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A nova WATT/Puppy é o repositório de 50 anos de história e evolução de um ícone que marcou a minha época. E por isso acompanhou também toda a minha carreira de crítico de áudio.
‘Não há machado que corte a raiz ao pensamento’ (Manuel Freire) e ‘Na natureza, nada se cria, nada se muda, tudo se transforma’ (Lavoisier), são as duas verdades axiomáticas na base do regresso da mais icónica das colunas da Wilson Audio.
Dave Wilson criou a ideia original das WATT, em 1986, como instrumento de trabalho para engenheiros de som, como ele, a que juntou, em 1989, a caixa de graves Puppy para obter um sistema de banda larga comercial.
Foram produzidas várias versões evolutivas até ao System 8 final a que se seguiu a Sasha W/P, em 2009. Curiosamente, não houve a Watt/Puppy 4, porque 4 é número de azar na China (soa como morte em mandarim) e é mau para o negócio. Chama-se a isto tetrafobia.
A WATT/Puppy logrou sobreviver à passagem do tempo, como poucas colunas de som na história do 'high-end'. Ao acompanhar sempre a evolução tecnológica de altifalantes, filtros divisores e materiais compósitos da caixa, com pequenas alterações no volume interno, manteve-se no pódio durante 50 anos. Que se comemoram agora com este modelo definitivo, fiel ao original, mas transformado por Daryl Wilson, como se guiado pela própria natureza, mantendo o legado do seu pai Dave Wilson.
A WATT/Puppy acompanhou assim toda a minha carreira de crítico de áudio, e lembro aqui alguns dos momentos chave desta relação pessoal e técnica, que culminou na apresentação no High-End 2024, em Munique, deste modelo comemorativo:
Um projeto com herança
A WATT/Puppy 50º Aniversário mantém-se fiel ao design angular de duas caixas do original, com a pirâmide truncada WATT a servir de monitor de média/alta frequência montada sobre a caixa Puppy, dedicada exclusivamente aos graves. Este design modular característico, destinado a dissociar as altas frequências das vibrações dos graves, estabeleceu um novo padrão na sua época, e a versão 2024 presta homenagem a esse legado, agora com um toque de modernidade tecnológica.
A Wilson utilizou os seus materiais exclusivos: X-material para as caixas, S-material para o 'baffle' (defletor) da WATT; e V-material para o isolamento de vibrações. Estes materiais compostos foram concebidos para criar uma estrutura acusticamente inerte, minimizando as ressonâncias da caixa e permitindo que os altifalantes funcionem no seu máximo. O nível de bolha incorporado, o pico ajustável e o ‘baffle’ inclinado asseguram um alinhamento temporal preciso entre os módulos WATT e Puppy, um testemunho da incessante busca da Wilson Audio pela precisão sónica.
Altifalantes de elevada tecnologia
A WATT/Puppy 50.º Aniversário utiliza a tecnologia de altifalantes mais avançada da Wilson. A WATT exibe um ‘tweeter’ Convergent Synergy Carbon de 1 polegada (2,54 centímetros) e um altifalante de médios AlNiCo QuadraMag de 7 polegadas (17,78 cm), ambos herdados de modelos de topo e desenhados para oferecer claridade e detalhe nas suas frequências de trabalho. O módulo Puppy, responsável pelo desempenho das baixas frequências, inclui dois altifalantes de 8 polegadas (20,32 cm) fabricados com cones tratados de pasta de celulose, assegurando graves firmes e articulados que se integram perfeitamente com os registos superiores.
E no filtro divisor foram utilizados condensadores AudioCapX-WA, exclusivos da Wilson Audio, que oferecem garantia de maior resolução. O som resultante é incrivelmente transparente, revelando até os detalhes mais subtis de uma gravação.
Sasha V no corpo da WATT/Puppy
A nova coluna é assim uma Sasha V no corpo de uma WATT/Puppy, pois utiliza exatamente os mesmos altifalantes. A diferença está no tamanho, no peso e no preço. E, claro, na extensão do grave. Se tem uma sala grande e uma carteira recheada, opte pela Sasha V. Se tem uma sala de tamanho médio e quer poupar cerca de 12 mil euros, a nova WATT/Puppy chega (e sobra) para as encomendas.
Desde o momento em que me sentei para ouvir as WATT/Puppy percebi estar perante algo especial.
Fui ouvi-las no Auditório 2 da Imacustica, que tem uma área de 30 m2, tendo como fonte um dCS Bartók e amplificadas por um integrado Dan D’Agostino Progression. Quando saí, dei comigo a pensar que há muito tempo não ouvia um som tão limpo naquela sala, tão transparente, tão equilibrado, apesar do processo de ‘queima’ ter começado apenas há 24 horas.
Uma experiência de audição rara
Desde o momento em que me sentei para ouvir as WATT/Puppy percebi estar perante algo especial. As colunas, apesar de Manuel Dias ter escolhido uma cor de açafrão-pérola (pode escolher a cor que quiser, se pagar), exibiram uma capacidade extraordinária de desaparecer da sala, deixando-me a sós com a música. O palco sonoro era expansivo, com imagens precisas que colocavam os instrumentos e as vozes exatamente onde deveriam estar.
O que mais me impressionou foi a gama dinâmica da coluna. Lidou sem esforço com tudo, desde a vibração mais subtil das cordas de um piano até ao estrondo harmónico de uma grande orquestra.
A resposta de graves foi particularmente notável. A WATT/Puppy sempre foi conhecida por ter graves firmes e controlados. O modelo 2024 vai um passo mais além, ou mais abaixo, se preferirem. Os ‘woofers’ duplos de 8 polegadas (20,32 cm) proporcionam-nos graves profundos e tensos, com uma sensação de impacto que nunca ofusca o resto do espetro de frequências. Quer estivesse a ouvir música clássica, ‘jazz’ ou 'rock', as WATT/Puppy exibiram sempre um desempenho equilibrado e coeso.
A Danação de Fausto
Ricardo Franassovici revelou-me um dia que gostava de por a tocar ‘Like a Virgin’, de Madonna, não para a ouvir, mas para ‘queimar’ colunas durante a noite. Na Imacustica, quando entrei na sala estava a tocar ‘A Danação de Fausto’, de Hector Berlioz. ‘Esteve a tocar toda a noite’, revelou-me Manuel Dias, o CEO da Imacustica.
E veio imediatamente à conversa uma audição memorável que fizemos juntos, em 2005, então com umas colunas Wilson Audio Alexandria, em casa de um audiófilo de Águeda, que lavrei para a posteridade num artigo intitulado ‘O Paraíso Existe’, que publiquei no DNA (clique no título para abrir o pdf):
‘Os naipes de metais rasgaram com garras poderosas a espessa trama sonora tecida pelos terríficos timbales, as vozes demoníacas, os sopros sibilinos e as cordas ensandecidas’. Escrevi eu, então, inspirado.
E embora desta vez as colunas fossem as pequenas Wilson Audio WATT/Puppy, e não as enormes Alexandria, voltei a pensar que muitos sistemas de colunas domésticos teriam de fazer um acordo com o Diabo para reproduzir sem compromissos esta peça musical. Com o mesmo impacto, pressão sonora, ataque, transparência e incrível expansividade do palco sonoro das WATT/Puppy.
Seguiu-se um disco que me tem encantado ultimamente: Brave Enough: Live at the Variety Playhouse, gravado ao vivo por Sara Bareilles, com apenas voz e piano digital Yamaha. As suas interpretações de ‘Sitting At The Dock of The Bay’ and Elton John’s ‘Goodbye, Yellow Brick Road’ transportam-nos para a pequena sala da Variety Playhouse. Ora, esta sensação de ‘estar lá’, que experimento muitas vezes com auscultadores, não está ao alcance de muitas colunas de som.
A minha interpretação favorita do Concerto para Violino Nº 1 em dó maior, Allegro moderato, de Haydn, é a de Isabelle Faust que eu também ouvi com as Alexx V e as Sasha V.
O envelope acústico da Sala de Concertos Schloss Elmau, com teto de vigas de madeira, que fica na Baviera, abriu-se de novo perante os meus olhos na sala de audição em Lisboa.
Isabelle Faust está de pé em frente à Orquestra de Câmara de Munique, dirigida por Christoph Poppen, ligeiramente à esquerda do centro. É uma pequena sala de concertos, nota-se. No entanto, é possível ouvir o ar à volta dos instrumentos, particularmente o Stradivari (1704) ‘Sleeping Beauty’ de Isabelle Faust.
E, se bem me lembro, as WATT/Puppy têm ainda mais transparência do que as Sasha V, que custam mais 12 mil euros, embora tenham, claro, outra escala, mais corpo e extensão de graves.
Após duas horas a vasculhar os arquivos infinitos da Tidal e da Qobuz, de iPad na mão, fechei com Keb Mo e um pouco mais de Haydn, de que vos deixo aqui um breve registo digital, apenas como aperitivo do que podem ouvir ao vivo na Imacustica-Lisboa. Não percam — nada como ouvir ‘ao vivo’!
Conclusão
A 49.900 euros por par, esta coluna é inegavelmente um artigo de luxo, custando tanto como um carro. Ainda assim, para aqueles que exigem o melhor em áudio, a WATT/Puppy 50º Aniversário proporciona uma experiência única dentro da sua categoria. Fecha-se assim o círculo da visão de Dave Wilson, e o resultado é extraordinário.
Para mais informações: IMACUSTICA