Nota importante: no final deste artigo, os leitores podem abrir o pdf da versão em língua inglesa desta análise de JVH, publicada com permissão da revista HiFiCritic (todos os direitos reservados: cópia ou partilha não-autorizada).
Abrir o ano de 2021 com um par de Avalon Saga de 170 mil euros é um bom prenúncio para o ‘annus audiophilus’ que agora se inicia. Talvez excessivo em tempo de crise social, mas é um bom sinal para a economia de que a indústria do áudio também faz parte. Vendas destas são um balão de oxigénio para os distribuidores, uma oportunidade única para os críticos e uma festa para os audiófilos, enquanto for possível ouvi-las (de borla). O highend está vivo, e parece que vai sobreviver ao Covid19. E nós?
Não é todos os dias que se pode passar algum tempo de qualidade a ouvir um par de colunas Avalon Saga. Não só porque são muito caras (170.000€) e talvez grandes de mais para as dimensões médias das salas europeias, mas porque são também raras e pouco plubicitadas – logo ainda menos testadas. Por enquanto, só há dois pares na Europa, um em Itália e agora este em Portugal, já vendido. Foram quase seis meses, desde a encomenda até à entrega, o que mostra o cuidado posto na produção por Neil Patel.
Avalon Saga atuam no Auditório Ajasom
Assim sendo, eu não podia perder esta oportunidade de ouvir as Saga em primeira-mão exclusiva, por amável convite da Ajasom, em condições ótimas de audição, num auditório confortável e acusticamente tratado do distribuidor, com equipamento selecionado, a partir do vasto portefólio de marcas de prestígio que representam em Portugal.
Foi-me dada a alternativa de um sistema de estado sólido Nagra HD, composto por CD/DAC, prévio e monoblocos e um sistema a válvulas Thöress prévio/amplificadores (300B).
Gostei do duo Thöress pré/monoblocos a válvulas pela sua tonalidade quente e luminosa, sem dúvida à custa de inferior focagem, resolução, dinâmica e potência em relação ao equipamento Nagra. Assim, por maioria de razão, eu e a equipa da Ajasom acabámos por optar definitivamente pelo sistema Nagra, que se pode ver nas fotos.
As Saga adaptaram-se bem a ambos os sistemas, aceitando de forma graciosa as características de ambos, soando sempre civilizadas, maravilhosamente transparentes e envolventes, tanto com fontes analógicas (LP), cortesia de um gira-discos Bergmann Galder, com braço tangencial e uma célula Lyra Etna, coadjuvada pelo novo Nagra Classic Phono (uau! que grande andar de phono); enquanto o digital ficou a cargo do conjunto Nagra CD/DAC HD e os ficheiros de alta resolução de um server Roon Nucleus +.
Mas cedo se verificou que o ‘civismo’ das Saga não era extensivo a gravações de má qualidade. A resolução é tão alta que denuncia tudo o que de mau se passa a montante. Fica a ressalva cautelar.
Até agora, todas as Avalon que ouvi – e foram muitas, ao longo dos anos – soaram melhor vestidas, isto é, com grelhas. Não é o caso das Saga, que soaram abertas e com um palco mais arejado sem grelhas. E para ser justo: mais bonitas também (ver fotos)
Atenção que isto não é uma análise final, antes uma avaliação presencial porque, com 118 Kg de peso cada, não são propriamente colunas para levar para casa no carro para uma audição rápida.
Uma saga sem fim
Avalon é a saga sem fim de um homem – Neil Patel – e a sua visão particular de como as colunas highend devem soar. Literalmente, porque as colunas Avalon são também bonitas de se ver, com as suas formas poliédricas e multifacetadas - e tanto a construção como os acabamentos são imaculados.
Embora altas e pesadas, nunca parecem 'mastronças', muito menos ameaçadoras, porque não impõem o ‘físico’, antes têm uma imagem de cativante feminilidade e delicadeza.
Tal como todos os modelos Avalon de topo, exibem uma aura exótica de arte egípcia antiga, eu diria mesmo de arte alienígena Asgardian, que causa sempre espanto e admiração à primeira vista, enquanto a poderosa Tesseract – o mítico hipercubo tetradimensional – se apresenta como o culminar do engenho de Neil Patel, na sua busca pelo controlo da difração.
Tecnologia Tesseract
A nova Avalon Saga utiliza alguma da tecnologia desenvolvida para a incrível Tesseract aplicada numa caixa mais parecida com a das antigas Osíris e Isis e também as Sentinel. Todas elas exibindo geometria e alinhamento temporal do painel frontal, que funciona quase como uma lente côncava que foca o centro acústico do som na cabeça de um ouvinte sentado, apesar do seu quase metro e oitenta de altura.
A Saga assenta o seu desempenho no circuito de baixo ruído desenvolvido para a Tesseract, ao mesmo tempo que evolui na área da focagem precisa das Isis, agora com a aplicação de um conjunto de unidades com ímans de neodímio e um tweeter com diafragma côncavo de carbono/fibra de vidro.
De acordo com a Avalon, os novos filtros garantem uma melhor transferência de energia, logo também melhor resposta transitória, com menor armazenamento de energia. O objetivo, ainda segundo Patel, é obter: ‘a large dynamic system that behaves like a small monitor, revealing the most subtle details of space…within an envelope of explosive sound pressure contrasts’.
Para cumprir estas elevadas expectativas, Patel divulga algumas das características únicas da Saga: ‘constrained-mode damping to absorb cabinet vibrations; smooth, wide polar response for superlative imaging capabilities; no printed circuit boards on crossover circuitry; crossover control of all magnetic field interaction; flat impedance characteristics, damped and purely resistive, for ideal interface with any amplifier; light weight driver diaphragm materials and purely pistonic driver behaviour’.
Mais alto, mais forte, mais longe
Já vimos que são altas, pesadas, caras e bonitas. A pergunta que se coloca é: e cumprem? Caramba, se cumprem! Com elegância e aprumo.
O som das Saga é ‘sintonizado’ por, e cito: ‘intelligent use of enclosure’s resonance’. Seja lá o que isso for, soou-me mais como a ressonância natural de um instrumento musical do que uma qualquer coloração de caixa, que é completamente inerte e sem compressão ou stress mecânico, mesmo a níveis intimidantes de concerto ao vivo.
Por outro lado, também podem soar intimistas com instrumentos solo, reproduzindo o palco sonoro e todo o seu conteúdo, com dimensões plausíveis e exibindo claridade nos limites geométricos, mantendo-se contudo ‘invisíveis’ apesar do seu enorme calado.
Tive uma sensação imediata de coerência de fase e alinhamento temporal. Soam de uma-peça-só, o que nem sempre é o caso de colunas altas de 3-vias e 4-unidades.
As Saga tendem para a desejável 'concentricidade', com uma resposta polar que as classifica como colunas point-source, desde que o ouvinte se sente a pelo menos 3 metros, quatro se possível.
Em resultado disso, vozes com tons de barítono 'oxidadas' pelo tabaco e o álcool, como as de Dean Martin, Sinatra e Cohen; ou a de Jacques Brel, cantando ‘Jojo’, adicionando ao fumo o desgosto: Jojo tu n’es pas mort, exibem sempre uma imagem estável. Admito que tonalmente senti a falta de um pouco mais de corpo nas vozes. Ou estarei habituado a ressonâncias indutoras de colorações na gama média baixa?
O mesmo se pode dizer de vozes femininas, que não sobem pela coluna acima, procurando refúgio sob a cúpula do tweeter, quando alguma nota mais alta é reproduzida.
Assim, quando ouvi Sinatra e Aretha Franklin cantando ‘What now, my Love? (Duets), não fui confrontado com um dueto ‘saltitante’ mas com uma representação precisa de um homem e uma mulher cantando cheek-to-cheek, se é que me faço entender, porque, de facto, Sinatra nunca gravou presencialmente em estúdio com qualquer dos convidados deste disco, apesar da sensação de presença de ambos os cantores e do folgo da orquestra.
Melhor ainda foi o duo Ella/Armstrong, cantando Can’t we be friends (LP), gravado nos bons velhos tempos, quando os músicos ainda tocavam todos juntos, incentivando-se mutuamente. Ella – sobretudo ela - soou tão assustadoramente real que a diferença entre CD/Streaming e LP me atingiu como um soco no estômago. Eis algo do passado que se perdeu para não mais voltar: a empatia entre os músicos em estúdio.
A partir desse momento, por muito bom que o digital fosse, soou-me sempre menos transparente por comparação. E atenção que eu sou adepto do digital, nem sequer tenho gira-discos, e o Nagra DAC HD (não a última versão com válvulas no andar de saída) não é um DAC qualquer…
Se a memória não me falha, o baixo da Saga soou-me mais tenso que o das colunas que a precederam, como resultado de um ‘Q’ mais baixo, por certo. Mas não deixou de soar explosivo com percussão, por exemplo. Como sucedeu com o rolar fantasmagórico dos tímbales na Marche au Suplice (Symphonie fantastique, Berlioz, Sir Colin Davis, Concertgebouw Orchestra), a que se segue o rasgar dos metais e o gemer sinistro das cordas, enquanto os fagotes se agitam no fundo do palco, preparando-nos para a assustadora queda da cabeça cortada, ilustrada pelo ataque súbito de toda a orquestra: uma morte anunciada pelo silvo do clarinete. As Saga sobreviveram a este pesadelo, e mantiveram a cabeça fria…
O pedal da bateria de Jeff Porcaro em L’Daddy (James Howard Newton &Friends, Sheffield) surgiu pujante e sólido; e o contrabaixo drámatico e dolente de Ödön Rácz, acompanhado pela Franz Liszt Chamber Orchestra (Double Bass Concerto in D Major, Johann Baptist Vanhal, Tidal) manteve sempre as linhas limpas sem nunca romper o arco da orquestra de câmara que o acompanha, ou a acústica da sala – o pórtico reflex escondido na base faz um acoplamento perfeito com o ar da sala.
Mas se o leitor quiser mesmo ouvir um contrabaixo a energizar o ar dentro da sala, peça ao Nuno Cristina para colocar no prato do gira-discos Moonlight Sonata, Ray Brown&Laurindo Almeida (LP). Sente-se nas tripas a tripa das cordas!
Ou então, se for preciso mesmo justificar o preço de 170.000€ por um par de colunas, Midnight Sugar pelo Tsuyoshi Yamamoto Trio (LP). Do poder sem fim do piano à filigrana dos pratos, está lá tudo com um grau de energia e realismo espantosos!
Prossiga com Jen Chapin em You haven’t done nothing yet (Revisions, Chesky 192/24), com a companhia de um saxofone barítono à esquerda e o contrabaixo à direita, tudo gravado numa igreja com apenas um microfone estéreo: um som limpo, articulado, poderoso, intenso e oxigenado. Um tratado audiófilo! Quase tão bom como Chie Ayado a cantar Mr. Bojangles.
O palco sonoro apresentou a cenografia em função de cada disco: de um simples piano ou guitarra, a um grupo de jazz ou uma big band; levou-nos ao Cobo Hall, em Detroit, para ouvir Bob Seeger, no meio de uma multidão ululante (Nine Tonight, Capitol/Tidal); e trouxe até nós as ‘mil vozes’ do coro, orquestra e o órgão da Oitava de Mahler Veni creator spiritus (CSO, Solti, Decca), num hino ao espírito criativo de Neil Patel.
A saga continua…
As Saga 'ao vivo' no Auditório Ajasom
Para mais informações e marcações: AJASOM
Avalon Saga first-listening by JVH
Capa da edição Janeiro/Março da revista HiFiCritic, onde pode ler a análise de JVH às Avalon Saga em língua inglesa, aqui (re)publicada em formato pdf com autorização expressa do editor Martin Colloms (cópia, reprodução ou partilha não-autorizada por terceiros).
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