Passado e presente juntos, num ‘Pro-ject’ de futuro. CD e HD audio ligados por cordão umbilical HDMI para sincronizar o coração da música.
Lançar um transporte-CD, em 2019, pode parecer um anacronismo, quando a aposta certa de futuro é claramente no streaming. Aliás, com a qualidade de som em HD proporcionada hoje pelo streaming da Tidal em MQA, até o antes promissor downloading deixou de fazer sentido.
Haverá sempre quem defenda que é preciso alguma cautela, pois um dia a internet vem abaixo, por motivo de atentado ou, quem sabe até um decreto presidencial, situação em que a música, que está agora à distância de um clic, desaparece toda num ápice.
E quem se salva? Quem apostou no downloading e nos suportes físicos: CD e LP, e os guardou em casa em vez de confiar no banco… de dados.
Ou seja, seguiram a velha máxima de que o ‘dinheiro’ está mais seguro debaixo do colchão, porque está mais ‘à mão’…
E por que não ‘ripar’ os CD?
Uma boa solução de compromisso é ‘ripar’ todos os CD da sua coleção para uma hard-drive ou SSD. Voltando à analogia financeira, isto corresponde a guardar o ‘dinheiro’ em casa num cofre, de que só você sabe a combinação.
Há cada vez menos fabricantes OEM europeus a fornecer sistemas de leitura e transporte de discos óticos e, no dia em que o seu velhinho leitor-CD ‘pifar’, não vai ser possível repará-lo, e terá de ser substituído por um produto chinoca, porque nem a pandemia vai ensinar a Europa a tornar-se autossuficiente. A polémica das máscaras e dos ventiladores foi só um aviso…
O último dos Moicanos
Nota: video dos produtos apresentados no Highend 2019 e distribuidos em Portugal pela Support View.
Isto foi o que Heinz Lichtnegger, CEO da Project, defendeu, na apresentação do Transporte CD Box RS2 T, em Munique, no decorrer do Highend 2019.
A Pro-Ject aguentou, praticamente sem apoio, o ‘forte’ do LP, perante o ataque sem tréguas do CD; e manteve-o vivo, até ser resgatado, não só pelos antigos fiéis arrependidos, mas também pelas novas gerações curiosas que o adotaram.
Pois agora Heinz aplicou a mesma estratégia ao CD que, ainda há pouco, há poucochinho, parecia ser perfect forever, e está agora sob ameaça do streaming.
Nota: O RS2 T é uma tentativa de ‘assalto’ ao highend, pelo que o preço (2.495,00€) é também elevado para os padrões da marca. A Project tem outras propostas de transportes mais em conta, como o CD Box RS (999,00€) e o CD Box RS2 T (549,00€).
Comecemos pela fonte de onde brota o som: CD Box RS2 T. É uma ‘box’ um pouco maior (206 x 72 x 222 mm), que as da série S2 que testámos aqui e aqui.
E compreende-se porquê: tem de albergar um sistema de servo Blue Tiger CD84, da Stream Unlimited, que é por sua vez baseado nos velhos e fiáveis transportes Philips de antanho, de carregar por cima, com tampa basculante e peso de fixação. Lembram-se? A Audio Research ainda os utiliza.
Há quem diga que são os melhores, até por serem mais simples e sólidos, com gaveta fixa em alumínio, que assenta numa cama de fibra de carbono, por meio de molas e amortecedores de silicone.
A CD Box RS2 T lê (só lê, não descodifica) todo o tipo de CD, incluindo MQA CD (muito na moda no Japão) e SACD (só a camada Red Book). Digamos que é um transporte CD/CD ROM/R/RW à moda antiga.
Heinz podia ter ido um pouco mais longe, e já agora comprava a patente do transporte Universal da Oppo (fechou recentemente a atividade do departamento de áudio) que lê (e descodifica) este mundo e o outro: CD/SACD/DVD/DVD Audio/Blu-ray/Pure Audio/HRx, garantindo assim a verdadeira ‘universalidade’ da sua proposta. Mas preferiu um bom especialista a um razoável generalista.
HDMI é apenas o veículo para a interface I2S
Quando vi a saída HDMI, ainda tive alguma esperança que lesse também DVD ou Blu-ray. Ou melhor ainda: que fosse possível transmitir o conteúdo dff (DSD) dos SACD via HDMI, como faz o Oppo (ver teste do Krell K-300i). Mas não, o RS2 T só lê o conteúdo ‘CD’ dos SACD híbridos.
E a saída HDMI não funciona como tal, apenas como veículo de uma interface I2S, para poder partilhar os dados digitais + o sinal do relógio digital, sincronizando o transporte e o DAC Pre Box RS2 Digital com uma frequência de trabalho única de 16.9344 Mhz (Masterclock), reduzindo assim o nível de jitter, embora disponibilize também a alternativa das saídas tradicionais: AES/EBU e S/PDIF ótica e coaxial para poder ser utilizado com DAC de outras marcas.
Mostrador LCD do tipo IMAX
O mostrador LCD domina o painel, com fundo branco ou negro (comutável na função Mode) e tem todas as informações alfanuméricas habituais, que se podem ler até do fundo da sala, mesmo sem óculos, e inclui ainda informação gráfica do tipo sinal de trânsito, com o aviso de que há um laser perigoso para os olhos lá dentro; ou então aparece um enorme X sobre o símbolo do CD, quando se abre a tampa.
Um controlo remoto maneirinho em alumínio, que tem de ser bem apontado para funcionar bem, disponibiliza as funções habituais, menos a de avanço rápido. As teclas são um pouco recalcitrantes, mas isso pode dever-se ao facto de terem ainda pouco uso.
Mãe e filho ligados por cordão umbilical: HDMI ou USB?
O Pro-ject CD Box RS2 T e o DAC Pre Box RS2 Digital foram feitos um para o outro, até porque partilham o interface I2S exclusivo através de um cordão umbilical HDMI, que não é compatível com as saídas HDMI de outros fabricantes: a Oppo, por exemplo.
Nota: o Box set é fornecido com um cabo HDMI Audioquest Mocha, e não o habitual cabo de linha branca.
Mas tanto a CD Box como a Pre Box funcionam igualmente bem com as ligações convencionais, pelo que podem ser comprados em separado, embora sejam despachados de fábrica num caixote de único, que transporta ambas as embalagens respetivas.
E compreende-se que tenham optado pela venda em conjunto (Set Box), pois é um duo esteticamente equilibrado, com as mesmas dimensões, tipo de construção e acabamentos, incluindo o mostrador LCD comum de 3,5 polegadas, que se complementam também tecnicamente.
Pim-pam-pum cada bola mata um
Contudo, a ter de escolher apenas um, eu apostava na Pre Box RS2 Digital, que é aqui a estrela da companhia, pois revelou-se como um prévio digital versátil; e analógico (passivo com ligação direta das entradas XLR e RCA ao potenciómetro), que exibe também saídas e entradas RCA e balanceadas XLR (um luxo a este nível de preço) para atacar um amplificador ou um par de colunas ativas;
É também um DAC (32 bit / 768 kHz e DSD 512, suportado por circuitos dual-mono ESS Sabre 9038Q2M), com desdobramento MQA integral até 352,8 kHz; e tem ainda a função de upsampler).
Nota: Isto, claro, com ligação USB. As outras entradas não vão além dos habituais 192 kHz. Pode ainda ligá-lo ao seu telefone por Bluetooth.
Além disso, é um bom amplificador de auscultadores, com circuito de amplificação independente (não desliga o prévio quando em uso) e sem condensadores no caminho do sinal.
Nota: o amplificador de auscultadores é integralmente de estado sólido: o buffer a válvulas só pode ser activado no andar de linha.
Não se perdia nada se tivesse um pouco mais de potência de saída para alimentar os difíceis planar-magnéticos de baixa impedância, como os meus Hifiman HE1000, que usei muitas vezes no limite do ‘prego a fundo’, dependendo do nível das gravações.
Filtros à discrição do freguês
A regulação de volume é feita em modo analógico, com um botão rotativo que aciona um suave potenciómetro Alps (Blue Series). Por cima do botão, tem quatro teclas de setas para navegar um dos mais completos menus de funções digitais do mercado, também acessíveis via controlo remoto, que é mais prático de utilizar, face à ampla variedade de opções.
Pode, por exemplo, escolher entre 8 (+MQA) filtros digitais, baseados nos mesmos algoritmos da Pre Box S2 Digital: Linear Phase Fast, Brickwall e Apodising com pendentes rápidas, logo melhor filtragem de ruído ultrassónico e resposta mais plana; os Minimum Phase Fast/Slow têm melhor resposta temporal.
O filtro Corrected phase fast (híbrido=linear+minimum phase) talvez seja too much of a good thing, pois ‘caça os fantasmas’ ultrassónicos mas ‘corta’ demasiado nos agudos (selecione só para ficheiros a 96kHz e acima), enquanto o ‘Oversampling bypass’ dispensa o filtro FIR e faz ‘upsampling’ por defeito.
Pode ainda aplicar upsampling a gosto para 384 kHz (múltiplos de 48kHz) e 352,8 kHz (múltiplos de 44,1kHz), com qualquer dos outros filtros.
Nota: para aceder aos filtros analógicos de passa-baixas (25/50/90 kHz) tem utilizar as teclas de setas. Aconselho a mantê-lo em Auto e a evitar o de 25kHz, que ‘rouba’ demasiado ‘ar’ ao som.
Master Quality Authenticated
A opção por reclocking com ligação HDMI sincroniza o transporte e o DAC com um sinal de 16.9344 Mhz (Masterclock).
Logo que identifica um ficheiro MQA, o DAC desativa todos os outros filtros e aplica o filtro MQA, que autentica a origem de estúdio (Master Quality Authenticated), processando o desdobramento integral (full unfolding), além de aplicar upsampling e de ativar o primeiro nível de reclocking (X1), com ligação USB.
Finalmente, temos a opção de um andar de saída de estado sólido ou a válvulas (4 duplos tríodos 6922H).
Nota: o RS2 aquece bastante, pelo que não deve obstruir as grelhas de ventilação.
A prova do bolo
Praticamente tudo o que leram até aqui pode ser lido no manual (6 folhas policopiadas), onde vem a receita e a lista de ingredientes do bolo, que todos os críticos utilizam para encher a forma (template em gíria editorial).
Ora, o que o leitor quer, de facto, saber é se o bolo é saboroso. Vamos prová-lo:
Liguei o transporte à Pre Box por cabo HDMI, AES-EBU, coaxial e ótico. Abri a tampa, coloquei um CD na gaveta com o fixador em cima, e fui fazer experiências: com filtros, com diferentes inputs, reclocking, upsample e válvulas vs transístores. Não são antes ter testado com o disco da Pièrre Verany, o sistema de leitura/correção de erros da CD Box não é nada de extraordinário, está apenas dentro da média (dropouts de 1,5 mm).
HDMI ou S/PDIF?
Acabei por concluir que as diferenças audíveis são tão pequenas que eu não arriscava um teste cego. Aliás, dei comigo a preferir por vezes a ligação coaxial (com cabo Siltech de prata). Claro que todos os críticos lhe vão dizer que esta ligação é especial, até porque é a única que justifica a compra do ‘pack’ completo.
Talvez a ligação HDMI com 2 x reclocking seja um pouco mais limpa e estável, admito. E já que o cabo HDMI Audioquest Mocha é oferecido pela Project, why not?…
Nota: com o leitor CD a funcionar, evite constantes mudanças de input, pois o ‘lock’ nem sempre é imediato, pode bloquear o transporte e vai ouvir um silvo desagradável.
São mais os filtros que as vozes
Quanto aos filtros, embora as pendentes e resposta impulsiva sejam facilmente mensuráveis, os efeitos são mais significativos acima da banda áudio, pelo que as diferenças (que existem) não são assim tão audíveis, como os gráficos mostram.
Se não ouvir diferenças óbvias, não se deixe stressar, não há nada de errado com os seus ouvidos. Brinque com os filtros durante uns dias, e depois escolha um filtro favorito, e esqueça…
Eu, se tivesse de escolher um filtro, optava talvez por Linear Phase Slow. Mas dei comigo a fixar-me cada vez mais em ‘Oversampling bypass’ (com ‘upsample’ by default) para a maior parte das audições.
Acender as velas do bolo, ou não? Eis outra questão…
E as válvulas? Este é outro dos casos nos quais ‘crítico que se preze’ tem de dizer que soa melhor. De facto, as válvulas parecem introduzir alguma eufonia, mas também à custa de alguma definição.
Como a tensão de saída é igual, a diferença é mínima. A maior parte do tempo, fiquei-me pelo estado sólido, porque sim. O som é, digamos, mais… sólido! Mas é também mais frio. E não me refiro ao calor que as válvulas emanam…
As válvulas não são aqui um gimmick, ou seja, apenas mais um argumento de venda. É sempre bom saber que estão lá para o que ‘der e vier’, pois depende muito do seu estado de espírito. Num tempo de vacuidade total, há dias em que só o ‘vácuo’ faz sentido…
Talvez assim numa noite de Inverno, na companhia de música clássica - e um copo de schnapps na mão…
Guardado está o bocado
Liguei a Pre Box ao meu computador por cabo USB para aceder aos ficheiros de alta resolução armazenados em hard-drives e NAS. Com recurso a JRiver pude confirmar que reproduz ficheiros áudio com amostragens até 768 kHz e DSD512 e ficheiros em MQA. Mas só depois de instalar a Asio Drive (disponibilizada em disco). Com Wasapi e Kernel, tem algumas limitações em DSD.
Nota: E pensar que alguns dos meus ilustres colegas da press se limitaram a testar a Pre Box RS2 Digital apenas com CD como fonte. Talvez com o Prémio EISA Digital Source 2019/2020 em pano de fundo, fosse preciso pôr a ênfase no CD Box, abrindo assim a porta para atribuir o prémio de melhor DAC a outro fabricante, satisfazendo ambos…
MQA da Tidal com gestão Roon
Depois, chegou o momento alto: surfar a Tidal com o software Roon instalado no PC. Uau!, esta Pre Box é uma exímia reprodutora de MQA da Tidal. Se esta é a sua praia musical, pode estender já a toalha, vá a correr até à OnOff, e dê um mergulho no streaming de alta resolução!...
Uau!, esta Pre Box é uma exímia reprodutora de MQA da Tidal. Se esta é a sua praia musical, pode estender já a toalha, vá a correr até à OnOff, e dê um mergulho no streaming de alta resolução!...
O filtro MQA dedicado não só faz o desdobramento integral Master Quality Authenticated até aos 352,8/384 kHz, assim como ativa simultaneamente o upsampler para as frequências mais baixas e faz o reclocking (1 x) do sinal.
Foi com Roon/Tidal/MQA que obtive o melhor som da Pre Box RS2 Digital (um claro Best Buy, pelo preço de 1995,00€). Por mim, até podia ter só este filtro…
E, se tivesse que optar, por razões de economia doméstica, até dispensava o RS2 T (2.495,00€), por muito atrativo e competente que seja – e é um mimo, de facto.
…o conjunto Pro-ject CD Box RS2 T+ DAC Pre Box RS2 Digital é o Gryphon Ethos dos pobres, ‘Produto do Ano’ do Hificlube.net, que custa 20 mil euros!...
Contudo, se tem uma vasta coleção de CD, e o seu leitor ou transporte está a precisar de ser substituído, o conjunto Pro-ject CD Box RS2 T+ DAC Pre Box RS2 Digital poupa-lhe 900 euros, (3.498,00 € em promoção na OnOff). E reproduz os seus CD com upsampling+reclocking 2X, tal como o Gryphon Ethos, ‘Produto do Ano’ do Hificlube.net, que custa 35 mil euros!...
Para mais informações: OnOFF
Nota importante: o autor (e o leitor?) só agora reparou que o corretor FLIP aplicou o novo AO automaticamente a este texto (afinal, a diferença na escrita também é mínima…). Mas vou deixar passar, não vão os netos um dia apontar-me erros ortográficos…
Galeria geral de fotos
Análise do Duo Project CD Box RS2 T + Pre Box RS2 Digital em vídeo
Nota: para os audiófilos que não gostam de ler...