O MF M3si é um amplificador dos tempos modernos. Por 1299 euros, oferece 85W por canal, alimenta qualquer coluna dentro da sua categoria com facilidade, e ainda permite usufruir das fontes da moda atual: streaming e LP. E trouxe um amigo também: o leitor-CD M3scd.
A Musical Fidelity é uma marca com um enorme significado na minha carreira de crítico áudio. A história já é conhecida: em 1986, aproveitando uma lacuna no regulamento de um concurso de crítica da revista Hi-Fi News (não estipulava que só podiam concorrer residentes no Reino Unido), enviei um texto e, para meu espanto, ganhei o primeiro prémio:
“The verdict was unanimous that the entry from José Victor Henriques, from Estoril, Portugal, was the most interesting in that included critical comment in an unorthodox style” - in Hi-Fi News March 1986
Nota: podem ler o comunicado oficial no pdf Hi-Fi News Test Disc Review by JVH, no final da página
A partir daí, pensei: já que escrevo sobre áudio na imprensa nacional, porque não fazer disto também uma carreira internacional? Foi assim que aconteceu. E, 35 anos depois, o ‘estilo pouco ortodoxo’ mantém-se, tanto na língua de Camões como na de Shakespeare.
Tim de Paravicini
O prémio consistia num amplificador Musical Fidelity A1 (projetado pelo grande Tim Paravicini, parecia um grelhador de sardinhas e aquecia como tal, lembram-se?). O A1, com um andar de amplificação fortemente polarizado em Classe A, só debitava 20W, e foi o maior sucesso de vendas da Musical Fidelity.
Desde então, tenho seguido a carreira de Antony Michaelson, o fundador da MF, passo a passo, leia-se modelo a modelo: A370, P170, P180, com CPRS (choke regulated power supply), o incrível A1000 (de 50W Classe AB), os monoblocos kW de 1kW e 129Kg de peso (!), os ‘cilindros’ da série X; e, finalmente, os modelos NuVista e TriVista (‘válvulas’ Nuvistor), até aos atuais Model M, a grande família a que o M3si pertence.
Em pouco mais de 30 anos, Antony Michaelson tornou a Musical Fidelity um ícone da indústria do áudio britânico, tendo-se retirado em 2018: a Musical Fidelity faz hoje parte do grupo austríaco Audio Tuning, a que pertence também a Pro-Ject, sendo a montagem feita em Taiwan para manter os preços acessíveis.
Antony Michaelson: uma personalidade polémica
Michaelson é uma personalidade fascinante: de uma petulância tipicamente britânica, também sabia ser charmoso, e era um homem genial e muito culto (clarinetista clássico, gravou entre outros o Concerto para Clarinete K622, de Mozart, e Sonatas de Brahms para clarinete).
Era de tal forma ‘desarmante’ nas suas respostas e atitudes, que me fazia lembrar Oscar Wilde: um dia, em LOndres, depois de um jantar algo conflituoso, no qual exigiu mais vendas a João Cancela, que era então o distribuidor em Portugal; e chegou mesmo a ousar sugerir-me boas críticas, até porque ‘não havia nada nos seus produtos que pudesse ser criticado...’), abandonou-nos à porta do restaurante, numa noite de sábado, sem táxis livres.
Só chegámos ao hotel já passava das 2 da manhã. À tarde, recebeu-nos no Hifishow, com a simpatia de sempre, para a apresentação do SA570 (creio), como se nada se tivesse passado.
Nem por isso deixei de ser sempre isento na minha apreciação dos seus produtos, como, aliás, vou continuar a ser hoje.
Musical Fidelity M3si
M3si é a versão turbo do M3i, artilhada com o dobro da capacidade da fonte de alimentação (dual-mono virtual), capaz de gerar 85W por canal em Classe A/B com base em transístores Sanken. O andar Phono (MM) e o DAC (96/24), que não precisa de instalação de um driver para Windows, são a resposta da MF às necessidades dos tempos modernos.
O preço é de 1.299 euros, o que significa que está alcance de um público jovem, que descobriu agora o LP, mas não dispensa o manancial inesgotável de música da Spotify.
…o M3si vem ‘vestido’ de veludo negro, como um produto de luxo, e até exige tratamento ‘de luva branca’ (fornecidas) para não deixar marcas de manuseamento…
A relação qualidade/preço é muito boa. As dimensões são do tipo full size e a construção ‘em quadrado’ (44 x 10 x 40 cm) é robusta (9 kg de peso), com um painel frontal em alumínio sólido e um enorme botão de volume central.
Por baixo, uma fiada de pequenos botões de pressão com os respetivos led, cumprem as restantes funções de seleção: Phono, Aux ½, CD, Tuner, Line Out e Pre-Out, para ligar a um par de colunas ativas ou subwoofer. Só é pena não ter uma saída para auscultadores.
O M3si mostra quem manda na festa, colocando toda a potência ‘no chão’, com um controlo visceral do grave e excelente projeção de médios e agudos.
Uma vez ligado, o M3si demora alguns segundos a arrancar. Ligado a um par de monitoras Sonus faber Concertino, mostrou logo de início quem manda na festa, colocando toda a potência ‘no chão’, com um controlo visceral do grave e excelente projeção de médios e agudos.
Se procura um amplificador autoritário e neutro– ei-lo: é dinâmico, rápido e sólido! E não põe açúcar nos morangos…
Musical Fidelity M3si deve servir-se quentinho
Notei que o som se tornou mais musical ao fim de cerca de meia-hora de funcionamento. A frio pode soar algo duro e nasalado, até os condensadores estabilizarem.
Ouvi o M3si com um vasto programa de ficheiros de alta resolução (94/24 Wasapi via JRiver e da Tidal)com a ligaçãoUSB tipo B; e também com CD da minha coleção há muito esquecida, aproveitando o facto de a Sarte ter enviado no mesmo transporte o leitor-CD MSCD3 (1.299 €), que constitui o par ideal tanto em termos estéticos como acústicos (e ergonómicos: a gaveta é um mimo!).
Trouxe-me boas recordações musicais, pois hoje utilizo mais streaming nos testes em detrimento dos suportes físicos, porque é mais prático, mas o CD ainda tem muito para oferecer.
Hélas, não tenho gira-discos, portanto não posso pronunciar-me sobre a validade da proposta de andar de Phono, embora admita que o ‘revivalismo analógico’ é mais do que uma simples moda.
O CD ainda tem muito para dar
Se possível, o leitor-CD conferiu ainda mais sentido de ritmo e vivacidade ao som Musical Fidelity do amplificador. Talvez porque o MSCD3 faz upsampling para 192/24 do conteúdo Red Book dos CD, conferindo-lhes uma luminosidade que sugere uma ilusão de detalhe e informação minimalista muito convincente.
O amplificador tem o ADN de Antony Michaelson, que alia à sensibilidade musical clássica o gosto pelo som de rock a níveis de concerto ao vivo!...
Nota: o leitor-CD tem entradas digitais (ótica, coaxial e USB), pelo que pode funcionar também como um hub digital para ligar outros transportes ou streamers e até consolas.
De Bob Seger a Laurie Anderson e Mozart
Não admira assim que o duo M3si/SCD se sinta igualmente à vontade com Bob Seger & Silver Bullet Band, cantando ao vivo Against the Wind, num ambiente mágico e frenético de festa, transportando-me para Detroit; ou com a genialidade do concerto para Clarinete K622, de Mozart, aqui interpretado por Antony (Pay), sob a batuta de Christopher Hogwood, que nos transporta para outra dimensão, que não é deste mundo.
E que dizer do contraste da voz de duas divas da música: Cecilia Bartoli, cantando Cari Giorni, da ópera Inês de Castro; e Laurie Anderson, em Bright Red, um disco 'declamado' que é todo ele brilhante – no bom sentido?
Bolo de rei com prenda
Curiosamente, o M3scd trazia dentro da gaveta um CD-R com dezenas de faixas de música clássica, ópera, jazz, etc! Parto do princípio que não é uma oferta da Musical Fidelity, antes um esquecimento do ‘crítico’ ou ‘demonstrador’ que o utilizou antes. Whoever you are, obrigado pela experiência (e nada tema: o disco será devolvido dentro da gaveta)…
Não vou divulgar quais as faixas que ouvi, pois pode dar azo a ‘processos por violação de direitos de autor…’. Mas a seleção era muito variada e expôs claramente um leitor-cd de grande qualidade e versatilidade, revelando ainda o bom gosto musical de quem fez as gravações, embora uma ou outra faixa (nem todas chegam ao fim) me soasse como tendo origem em MP3.
A Musical Fidelity continua a ser musical e fiel aos seus princípios: o duo M3si/M3scd é um bom exemplo dessa evolução na continuidade. Recomendado pelo Hificlube.net
Para mais informações: Sarte Audio Elite
Em Portugal: