Read full article in English here
É um prazer passar uma tarde a conversar e a ouvir música com Delfin Yanez. Saio de lá sempre culturalmente mais rico, porque oiço o que, de outro modo, não faz parte do circuito audiófilo nacional.
Delfin defende que a qualidade de um sistema de som não está na qualidade da reprodução de música mas na capacidade de nos dar a conhecer o génio de quem a criou.
‘Um sistema que não nos transmita a genialidade subjacente à música é um mau investimento, seja qual for o preço e a qualidade do som’ – afirma Delfin Yanez.
E Delfin continua: ‘É preciso que seja temporalmente correto e responda aos impulsos sem atrasos ou arrastamentos que esbatem a diferença entre o que é uma interpretação genial e outra vulgar. À vulgaridade responde-se com indiferença; a genialidade dá-nos uma sensação de plenitude’ – rematou.
Galeria fotográfica
A importância do tempo
Num sistema de som, a resposta temporal é mais importante que a resposta em frequência. À medida que os anos passam, a nossa acuidade auditiva vai perdendo qualidade ao nível das altas frequências, mas os desvios temporais são de imediato detetados, em qualquer idade.
Com oitenta anos, Karajan dirigiu o seu último concerto em Berlim e não teve dificuldade em detetar quando o oboé entrava tarde no meio de uma imensa massa orquestral.
‘Um sistema que não nos transmita a genialidade subjacente à música é um mau investimento, seja qual for o preço e a qualidade do som’
Ensaio de Aaron Copland
Oiçam, por exemplo, o notável Copland Appalachian Spring, ballet for 13 instruments Reharsals (disponível em streaming na Tidal) e reparem na importância que o maestro (então, com 73 anos) dá ao tempo, ao ataque das notas e ao espírito da música: ‘marcato in a playful manner; ‘bouncy and light, and happy’; ou quando descreve o que está a ouvir como ‘demasiado sentimental’. Eu quero que seja mais ‘cool’, diz ele a dada altura.
Mais tarde, Copland pede aos músicoa para não terem pressa (‘don’t hurry’) ou então ‘toquem todos juntos juntos!’. O tempo, sempre o tempo.
Copland dá primazia às emoções e aos sentimentos na música – e não tanto à tonalidade: ‘Eu quero um som nobre, não-violento, quero um som eloquente’.
E insiste na importância do tempo quando pede que uma determinada passagem seja tocada de forma ‘abrupta’ e outra de forma sostenuta sem diminuendos.
Perdida no tempo, perdida no espaço
Tudo este trabalho meticuloso se pode perder num sistema que ‘arrasta’ as notas, ‘desligando-as’ umas das outras. Porque o ouvido humano é sensível a desvios temporais na ordem dos nanossegundos, há até quem diga de picossegundos.
Delfin Yanez também dá uma importância vital ao V-Acoustics Master Clock no seu sistema de som: uma nota perdida no tempo, é uma nota perdida no espaço. Oiça uma faixa qualquer com e sem o V-Acoustics e vai perceber logo.
A guerra dos cabos
´A polémica dos cabos resulta também do facto de se dar excessiva importância às medidas no domínio da frequência, onde não há diferenças audíveis dentro da banda áudio; e não tanto no domínio do tempo onde as diferenças são bem audíveis’ – e aponta para os cabos de coluna InAkustik Referenz LS1102, que utiliza no sistema:
‘São cabos baratos pelos padrões audiófilos, mas são temporalmente perfeitos.’ – lança Delfin em jeito de provocação. E eu concordo porque utilizo um par destes cabos no meu sistema doméstico.
A besta negra
Os ‘subwoofers’ são outra besta negra no reino audiófilo. Há quem os aceite sem hesitação num sistema AV, mas os rejeite de forma veemente num sistema high-end dedicado exclusivamente à música.
Mas muito depende da afinação. Para música, o ‘sub’ deve funcionar quase como um efeito psicológico: tem de estar lá, parecendo não estar.
…depois de ouvir um sistema de banda larga, o leitor vai sentir sempre falta da última oitava…
O subwoofer REL No.25, que era hoje o cabeça-de-cartaz do sistema, acolitava as Monitor Audio Platinum PL500II (cross-over melhorado com bobinas Mundorf).
A frequência de corte é aos 28Hz e o volume está tão baixo que, ouvido em isolamento, nem parece estar a tocar. Mas está, e de que maneira! Depois de ouvir um sistema de banda larga, o leitor vai sentir sempre falta da última oitava.
Será apenas uma questão de mais graves e mais extensos? O subwoofer REL No.25 contribui também com mais energia e mais informação para o som em geral, mais realismo, mais ‘ar’ por espantoso que pareça; e também um palco mais amplo, mais profundo, porque as deixas ambientais não estão só nas altas frequências.
CD da Feira da ladra
Um dos prazeres de Delfin é o de dar a ouvir aos convidados CDs comprados na feira da ladra por 1 euro, que ninguém arriscaria pôr a tocar numa demonstração audiófila. Por exemplo, ‘Teach Your Children’ com Crosby, Stills, Nash e Young como nunca os ouviu na sua juventude (isto para quem é suficientemente idoso para saber sequer quem são).
A harmonia das vozes só é possível se o sistema for temporalmente preciso. Com certos sistemas dá vontade de gritar como o maestro Aaron Copland: cantem juntos, pá!
Vá à Delaudio ouvir, por exemplo, Chavela Vargas cantar ‘Rogaciano’. Sem o REL No.25, é como se lhe tivessem roubado a alma que contém a força, a energia e os sentimentos de toda uma vida que ela instila nas palavras que canta:
La huasteca esta de luto
Se murio su huapanguero
Ya no se oye aquel falsete
Que es el alma del trovero
Arte da Música vs Arte da Guerra
Por falar em luto e em guerra, o nosso vídeo de hoje tem como personagens principais dois génios russos da música: Shostakovich e Horowitz (suba o volume na segunda faixa).
Porque não se deve confundir cultura com política e Arte da Música com Arte da Guerra.
Os génios não têm nacionalidade, são património da humanidade.
Oiça excertos do trabalho deles no vídeo abaixo, ou melhor ainda vá à Delaudio ouvi-los ‘ao vivo’ antes que a guerra - e a estupidez humana - prevaleça sobre a cultura.