Príncipe Real. Lisboa: cidade branca. De pele doirada pelo sol. Lá em baixo, o Tejo. Um cenário digno da estreia em Portugal do sistema Krell «Showcase», que um mês antes havia debutado em NY, depois de, em Janeiro, ter sido apresentado em Las Vegas. Destes eventos dei em devido tempo notícia aos leitores.
Descendente directo da nobre linhagem de produtos AV criados pelo italoamericano Dan D'Agostino para a aristocracia audiófila mundial, o Showcase é o paradigma actual de uma nova gama de produtos «High-End» com consciência social, isto é: sem perder o estatuto elitista, aceita alguns (poucos) compromissos económicos, alargando assim o seu âmbito a uma certa burguesia culta com capacidade financeira bastante e conhecimento de causa para assumir a compra como um investimento sólido na área da electrónica de consumo.
Uma burguesia que soube finalmente libertar-se do conceito medieval das muralhas do condomínio fechado dominante, instalando-se na zona histórica, em casas com passado e personalidade, de cujas janelas abertas se poderia assistir de novo à partida das caravelas. Uma burguesia que desistiu já de buscar o tempo perdido no espaço de um quarto fechado, como Proust; antes aprecia cada segundo que uma vista privilegiada sobre a cidade proporciona; cada «momento» imortalizado por Pessoa nos seus poemas.
O Tejo lá em baixo continua a correr indiferente ao desejo humano de parar o relógio do Tempo, enquanto os quintais e hortinhas interiores nos devolvem à Lisboa do princípio do século.
Também no áudio, é a cultura pessoal que determina as escolhas. E o meu anfitrião rege-se pelo aforismo oscarwildeano de que os gostos simples se satisfazem facilmente com o melhor.
O primeiro Krell «Showcase» chegou a Lisboa vindo do Novo Mundo e, qual Barca Bela, traz muito que contar.
Em termos técnicos, nada o distingue aparentemente de dezenas de outros produtos que do Oriente longínquo aportaram à ocidental praia com histórias de façanhas dignas de Fernão Mendes Pinto. Nada a não ser o sangue azul que lhe corre nos «leds» luminosos; nada a não ser a fluidez do verbo, a articulação do discurso, a perfeição da dicção e aquela força interior que outrora permitiu feitos de glória às armas e barões assinalados na nossa epopeia dos descobrimentos.
Porque é nas duras batalhas do campo cinematográfico que um fraco amplificador torna fraca a forte banda sonora. Quantos amplificadores de armaduras reluzentes há que, municiados embora de watts até aos dentes, caem do cavalo ao primeiro golpe da espada dinâmica, deixando a vastidão imensa do palco sonoro proporcionado pelo Dolby Digital e o DTS pejado de cadáveres exangues, sem pinga de transitórios? Ou se escondem nas covas do acidentando terreno da acção para fugir à ameaça das massas de guerra, amedrontados pelo tropel que faz estremecer o chão à sua volta e fustigados pelos gritos bélicos dos vizinhos (já não os espanhóis, hélas, mas os vizinhos do andar de baixo...)?
O processador «Showcase» tem muitas das características que a concorrência também oferece: Dolby Digital AC3, EX e Pro Logic II; DTS ES 6.1, Neo:6, THX Ultra e THX Surround EX; outras que apenas alguns concorrentes exibem: entradas e saídas balanceadas para todos os canais, 6.1 entradas analógicas não-processadas para ligar um leitor SACD ou DVD-Audio multicanal; e algumas que são exclusivas como o Krell Current Mode. O amplificador pode vir equipado com 5, 6 ou 7 canais de 100 ou 125W.
Na ampla e luminosa sala, com Lisboa a seus pés, o «Showcase» tocou simultaneamente com dois pares de colunas Sonus Faber Cremona e a «central» e o «sub» da linha Concert Home, preferindo não esperar pelo projecto Cremona Home que Franco Serblin revelou em primeira mão a «Sons» no «High-End» de Frankfurt.
Franco, um apaixonado pela arquitectura e pelo mobiliário antigo, teria gostado de ver/ouvir as suas Cremona na ilustre companhia de algumas peças tão raras quanto de rara beleza, com atestado de origem remota e personalizada: a secretária de Camilo Castelo Branco (terá sido aqui que escreveu «Amor de Perdição»?), um piano-forte do século XVIII desactivado (terá Mozart tocado naquelas teclas agora mumificadas?), um contador do último Vice-Rei da Índia; enquanto um gato oriundo da antiga Abissínia, porventura descendente dos que ousaram afagar o colo da bela Cleópatra, ronrona ao ritmo do «subwoofer» no tapete persa da sala.
Feitas as marcações, assumidas as posições, afinados os níveis, equilibrados os canais, viu-se e ouviu-se de tudo: filmes, concertos em DVD e CDs avulsos, reproduzidos em estéreo e «surround», apenas para concluir que, independentemente do formato e da tecnologia de gravação, o segredo continua a estar na qualidade técnica do registo original e do gosto pessoal de quem ouve. Um CD de Diana Krall reproduzido em DTS Neo:6 pode soar (e soa!) melhor que qualquer das faixas do DVD-Audio «Sampler» da Warner em DD 5.1, deitando por terra toda a prosápia audiófila. Porque, no fundo, é a música que conta, não a tecnologia. E o Krell Showcase revelou também ter gostos muito simples: as boas gravações satisfazem-no plenamente...Distribuidor: Imacústica
Descendente directo da nobre linhagem de produtos AV criados pelo italoamericano Dan D'Agostino para a aristocracia audiófila mundial, o Showcase é o paradigma actual de uma nova gama de produtos «High-End» com consciência social, isto é: sem perder o estatuto elitista, aceita alguns (poucos) compromissos económicos, alargando assim o seu âmbito a uma certa burguesia culta com capacidade financeira bastante e conhecimento de causa para assumir a compra como um investimento sólido na área da electrónica de consumo.
Uma burguesia que soube finalmente libertar-se do conceito medieval das muralhas do condomínio fechado dominante, instalando-se na zona histórica, em casas com passado e personalidade, de cujas janelas abertas se poderia assistir de novo à partida das caravelas. Uma burguesia que desistiu já de buscar o tempo perdido no espaço de um quarto fechado, como Proust; antes aprecia cada segundo que uma vista privilegiada sobre a cidade proporciona; cada «momento» imortalizado por Pessoa nos seus poemas.
O Tejo lá em baixo continua a correr indiferente ao desejo humano de parar o relógio do Tempo, enquanto os quintais e hortinhas interiores nos devolvem à Lisboa do princípio do século.
Também no áudio, é a cultura pessoal que determina as escolhas. E o meu anfitrião rege-se pelo aforismo oscarwildeano de que os gostos simples se satisfazem facilmente com o melhor.
O primeiro Krell «Showcase» chegou a Lisboa vindo do Novo Mundo e, qual Barca Bela, traz muito que contar.
Em termos técnicos, nada o distingue aparentemente de dezenas de outros produtos que do Oriente longínquo aportaram à ocidental praia com histórias de façanhas dignas de Fernão Mendes Pinto. Nada a não ser o sangue azul que lhe corre nos «leds» luminosos; nada a não ser a fluidez do verbo, a articulação do discurso, a perfeição da dicção e aquela força interior que outrora permitiu feitos de glória às armas e barões assinalados na nossa epopeia dos descobrimentos.
Porque é nas duras batalhas do campo cinematográfico que um fraco amplificador torna fraca a forte banda sonora. Quantos amplificadores de armaduras reluzentes há que, municiados embora de watts até aos dentes, caem do cavalo ao primeiro golpe da espada dinâmica, deixando a vastidão imensa do palco sonoro proporcionado pelo Dolby Digital e o DTS pejado de cadáveres exangues, sem pinga de transitórios? Ou se escondem nas covas do acidentando terreno da acção para fugir à ameaça das massas de guerra, amedrontados pelo tropel que faz estremecer o chão à sua volta e fustigados pelos gritos bélicos dos vizinhos (já não os espanhóis, hélas, mas os vizinhos do andar de baixo...)?
O processador «Showcase» tem muitas das características que a concorrência também oferece: Dolby Digital AC3, EX e Pro Logic II; DTS ES 6.1, Neo:6, THX Ultra e THX Surround EX; outras que apenas alguns concorrentes exibem: entradas e saídas balanceadas para todos os canais, 6.1 entradas analógicas não-processadas para ligar um leitor SACD ou DVD-Audio multicanal; e algumas que são exclusivas como o Krell Current Mode. O amplificador pode vir equipado com 5, 6 ou 7 canais de 100 ou 125W.
Na ampla e luminosa sala, com Lisboa a seus pés, o «Showcase» tocou simultaneamente com dois pares de colunas Sonus Faber Cremona e a «central» e o «sub» da linha Concert Home, preferindo não esperar pelo projecto Cremona Home que Franco Serblin revelou em primeira mão a «Sons» no «High-End» de Frankfurt.
Franco, um apaixonado pela arquitectura e pelo mobiliário antigo, teria gostado de ver/ouvir as suas Cremona na ilustre companhia de algumas peças tão raras quanto de rara beleza, com atestado de origem remota e personalizada: a secretária de Camilo Castelo Branco (terá sido aqui que escreveu «Amor de Perdição»?), um piano-forte do século XVIII desactivado (terá Mozart tocado naquelas teclas agora mumificadas?), um contador do último Vice-Rei da Índia; enquanto um gato oriundo da antiga Abissínia, porventura descendente dos que ousaram afagar o colo da bela Cleópatra, ronrona ao ritmo do «subwoofer» no tapete persa da sala.
Feitas as marcações, assumidas as posições, afinados os níveis, equilibrados os canais, viu-se e ouviu-se de tudo: filmes, concertos em DVD e CDs avulsos, reproduzidos em estéreo e «surround», apenas para concluir que, independentemente do formato e da tecnologia de gravação, o segredo continua a estar na qualidade técnica do registo original e do gosto pessoal de quem ouve. Um CD de Diana Krall reproduzido em DTS Neo:6 pode soar (e soa!) melhor que qualquer das faixas do DVD-Audio «Sampler» da Warner em DD 5.1, deitando por terra toda a prosápia audiófila. Porque, no fundo, é a música que conta, não a tecnologia. E o Krell Showcase revelou também ter gostos muito simples: as boas gravações satisfazem-no plenamente...Distribuidor: Imacústica