Delaudio950x225
Publicidade


Reviews Testes

Audio Research I/50 - as válvulas ao poder

ARC I-50 cutout.jpg

 

Read full article in English

O amplificador integrado a válvulas I/50 é a nova aposta da Audio Research para captar o público audiófilo jovem e feminino, com tecnologia de vácuo e design, que os audiófilos de todas as idades vão adorar.

O duo GSPre/GS150 foi o último produto Audio Research que testei para a Hi-Fi News, em 2015. Desde então, tenho utilizado amplificadores ARC para testar colunas de som, mas o ARC I/50 é o meu primeiro teste em sete anos.

Não se pode, portanto, dizer que eu sou um apaniguado da marca, embora muitas das minhas melhores memórias acústicas se materializem na recordação de audições na década de 80 de amplificadores Audio Research a alimentar colunas Magnepan.

Corpus harmonicus

Já naquele tempo o som das válvulas me fascinava por ser mais orgânico e natural, ainda que menos tecnicamente preciso. Tenho consciência de que muita dessa ‘organicidade’ se deve à presença de distorção maioritária de 2ª harmónica, que é não-dissonante (estrutura harmónica natural com intervalos próximos), contribuindo assim para dar corpo harmónico ao som, ao contrário da distorção de ordem ímpar elevada dos amplificadores de estado sólido, muitas vezes compensada com realimentação negativa para enganar as medidas.

Não me entendam mal. Eu também gosto de ouvir um bom amplificador de estado sólido (até os de Classe D!). Que são bem mais práticos, num tempo em que poupar energia é de vital importância. Mas ouvir válvulas é uma experiência única.

No livro Good Vibrations, The Physics of Music, Barry Parker descreve um mecanismo biológico na membrana basilar capaz de justificar a perceção de sons dissonantes pelos humanos, que escapam aos instrumentos de medida.

O equipamento de medida é muito sensível à quantidade da distorção e ruído, ex: SINAD (1); enquanto o ouvido humano é mais sensível à qualidade da distorção (dissonância).

(1)  SINAD - why it's NOT important

Harmonicidade e inarmonicidade

Na sua notável tese de doutoramento (2), o musicólogo Carlos Marecos escreveu:

‘…o ouvido não se concentra apenas nas relações intervalares mas foca-se também na perceção da harmonicidade e da inarmonicidade das estruturas, e todo este fenómeno está também intimamente ligado à nossa percepção auditiva (pág. 78).

E ainda:

‘Numa organização vertical, onde os sons estão organizados de acordo com uma estrutura harmónica natural, o ouvido não reconhece essa grelha de passos iguais em Hz como tal, mas essa realidade é percepcionada do ponto de vista qualitativo  reconhecendo a harmonicidade da estrutura, a sua qualidade de fusão, o seu equilíbrio acústico’.(pág.90)’.

  • (2) Interacção entre estruturas intervalares e estruturas espectrais, na música instrumental/vocal, Tese de Doutoramento de Carlos Marecos, Universidade de Aveiro 2011.

Nota importante: Leia também aqui o recente comentário do Prof. Bento Coelho a esta análise de JVH.

Música celestial

Na Idade Média, quando ainda não era possível medir a distorção harmónica, já os compositores sabiam como utilizar na música para órgão a consonância para elevar o espírito ao céu e a dissonância para instilar o medo do inferno.

A Audio Research sempre tentou estar mais perto do céu que do inferno, mas sem o fanatismo associado aos cultores dos tríodos de aquecimento direto: os seus amplificadores, mantendo embora as características acústicas tão queridas aos amantes das válvulas, têm normalmente níveis de distorção harmónica total mais baixos que muitos amplificadores de estado sólido. O I/50 não é exceção, conforme confirmou Paul Miller no seu teste laboratorial (Hi-Fi News October 2022).

O meu I/50 (bem gostava que fosse meu) apresentou-se em vermelho Ferrari...

O meu I/50 (bem gostava que fosse meu) apresentou-se em vermelho Ferrari...

Ferrari Red

A Audio Research é agora independente (já não faz parte do Grupo McIntosh), tendo sido comprada por Trent Suggs, ex-director de vendas da ARC.

Mas eu ainda vejo o lápis de Livio Cucuzza no design industrial. Há nele um misto de insustentável leveza (o I/50 pesa 18kg) sugerida pelas grelhas e pela base perfuradas; e a solidez patente na moldura em alumínio espesso maquinado, que ganhou agora as cores da moda: preto, prata, branco, vermelho, azul e dourado (outras cores por encomenda no futuro próximo.

O meu I/50 (bem gostava que fosse meu) apresentou-se em vermelho Ferrari, que faz um belo contraste com o negro da placa de vidro onde estão montados o botão on/off, a saída para auscultadores (6,3 mm), os bem dimensionados botões rotativos de seleção de fontes e de volume (atenção: funciona também como Mute) e, claro: as válvulas.

Nota: O I/50 vem com um elegante controlo remoto em metal. Não precisam de se levantar do sofá, malta.

Pronto para o futuro

As duas LexieTubes ao centro funcionam como uma espécie de mostrador (fontes S1,S2, S3 e BL; e volume 0 a 45). Por trás, protegidas por uma grelha opcional amovível, estão as 3 válvulas 6992 (tríodos) e os dois pares emparelhados (circuito push-pull) de válvulas 6559WE (Sovtek!!).

Pode retirar a proteção das válvulas (é sempre bonito ver a luz da incandescência, se não houver crianças ou animais por perto), mas a grelha que protege os transformadores de potência e de saída deve manter-se fixa por razões de segurança. O conjunto assenta sobre cinco pés (três atrás para suportar o peso dos transformadores).

ARC I/50 - painel traseiro

ARC I/50 - painel traseiro

No painel traseiro, três entradas RCA (a nr.1 fica ao serviço do módulo de Phono quando instalado) e a nr. 3 permite o bypass, quando selecionado; e uma entrada XLR. Há ainda uma gaveta para o futuro DAC, que já vem com as respetivas entradas e saídas.

Nota: a ARC informa que já começou a exportar os módulos DAC para o I/50.

Os bornes de ligação das colunas em metal dourado oferecem impedâncias de 4 e 8 ohm (a terra é comum). Com 8 ohm toca mais alto, mas eu preferi sempre o som da ligação a 4 ohm.

Troca de válvulas

A Audio Research desaconselha trocar as válvulas. Se as substituir por KT88 o I/50 vai tocar bem na mesma, claro. Mas as 6550WE foram escolhidas a dedo, testadas e emparelhadas na fábrica, pelo que vão soar sempre melhor, segundo a ARC. Além disso, o ajuste de polarização não é automático, e só pode ser feito por um técnico, com equipamento próprio.

Nota: Se o leitor é um tube swapper incorrigível, experimente antes um amplificador com autobias como os Prima Luna.

A ARC já não vê inconveniente na troca das 6992 por tríodos equivalentes de outro fabricante. Mas também não vejo razão para mudar as Electro Harmonix.

Preso pelos ouvidos

Liga-se, aguarda-se 50 segundos de contagem decrescente e pode-se começar o ritual de ‘aquecimento’ e audição (a queima inicial das válvulas é feita na fábrica). Todos os I/50 vêm com a garantia de que foram ouvidos pessoalmente por Warren Gehl, o ‘sonic designer’ da ARC.

…o I/50 não utiliza válvulas no amplificador de auscultadores…

 

Liguei-lhe o meu Oppo 95 (ligação balanceada) e comecei por ouvir com auscultadores. Admito que fiquei um pouco desiludido.

O I/50 não utiliza válvulas no amplificador de auscultadores, que é de estado sólido (bipolares) com andar de saída discreto (67 ohm de impedância).

Soa bem, claro. Mas a ARC optou pelo baixo ruído em detrimento da potência, que é bastante para auscultadores dinâmicos como os Pryma, mas insuficiente para planar magnéticos de baixa sensibilidade, como é o caso dos meus Hifiman HE1000.

Neste caso, opte por um adaptador e ligue-os diretamente aos bornes de saída (cuidado com o volume!). Deste modo, vai também poder apreciar o verdadeiro som a válvulas do I/50. Ou, então, experimente uns planar magnéticos de alta sensibilidade.

Nota: Corre o rumor que a Audio Research vai apresentar em breve um headphone/amp a válvulas baseado no I/50.

Preso pelo coração

O som do I/50 é tão leve quanto maravilhoso. Há uma fluidez e uma musicalidade intrínseca que cativa de imediato. O brilho interior e a doçura geral incentivam-nos a ouvir disco após disco. Há melodia, harmonia e ritmo. Numa palavra: há música!

Tenho aqui um Naim Uniti Atom também com 50W e não há comparação possível em termos de palco sonoro, tanto no espaço como no conteúdo. É tudo ‘visível a olho nu’, da boca até ao fundo do palco e tudo o que fica no meio.

Não me refiro à potência percebida: o I/50 é um pacifista para uso doméstico, não é um head-banger para animar festas. E deve ser ligado a colunas (auscultadores) de média/alta sensibilidade se quer explorar toda a extensão do grave a altos níveis de pressão sonora. É verdade que o agudo é algo redondo. Sem dúvida o resultado da impedância de saída algo elevada, típica dos amplificadores a válvulas. Mas continua luminoso e informativo.

…o I/50 é um amplificador a válvulas moderno, bonito, delicado e muito feminino …

…o I/50 é um amplificador a válvulas moderno, bonito, delicado e muito feminino …

Guitarras que choram

Se quer ter a sensação de mais potência, opte pela ligação balanceada, a saída 4 ohm e colunas de alta sensibilidade.

Estou a pensar nas Devore O/Baby, que foram apresentadas no HighEnd2022 (tal como o I/50) e devem estar aí a chegar à Imacustica. Com as minhas Sf Concertino, dei comigo a rodar o botão de volume até aos 35/40 (Max:45).

Felizmente, uma das características das válvulas é a ‘graciosidade sob stress’, tecnicamente designado por ‘soft-clipping’ (corte suave), com um padrão de distorção não-dissonante, que no limite torna o som quente e arrebatador, ao contrário do hard-clipping do estado sólido, que torna o som frio e desagradável, porque os picos da forma de onda são “cortados”, e os topos da onda ficam planos como uma onda quadrada.

'While a moderately overdriven valve amplifier produces strong even harmonics that enhance a sound, an overdriven transistor amplifier creates strong odd harmonics that can cause dissonance.' David Keeports

Não é por caso que os maiores guitarristas do mundo preferem os amplificadores a válvulas para as suas guitarras (2).

(2) The warm, rich sound of valve guitar amplifiers, David Keeports Department of Chemistry and Physics, Mills College, Oakland, CA 94613, United States of América. Nota: ver pdf integral no final da página.

Pelas veredas da memória

E pensei para comigo: porque não ouvir os mesmos discos que selecionei para a audição do duo GS Pre/150? A memória é má conselheira, mas o que publiquei, então, na Hi-fi News, está à distância de um clique. Assim pude comparar notas:

Os ‘Quatro Elementos’, referidos no teste do duo GS Pre/150, continuam presentes no som do I/50: Ar (espaço), Água (fluidez), Fogo (dinâmica) e Terra (solidez e presença).

…o I/50 tem a mesma capacidade de transmitir sentimentos de tristeza e dor…

O I/50 lida de uma forma mais delicada e apaixonada, mas não menos musical, com a complexidade de Beethoven, o romantismo de Berlioz e a religiosidade de Handel. E reproduz com verdade a aspereza na voz de Dylan e o veludo na voz de Sinatra.

Claro que não reproduz as produções dos Supertramp com a mesma dinâmica e impacto de um conjunto de prévio e amplificador (depende muito da sensibilidade das colunas).

Mas continua a emocionar-me quando oiço Mariza cantar ‘Duas lágrimas de orvalho’, do CD Transparente (EMI 7243 4 77119 2 3) – o I/50 tem a mesma capacidade de transmitir sentimentos de tristeza e dor. E de Saudade, essa expressão tão portuguesa, que define a mágoa da ausência por algo/alguém que pode até já nem existir, mas que continuamos a sentir como avassaladoramente real.

Os amantes infelizes
Deveriam ter coragem
Para mudar de caminho, porque

quando a vida se acaba
O que era amor, é saudade
E a vida já não é nada

Se estás a tempo, recua
Amordaça o coração
Mata o passado e sorri

                                                 (Versos De Duas Lágrimas de Orvalho)

 

Válvulas com coração

Caro leitor, se é infeliz com o seu amplificador de estado sólido, ainda está a tempo para recuar, matar o passado e sorrir com um novo amor: o Audio Research I/50, que reproduz música para uso humano e não sinais de teste para droides.

O I/50 é um amplificador a válvulas moderno, bonito, delicado e muito feminino, que vai deixar apaixonados também os audiófilos do sexo masculino.

E é tão fácil de utilizar que dedico esta análise a todas as minhas leitoras femininas (que são poucas, infelizmente). Se querem ver o I/50 feliz, casem-no com um par de colunas (auscultadores) de elevada sensibilidade.

Nota: Este texto é uma homenagem a todos os amantes das válvulas que lutam há anos contra preconceitos técnicos dos que se recusam a ouvir, pois basta-lhes medir.

José Victor Henriques

Produto: Audio Research I/50 integrated tube amplifier

Características:

  • Potência de saída: 50 watts contínuos de 20Hz a 20kHz. Distorção harmónica total de 1kHz tipicamente 1% por canal, abaixo de 0,1% a 1 watt ; Resposta de frequência: (-3dB pontos a 1 watt) 7Hz a 30kHz Sensibilidade de entrada: 1.25V RMS para saída nominal. Válvulas: 2 pares combinados 6550WE; 3-6922 Peso: 18,1 kg | Largura 42 cm, Altura 18 cm, Profundidade 34 cm

Preço: € 5 990

Para mais informações: IMACUSTICA

ARC I 50 cutout

O meu I/50 (bem gostava que fosse meu) apresentou-se em vermelho Ferrari...

ARC I/50 - painel traseiro

…o I/50 é um amplificador a válvulas moderno, bonito, delicado e muito feminino …

The warm rich sound of valve guitar amplifiers by D Keeports


Delaudio950x225
Publicidade