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QUAD 3: Iconografia Áudio Britânica na Rota da Seda

QUAD 3 - Article Cover.jpg

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Depois do sucesso do duo 33/303, a IAG propõe agora, por apenas 1.489 €, o amplificador/DAC integrado QUAD 3 para matar saudades da nossa juventude audiófila, com concessões ao passado, mas respeitando o presente.

Em 1960, quando nasceu o QUAD 22, o amplificador a válvulas que inspirou o atual QUAD 3 de estado sólido, eu ainda não tinha idade para me dedicar às artes audiófilas. O mesmo já não posso dizer do QUAD 33/303, que despertou em mim essa paixão, quando o comparei com o modesto Pioneer que, então, me alegrava os dias com música, achava eu.

Foi essa diferença abissal que ouvi, que me levou a dedicar o resto da vida à busca do Graal: o som absoluto, ou o que mais se aproxima do som real, hélas sem nunca o alcançar, felizmente, porque tornaria redundante o meu míster de crítico.

QUAD 2912 X, Munique 2025

QUAD 2912 X, Munique 2025

Entretanto, muita água passou por baixo da Tower Bridge, o Império britânico desmoronou-se e a indústria britânica sobrevive hoje, vendendo marcas de áudio icónicas a empresas chinesas como a IAG: Wharfedale, Audiolab, QUAD, Castle, Mission, LEAK, que, justiça lhes seja feita, têm sido tratadas com respeito e dignidade. Um bom exemplo são os esforços da IAG para melhorar o que já era quase perfeito à partida: as QUAD ELS 63, que foram demonstradas no High End 2025 na versão mais recente: QUAD 2912 X.

QUAD FM 3 Tuner

QUAD FM 3 Tuner

QUAD Streamer 3?

Por enquanto, a IAG ainda não teve coragem de “mexer” nas ELS57. Mas, depois do duo 33/303 e, agora, do QUAD 3, só falta mesmo o FM 3 para completar o renascimento desta trilogia clássica.

O FM3 utilizava um cordel de sapateiro (juro!) como corrente de transmissão do sistema botão rotativo/agulha de sintonia. Agora, especulo eu, vai ser lançado na forma de 'streamer', pois a DAB está morta e enterrada e a FM só se ouve no carro. Deve ser por isso que o QUAD 3 tem DAC e Bluetooth, mas não tem leitor de rede integrado. O QUAD Streamer 3 vem aí! Aposto.

QUAD 3, Munique 2025

QUAD 3, Munique 2025

No HighEnd 2025, o último realizado em Munique (o “circo” do áudio vai, em 2026, para Viena, na Áustria), o QUAD 3 foi apresentado de forma quase anónima, o que despertou o meu interesse e curiosidade. Finalmente, ei-lo a tocar no meu estúdio de trabalho, graças à amabilidade da Imacustica, embora ainda não tenha perdido a esperança de testar os 33 + 2 x 303, que do original só têm o nome e o design. Bom, também tem a base do circuito de amplificação.

QUAD 22. O Integrado a válvulas que inspirou o QUAD 3 de estado sólido

QUAD 22. O Integrado a válvulas que inspirou o QUAD 3 de estado sólido

Aliás, não entendo qual é a razão para não manter também a designação original do QUAD 22. Bastava acrescentar um i: QUAD 22i. Será para rimar com Streamer 3?…

Ou talvez seja porque pouco mais têm em comum do que a inspiração do painel frontal com os cinco botões rotativos. De resto, há três quartos de século de evolução tecnológica entre eles: das válvulas para os transístores; da pureza analógica para a hibridez digital.

QUAD 3: amplificador integrado com DAC interno.

QUAD 3: amplificador integrado com DAC interno.

O painel frontal é dominado por cinco botões rotativos, sendo o maior o do volume, que se apresenta engalanado por um arco luminoso de LEDs de cor laranja, que permitem ver a posição do controlo, mesmo à distância. Se o pressionar, entra em modo de silêncio, enquanto pisca.

Os LEDs aparecem quando se regula o volume e desaparecem ao fim de alguns segundos (modo OFF). Mas podem ser fixados (modo ON). Gosto de vê-los iluminados para compensar o excesso de brilho da barra do mostrador, que também pode ser regulado (Backlight Level) ou desligado (OFF).

Contudo, ainda que este mostrador sirva de pouco, até porque é impossível ler a informação à distância; se o desligar (nunca se apaga completamente), vai perder-se o efeito cosmético revivalista, que substitui no painel o espaço antes ocupado pelos botões de pressão no QUAD 22, que é a sua principal atração visual.

Os quatro botões menores são, respetivamente, para selecionar as fontes, regular o baixo, o “tilt” e o equilíbrio entre canais. O “tilt”, que a QUAD foi buscar ao arquivo histórico de Peter Walker, regula os graves/agudos centrados nos 700 Hz. Os botões de pressão do QUAD 22 foram substituídos por um mostrador de barra cor-de-laranja, tão fino que parece uma gaveta de “slot” de um leitor de CD, que indica a fonte ou as funções selecionadas.

Um pouco recuadas e escondidas por baixo do painel estão a saída de 6,35 mm para auscultadores (que desliga as colunas) e o sensor IR do controle remoto.

QUAD 3 - painel traseiro

QUAD 3 - painel traseiro

O painel traseiro denuncia a modernidade deste modelo ‘vintage’, pois, além de duas entradas de linha analógicas RCA e MM Phono (+terra) e uma saída de pré-amplificação (para ligar ao 303, por exemplo), oferece entradas digitais: coaxial, Toslink ótico, USB-B, HDMI-ARC e uma antena para Bluetooth. O QUAD 3 merecia uns bornes das colunas de melhor qualidade: aceitam forquilhas, mas as bananas entram só até a metade.

Além dos cinco filtros digitais: Linear Fast/Slow e Minimum Phase Fast/Slow e Hybrid (Linear Fast+Minimum Fast), que podem ser selecionados remotamente (muito útil para fazer comparações, embora as diferenças sejam mínimas).

O QUAD 3 ainda disponibiliza o Modo MQA: no modo Full Decode B com Upsampling (352, 8/384kHz), que desativa todos os outros filtros; e no modo Full Decode A (sem upsampling). E ainda há o modo passthrough, que desativa o filtro MQA. Optei por este por ser menos propenso a erros de clocking.

QUAD 3 com controlo remoto

QUAD 3 com controlo remoto

O que faz falta: uma App?

Às vezes, as aplicações atrapalham mais do que resolvem. E o controlo remoto é leve, prático e cumpre bem todas as funções essenciais. Além disso, depois de selecionar a tonalidade e o filtro digital ao seu gosto — e, eventualmente, a sensibilidade das várias entradas —, pouco mais vai usar do que o controlo de volume.

QUAD 33/303, versão moderna (2024)

QUAD 33/303, versão moderna (2024)

A QUAD parece estar empenhada em ajudar-me a reviver a minha juventude audiófila. Depois do revivalismo do 33/303, o novo integrado QUAD 3 assume o papel de integrado versátil, com estética de meados do século XX, ergonomia moderna, ampla conectividade e um preço que parece congelado no tempo. É um daqueles casos raros nos quais os olhos puxam pela memória, enquanto os ouvidos são tratados com engenharia moderna, permitindo-nos ligar tudo a tudo, incluindo o telefone.

Filho do século XXI

Basta olhar para as especificações para perceber que o QUAD 3 inspira-se no séc. XX mas é filho do século XXI:

  • Amplificador integrado Classe AB de 2×65 W/8 Ω e 2×100 W/4 Ω;

Nota: no laboratório, o meu colega da EISA Paul Miller mediu: 74/120 W contínuos, com picos dinâmicos de 91/170/145/80 W (8/4/2/1 Ω); Ruído A-wtd 92,4 dB, impedância de saída ~0,025 Ω, resposta +0/-0,15 dB (20 Hz–20 kHz) e -1,6 dB/100 kHz e relação sinal/ruído de 109,3 dB.  

  • DAC: ESS Sabre ES9038Q2M; USB-B até 768 kHz/32-bit e DSD512; S/PDIF até 192 kHz; 5 filtros; MQA Full Decoder (USB e S/PDIF).

Nota: no domínio digital, Miller mediu uns incríveis 5 ps de jitter total! Isto é um resultado ao nível do estado da arte. E os cinco filtros digitais têm comportamentos previsíveis, sendo os fast mais lineares e os slow mais redondos.

  • Entradas/saídas: Phono MM, 2× RCA linha, coax/ótica, USB-B, HDMI ARC, BT 5.1 aptX/aptX HD, pré-out, auscultadores 6,35 mm, triggers 12 V.
  • Dimensões/peso: 300 × 101 × 332 mm, 8 kg. PVP de referência (PT): 500 €.

Do meu acervo de equipamentos disponíveis, escolhi para fontes um leitor de CD velhinho da Oppo, optando pelas ligações digitais: coaxial e ótica. Também utilizei uma entrada de linha RCA analógica. Mas o DAC do Oppo não está ao nível do DAC do QUAD 3. Assim, voltei à primeira opção.

QUAD 3 compatível com MQA Full decode c/ Upsampling até 325,8 /384 kHz e DSD 512

QUAD 3 compatível com MQA Full decode c/ Upsampling até 325,8 /384 kHz e DSD 512

Para testar a resolução máxima (768 kHz/32 bits, DSD512 e MQA), utilizei o meu PC reproduzindo ficheiros de alta resolução nativa e MQA armazenados num disco rígido, com JRiver (apenas Wasapi) e Roon, sendo melhor com este, com o qual cumpriu os limites máximos declarados, incluindo DSD512.

Para PCM até 192 kHz, utilizei o transporte digital do leitor de rede do BlueSound Node Icon, reproduzindo ficheiros da Tidal e Qobuz no modo digital passthrough, com ligação USB. Testei o Bluetooth com um Galaxy S25 fazendo ‘streaming’ da Tidal. É uma experiência simpática por ser prática, mas o som é mais opaco comparado com a excelência do USB. Nada de novo: é assim com todas as outras marcas.

Como alternativa, o QUAD 3 tem uma entrada Phono MM, mas, sinceramente, eu já perdi a paciência com o ritual do LP, embora este me tenha inspirado um dos meus melhores textos de sempre: Arte Analógica (2003).

Liguei à vez o QUAD 3 a dois pares de colunas monitoras residentes: Sf Concertino e Radiant Acoustics Clarity 4.2 e outros tantos auscultadores: Hifiman HE1000 e Austrian Audio The Composer. O QUAD 3 não teve problemas em lidar com o mau feitio das Clarity 4.2 e a teimosia dos Hifiman HE1000, ambos com baixa impedância e baixa sensibilidade. Já os The Composer são uma pêra-doce, pois raramente passei de um quarto de percurso do botão de volume.

Brinquei um pouco com o ‘Bass’’ e o ‘Tilt’. A regulação é discreta, mas bem audível, sobretudo o ‘Tilt’: rodando o botão para a esquerda, o médio-grave ganha corpo; para a direita, a ênfase é no médio-agudo. Tanto um como outro devem ser usados com parcimónia. Comece por +1dB ‘Bass’ e +1/-1 dB ‘Tilt’. Se for mais longe, vai ouvir o QUAD a ganhar a tonalidade clássica das válvulas, ideal para audições prolongadas.

Em modo ‘flat’, o QUAD 3 soa limpo, sem ser clínico; com médios claros e transparentes e com um grave que está lá quando é preciso, sem impor a sua presença o tempo todo. Um som típico de um amplificador de FETs com DAC de baixa distorção e isento de jitter. Podia ter um pouco mais de garra, mas a QUAD — noblesse oblige — optou por um tempero ‘british’ dos anos 70 (Current Feedback), para dar um pouco de sabor tradicional à atual tendência pelo poder limpo no laboratório a todo o custo.

Recriação da audição comparativa do QUAD 22 e QUAD 3, só possível com a IA.

Recriação da audição comparativa do QUAD 22 e QUAD 3, só possível com a IA.

Música do séc. XX, som do séc. XXI

‘Dark Side of the Moon’ – ‘Us and Them’ – Pink Floyd (1973)

Us and them

And after all we’re only ordinary man

Me

And you

God only knows

It’s not what we would choose to do

 

Eu e vocês, nós e eles já ouvimos esta faixa milhares de vezes. Já lá vão mais de 50 anos. Só Deus sabe por que escolhi ouvir isto outra vez. Talvez o revivalismo do QUAD 3 me tivesse suscitado o revivalismo do programa musical. E como me soou agora? Se bem me lembro, bem melhor do que com o meu velho Pioneer dos anos setenta. Mas ouvi alguma agressividade nos coros que já não me lembrava que estava lá. Menos dois pontos de ‘tilt’ e passar do filtro Fast Linear para Slow Minimum ajudou sem afetar a cauda de reverberação. A versatilidade, afinal, compensa.

‘Never Going Back Again’ - ‘Rumours’ – Fleetwood Mac (1977)

She broke down and let me in

Made me see where I’ve been

Been down one time

Been down two time

I’m never going back again

 

Não sei se posso dizer que nunca volto atrás. Por vezes, sabe bem voltar a um lugar onde fomos felizes. Esta é uma obra-prima de Lindsay Buckingham (voz e guitarra acústica). Reza a lenda que trocou várias vezes de cordas para manter este timbre vidrado, exponenciado pelo dedilhado à Marle Travis, com o polegar alternando nos bordões com as notas sincopadas produzidas pelos restantes dedos nas cordas altas, marcando o ritmo ao mesmo tempo que desenha arpejos. Ouvi uma vez, ouvi duas e voltei no final para ouvir de novo.

‘Memórias de um Beijo’ – Terra Firme – Trovante (1986)

As memórias são como livros escondidos no pó

As lembranças são

Os sorrisos que queremos rever, devagar

 

O som surge envolvido numa bolha, que se expande até revelar a riqueza do conteúdo: a voz de Represas, com aquele timbre único de tenor romântico, pairando sobre as pesadas notas de baixo que sustentam as teclas etéreas, rasgadas aqui e ali pela guitarra de João Gil e pela presença furtiva do saxofone de Artur Costa. Tal qual me lembro de ter ouvido nos anos oitenta: uma lembrança que quero rever devagar. Os Trovante voltaram aos palcos. A QUAD também.

Conclusão

O QUAD 3 não é uma revolução. Mas também não é um retrocesso. É filho do QUAD 22, ao qual foi buscar a semelhança física; e do QUAD 33, do qual herdou as cores, os tons e os sons. Do tio 303, recebeu a inspiração para a topologia do circuito de amplificação. A família IAG, que o adotou, educou-o nas artes digitais dos tempos modernos.

O resultado é um amplificador integrado com DAC, de estética revivalista, visualmente agradável, tecnicamente muito competente, com um som que pode ser ajustado a gosto, sem comprometer as atuais tendências de claridade e transparência.

Que o preço do QUAD 3 seja apenas de 1.489 € é um bónus só possível com a nova descoberta da Rota da Seda.

Em Portugal, vá ouvi-lo na IMACUSTICA

Em Espanha, vá ouvi-lo na SARTE AUDIO

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QUAD 2912 X, Munique 2025

QUAD FM 3 Tuner

QUAD 3, Munique 2025

QUAD 22. O Integrado a válvulas que inspirou o QUAD 3 de estado sólido

QUAD 3: amplificador integrado com DAC interno.

QUAD 3 - painel traseiro

QUAD 3 com controlo remoto

QUAD 33/303, versão moderna (2024)

QUAD 3 compatível com MQA Full decode c/ Upsampling até 325,8 /384 kHz e DSD 512

Recriação da audição comparativa do QUAD 22 e QUAD 3, só possível com a IA.


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