Depois do sucesso mundial do excelente – e caro - HE1000, a Hifiman torna o mesmo conceito ortodinâmico mais acessível com a Edition X.
Quem não gostaria de ter um par de auscultadores ortodinâmicos Hifiman HE1000, de transdução planarmagnética, por pouco mais que metade do preço?
Para o leitor que não seguiu todos os episódios desta saga, duas informações rápidas para se poder situar no devido contexto: os auscultadores planarmagnéticos não utilizam altifalantes, apenas uma membrana ultrafina que vibra num campo magnético, reproduzindo todos os sons a partir do mesmo plano, segundo o mesmo princípio das colunas Magnepan, logo sem necessidade de utilizar ‘elevadores de tensão’ como os auscultadores electrostáticos.
A Sennheiser apresentou no audioshow 2016 a nova versão dos Orpheus electrostáticos, pelos quais se pedem sem rebuço 50 mil euros! E os Hifiman Shangri-La, cujo protótipo me foi apresentado pelo próprio Dr. Fang Biang, em Munique, vão custar qualquer coisa como 30 mil euros (10 mil sem amplificador).
Perante esta autêntica loucura, os 2999 euros que se pedem pelos HE1000 são até razoáveis, considerando que, nesta fase do projecto, eu não os trocava pelos Shangri-La, juro! Assim, os 1799 euros que custam os Edition X seriam neste contexto uma pechincha! No áudio como na vida, tudo é relativo…
O cardápio da Hifiman oferece ainda os modelos HE400S e HE560, também planar magnéticos, com preços respectivamente de 299 e 899 euros, e os mais recentes Edition S (na foto acima) do tipo dinâmico (altifalante full-range), que custam apenas 249 euros, com a versatilidade de se poder optar pela audição ‘aberta’ ou ‘fechada’.
Claro que os modelos dinâmicos não são dipolos, como os planarmagnéticos, pelo que a diferença ‘com tampa’ e ‘sem tampa’ não é tão dramática assim: no primeiro caso, soam ‘mais vivos e secos’, no segundo ‘mais encorpados e com mais ar’. Mas não muito. Já ouvir os HE1000 e os Edition X (ou qualquer dos outros modelos planar abertos) com as mãos a tapar as grelhas é como se estivéssemos a ‘esganar’ a cantora.
Hifiman Edition X
Vamos ser honestos: 1799 euros continua a ser muito dinheiro. Os HE1000 custam o dobro, é certo, mas, enfim, sempre têm o toque especial da madeira e da pele genuína. De resto, são tão parecidos que os X passavam bem pela versão ‘au noir’ discreta do HE1000, com nuances de púrpura e azul meia-noite nos aros de metal.
Isto até pegarmos neles: são muito mais leves e 15% mais pequenos. Isto até os colocarmos: são ainda mais confortáveis de usar. Isto até os ligarmos ao iPhone: são muito mais sensíveis, embora auscultadores com auriculares em formato de lágrima, tão grandes que quase tocam no ombro de quem tem pescoço curto, e do tipo ‘aberto’ dificilmente se possam considerar verdadeiramente ‘portáteis’ ou pelo menos ‘privados’. Ou até os ouvirmos longamente: são também mais ‘confortáveis’ de ouvir durante longos períodos! Mas já lá vamos.
A justificação técnica para o preço só pode estar, pois, na tecnologia de transdução, que é comum a ambos: uma nano membrana, tão fina, tão fina que se largada no ar se comporta com a leveza colorida de uma bola de sabão; e tão resistente que, uma vez tornada condutora por vaporização e sujeita ao poderoso campo magnético criado por uma dupla bateria de ímanes de neodímio, suporta vibrações de grande amplitude de 8 a 50 000 ciclos por segundo. A tecnologia não é nova, os materiais sim, e isso faz toda a diferença.
A justificação moral para os comprar, essa, só pode estar no som:
HE 1000 vs Edition X
Não é segredo para ninguém que utilizo um par de HE1000 como referência, que comprei directamente ao fabricante, no âmbito de um projecto que me fora encomendado pela revista inglesa HiFiCritic, quando a Imacustica ainda não era a distribuidora oficial da marca.
No teste, que então publiquei (disponível aqui em formato pdf e em língua inglesa), é óbvio que fiquei tão encantado que os seleccionei logo como futuro ‘compagnon de route’ do amplificador dedicado McIntosh MHA-100 (teste publicado na mesma edição da revista, que também pode abrir em Artigos Relacionados).
E têm sido muito felizes, por vezes num gratificante ménage à trois com o Chord Hugo ou o adorável Mojo. Entretanto, o Unison Research SH Class A Valve Headphone Amplifier juntou-se à orgia musical à luz das velas.
Tanto o Unison SH como o Chord Mojo têm entradas em paralelo pelo que a tentação de uma comparação A/B é grande. Até se verificar que isso não é afinal possível: o Edition X é tão sensível que ‘toca’ sempre muito mais alto que o HE1000. Aliás, qualquer smartphone o faz cantar alto e bom som. Daí a um ouvinte incauto dizer logo ‘eh pá, o X é muito melhor!’, basta ouvir uns segundos.
A mim, compete-me ser mais ‘científico’, racional e menos emotivo.
Assim, com recurso a equipamento de medida e aos vuímetros do McIntosh MHA100 aferi o nível de um sinal de 1kHz, e passei depois a ouvir as mesmas faixas com ambos alternadamente a um volume muito aproximado. Não foi difícil concluir que as respostas são razoavelmente idênticas em termos de linearidade, sendo a principal excepção as altas frequências:
HE1000 : 80Hz (-1,6dB); 650Hz (-1,4dB); 1650Hz (-1,8dB); 8250Hz (+2,7dB)
Edition X: 80Hz (-3,4dB); 650Hz (-0,7dB); 1650Hz (-0,4dB); 8250Hz (-2,4dB)
Na audição, isto tem como resultado que o X tem um som mais encorpado no grave (como o dos Audeze) mas menos definido que o do HE1000; tonalmente mais presente nos registos médios, e com uma imagem aparentemente mais recuada; algo redondo e discreto nos agudos, mas com melhor integração geral das partes no todo, em relação ao HE1000, que é mais ‘luminoso’ e articulado e com as bandas mais diferenciadas no conjunto do espectro audível, permitindo-nos mergulhar com mais facilidade na mistura de som.
Com grande surpresa minha, o X parece contudo criar mais ‘espaço’ virtual à volta da cabeça, numa espécie de palco sonoro circular.
Digamos que o som do X é mais ‘fofinho’, sem arestas ou partições, aqui e ali com raras manifestações de agudo de ‘celofane’ e vibração no grave, como sucede com outros planar magnéticos (não se pode ter tudo). Por outro lado, o grave do HE1000 tem mais extensão, articulação e controlo e é muito mais ‘vivo’, excitante e dinâmico. (embora ambos ‘gostem’ de sentir um cheirinho de grave do MHA100 entre 2,5 e 5dB).
O HE1000 é também mais informativo, pois tem mais resolução, por oposição à opção pela ‘musicalidade’ mais escura do X, logo é uma melhor ferramenta de análise para um crítico. Só por isso, não os troco já hoje. Never say never, diria James Bond…
Finalmente, o HE1000 é mais neutro e enxuto, revelando o X uma coloração que paradoxalmente dá um agradável ‘peito’ às vozes masculinas e mais ‘respeito’ às vozes femininas, passe a discriminação de género, proibida pela Constituição…
Os meus ouvidos são como o algodão, o meu coração não – e ficou marcado com uma cicatriz em forma de X.