bateria e ainda a famosa porta da garagem, que não assustou o A1.
O A1 não é um amplificador neutro, admito; mas também não funciona como uma lente que pinta de tons quentes tudo o que se ouve, pois respeita a integridade da música. De toda a música.
Se está à procura de um amplificador ultradetalhado, poderoso e frio, como os de Classe D, o A1 não é para si. Mas, se já possui um bom DAC/Streamer, ou gosta de ouvir LP, e procura um amplificador para lhe aquecer o coração (e a casa), vá ouvir o A1 à Imacustica. Estive lá hoje e vi um A1 a tocar música de fundo ligado a um par de ProAc. Pode ser seu por 1500€.
Sinto-me quente e confortável a ouvi-lo. Adoro o A1.
Esta é, sem dúvida, a reedição do ano, e ouvir o A1 fez-me sentir 40 anos mais novo, mas com a sabedoria que só os anos de vida permitem. Eis uma paixão que gostaria de reatar. Desta vez, para sempre. Sinto-me quente e confortável a ouvi-lo. Adoro o A1.
Tuvayhun II, I am poor, de Kim André Arnesen, pelo Nidarosdomens Jenketor & Trondheim Solistine, está agora a tocar e, paradoxalmente, o A1 faz o meu espírito sentir-se em paz, num mundo em guerra, enquanto sigo a letra sombria:
A world of poverty, of misery,
Of loneliness profound;
A world of hate, of sad division,
And of shocking cruelty,
…
Neighbour against neighbour,
Race against race,
Faith against faith,
Nation against nation.
Em conclusão: o A1 (2023) mantém vivo o espírito do A1 original, com melhorias importantes, e o som continua a ser a prova do empenho da Musical Fidelity em produzir áudio de excecional qualidade.
Nota: o novo A1 pode ser adquirido por 1599€ num dos vários revendedores da Sarte Audio em Portugal: Imacustica, JLM, OnOff, etc.
Mais informações: Sarte Audio