JVH escreve ao correr da pena sobre a sua experiência com o amplificador integrado DarTZeel CTH-8550 II. Um lingote de ouro suíço que custa 31 mil euros. Será que justifica o preço?
Disclaimer: o que vão ler não é um teste, ou sequer uma review mundana e sofisticada, é uma simples carta de amor, ridícula como todas as cartas de amor, segundo Fernando Pessoa.
Na era dos amplificadores com streamer e DAC interno, pedir 31 mil euros por um amplificador integrado ‘simples’, ainda que com andar de Phono (opcional), pode parecer excessivo. Mas o DarTZeel CTH8550, agora na versão MkII, é um produto tão personalizado, que distingue quem o fabrica e quem o ouve, sobretudo quem o compra, como pessoas de gosto requintado.
O criador, Hervé Delétraz, é ele próprio um excêntrico e, sendo suíço, não tem nada de circunspecto, é até uma pessoa alegre, brincalhona, com uma energia cativante, fundada na convicção de que um amplificador não é o que se mede, mas antes aquilo que se ouve. Para isso utiliza o mínimo de componentes no caminho do sinal.
Ou, como Hervé gosta de dizer:
‘Nem tudo o que se mede tem influência na qualidade ou personalidade do som. Com a experiência de 40 anos, sabemos quais são as medidas que realmente contam. E essas são as que deixam passar a emoção da audição musical. Não é por acaso que CTH, significa ‘Close To Heaven’.
Entrevista com Hervé Delétraz (Audioshow 2010/Estoril)
O que Hervé tenta produzir na DarTZeel é um amplificador a transístores com ‘som a válvulas’, sem os problemas de linearidade e os inconvenientes de uma tecnologia retrógrada, em tudo menos na qualidade do som, que continua a cativar os audiófilos há décadas, apesar das ‘medidas’ demonstrarem o contrário.
O objetivo de Hervé é oferecer, por um preço razoável, ainda que apesar de tudo elevado (os DarTZeel são fabricados na Suíça), 85% da qualidade do amplificador stereo NHB-108 e mais do que uma simples ilusão da perfeição acústica dos monoblocos NHB-468, recentemente utilizados para alimentar as Wilson Audio Alexx V, na estreia europeia, que, tal como a Cimeira Social Europeia, se realizou no Porto.
‘A DarTZeel nunca lança um produto sem primeiro realizar longas sessões auditivas. Se há algo que não parece estar de acordo com os nossos parâmetros de qualidade, voltamos para a mesa de trabalho até encontrar a solução, mesmo que para isso tenhamos de utilizar também equipamento de medida. Entre a audição e a medição, acreditamos mais no que os nossos ouvidos nos dizem’.
Se você acredita nos atuais gurus científicos, que se escudam por trás de equipamento de medida Audio Precision, para concluir e inculcar essas conclusões na cabeça dos crentes de que só se ouve aquilo que se mede, este amplificador não é para si.
E teria sido tão fácil: bastava recorrer à realimentação negativa global para melhorar todos os parâmetros elétricos. Mas cá está: a realimentação negativa e a qualidade do som são incompatíveis.
Hervé Delétraz só aproveita da sua formação em engenharia aquilo que pode contribuir para nos transportar ao coração da música, seguindo antes a filosofia de Goethe:
‘O homem, ele próprio, na medida em que faz uso dos seus sentidos, é o aparelho físico maior e mais exato que existe.’
Também para a DarTZeel:
Na música, só o ser humano pode ser juiz. A física teórica nunca poderá explicar porque motivo a nossa alma é tocada pela graça divina. Primeiro ouve-se, depois, sim, tenta-se confirmar com medidas o que se ouviu – nunca o contrário. É assim que são concebidos todos os nossos instrumentos musicais (referindo-se aos amplificadores). Só por isso, a DarTZeel e Hervé Delétraz deviam estar integrados na Coleção Ten, junto com Robert Koda, John Devore e Franco Serblin.
Por absurdo, um sistema AP chegaria à conclusão que um robalo acabado de pescar à linha no mar do Guincho e outro da mesma espécie criado em cativeiro sabem ao mesmo. Não sabem. Não é por acaso que ‘saber’ e ‘sabor’ têm a mesma etimologia.
E oh se Hervé sabe distinguir o sabor, como ficou provado num almoço no Porto de Santa Maria, em 2010, por altura do Audioshow, então realizado no Hotel Palácio do Estoril, em que nos foi servido um robalo-ao-pão, sápido e fumegante. Hervé estava encantado: sabe a mar!, dizia, do mesmo modo que os meus amplificadores sabem a música...
Os DarTZeel querem-se vermelhos como os Ferraris!
O que parece ser apenas um produto da indústria metalo-mecânica de precisão suíça ganha no painel frontal foro de objeto de luxo, a que acresce o toque de poesia: Pleasure Control, no lugar do mais prosaico Volume, isto apesar da concessão de gosto duvidoso, quiçá um pouco kitsch, da cor vermelha da caixa, que escorre para o interior, em contraste com o painel dourado. Pode optar por preto, claro. Mas o contraste ouro/vermelho é o ex-libris da DarTZeel. E quem paga 31.500 euros por um amplificador integrado quer ao menos que isso se saiba com um simples olhar. Eu acho que quem optar pelo preto vai arrepender-se, porque ‘ça n’est pas la même chose’.
Nota: Hervé informou-me que a DarTzeel deixou de fabricar a versão em preto, desde 2012, porque não havia procura - apenas 3% das vendas! A verdade é que eu nunca vi um DarTZeel preto, apenas pensei que era uma opção disponível.
Já dispensava os 12 parafusos em aço da tampa, que são uma provocação estética, chocante até pelo contraste cromático, e pelo facto de não serem apertados à face, surgindo proeminentes, e parecem assim como que uma ideia de última hora, mesmo sabendo eu que tudo é pensado ao pormenor pela DarTZeel: aqui o tipo de parafusos e a sua disposição são uma forma de controlar a ressonância da tampa.
Admito que até fica com aspeto de cofre forte, algo que as úteis pegas ajudam a reforçar. Talvez porque o painel frontal em alumínio sólido se parece com um lingote de ouro, como os que estão guardados a bom recato nos bancos suíços, e me dava muito jeito para o poder comprar, se eu tivesse um amigo como o do Sócrates…
…que bem que ele toca mesmo baixinho, mantendo toda a estrutura harmónica e o equilíbrio tonal sem que o grave perca gravitas…
O painel é dominado pelo mostrador e pelo botão de volume.
O botão rotativo, com anéis de borracha antiderrapantes, ironicamente denominado ‘Pleasure Control’, contraria a primeira ideia que me ocorreu quando o liguei: que bem que ele toca mesmo baixinho, mantendo toda a estrutura harmónica e o equilíbrio tonal sem que o grave perca gravitas.
Portanto, o prazer não decorre do volume apenas, mas também do simples toque, que provoca um frisson tátil nos dedos.
No prévio 18NS, o seletor de fontes chama-se Enjoyment Source, aqui substituído por 9 minúsculos botões de pressão que não acionam os habituais relés, antes ativam LDRs (light dependent resistors).
Os botões são demasiado pequenos e não têm qualquer identificação. Percebi depois que estão na perpendicular da respetiva informação no painel e, portanto, o lettering seria redundante. Ora, nada nos DarTZeel é redundante.
Já a fiada de botões por baixo do controlo de volume está devidamente identificada (ver foto), o que tem lógica porque são para ser usados em conjunto, surgindo toda a informação no mostrador alfanumérico.
São dezenas de funções, que podem ser aprendidas no manual (faça download no site da DarTZeel), e eu não vou perder tempo com isso, porque estou demasiado ocupado a ouvir música.
Além disso, o controlo remoto acede de forma muito mais direta ao que se pretende e dispensa-nos de tirar um curso intensivo. Mas achei curioso que um amplificador integrado highend de 29 mil euros tenha também um ‘relógio despertador’. Estes suíços!...
Além do excelente controlo remoto, cada CTH-8550 II vem acompanhado de uma pen USB, na qual se regista o número de série e código de acesso do proprietário, além de outros parâmetros como a tensão de funcionamento e o firmware instalado, a partir de um ficheiro .dtz que se descarrega no site da DarTZeel, mas só depois de ter provado que é o legítimo proprietário. Ils ne sont pas fous ces suisses!...
Portanto, não se deixe iludir com as entradas USB, no painel traseiro: o CTH-8550 II não tem funções digitais: DAC, Streamer, etc.
Neste caso, o código já vinha instalado previamente pela Absolute Sounds. E a Imacustica regista-o no seu nome quando o comprar, claro. Se assim não fosse, tocava durante 15 minutos e depois calava-se para todo o sempre, ou até que fosse reativado. Moral da história: se alguém está a pensar roubar um DarTZeel, pense de novo, não lhe vai servir para nada e pesa 30 quilos!…
O layout do painel traseiro é perfeito com 6 entradas RCA + 1 XLR e 2 BNC exclusivas Zeel 50 Ohm para ligar a outros equipamentos DarTZeel, como um prévio, o que não faz muito sentido, mas pronto está lá. Saídas: RCA e REC e também BNC, quando pretender utilizar o CTH-8550 II, ele próprio, como prévio, o que faz um pouco mais de sentido, talvez. Os bornes das colunas são WBT de excelente qualidade.
Quando o comprar, antes de o levar para casa, peça para o abrirem, porque vale a pena ver esta bela ‘paisagem’ suíça, embora talvez lhe possa parecer estranho que o pequeno transformador da fonte de alimentação da secção de prévio esteja montado ‘às cavalitas’ do transformador do andar de potência.
Outro aspeto que distingue os DarTZeel NHB são as placas douradas que ligam os condensadores entre si, que parecem uma renda tradicional dos Alpes suíços. Mas os condensadores do DarTZeel CTH-8550 II estão montados lateralmente em placas de circuito. Não fica tão bonito.
A topologia do andar de saída é baseada em apenas 2 + 2 transístores bipolares montados em paralelo no andar de potência, com um mínimo de componentes no caminho do sinal, mas mesmo assim capaz de debitar + de 200W/8 e 330W/4, sem recurso a realimentação negativa global. Muito na linha dos projetos minimalistas de Nelson Pass, portanto.
O CTH-8550 II funciona em Classe AB (20W em classe A). Mas não dissipa demasiado calor, ao contrário do NHB 108, ainda que o som seja típico de um Classe A puro.
Todos os componentes estão isolados do chassis por meio borrachas de isolamento para eliminar vibrações.
O que mudou? Muito pouco.
Em equipa que ganha não se mexe, e a nova versão MkII é em tudo semelhante à do CTH-8550 original, e Hervé é muito discreto sobre quais as melhorias introduzidas, que incidiram sobretudo no isolamento dos transformadores, na imunidade à interferência por rádio frequência e na fonte de alimentação, numa tentativa (bem sucedida) para baixar ainda mais o patamar de silêncio, que já era fantasmagórico no original.
Nota: ver mais informações técnicas aqui
Quando se chega a este nível de qualidade e de preço, torna-se difícil encontrar justificações práticas que façam sentido para o comum dos audiófilos.
E lá aparecem os trolls com as comparações com os carros baratos, que têm todos quatro rodas e chegam ao mesmo tempo que os caros; com relógios, que dão as mesmas horas; com vinhos, ou até ‘robalos’ (mea culpa), enfim, tudo lugares comuns, que são outras tantas formas de fugir ao assunto que interessa.
…o DarTZeel não é, nem de longe, o integrado mais caro que se pode comprar. Portanto, a pergunta é: porquê este e não outro?...
Isto quando a conversa não descamba para os integrados chineses de 400 euros que se compram na internet e que um ‘cientista’ qualquer diz que tem ‘medidas perfeitas’, logo tem um som mais-que-perfeito, e que tudo o resto é fake news.
E o DarTZeel não é, nem de longe, o integrado mais caro que se pode comprar. Portanto, a pergunta é: porquê este e não outro?
Só lhe posso falar da minha experiência pessoal. E nem tudo o que é pessoal é transmissível pela escrita. Como se explica o amor? Será que mandar analisar no laboratório o ser amado o torna mais compatível consigo? Este é pelo menos o tema de uma série da Netflix, com o título The One, e que tem tudo para correr mal. Só vi dois episódios, mas adivinho o desfecho.
O amor resulta de vivência comum. De entendimento. De partilha. De felicidade a dois. Física, mas também química. É um não-querer-mais-que-bem-querer. É sentir-se bem na presença do outro, sem que essa presença se faça sentir, por oposição à ausência que dói.
Assim é com o DarTZeel CTH-8550 II, desde que o recebi até hoje tem tocado o dia todo. Liguei-o ao Roon, através de um Streamer Wattson Audio, e deixei que o Roon me guiasse ao sabor do vento pelas múltiplas paisagens musicais: da clássica, sobretudo o período barroco, com incidência nas interpretações de Isabelle Faust, ao velho rock de Eric Clapton e dos Eagles, da pop de Dua Lipa e do jazz de Coltrane a Mulligan, aos crooners, como Sinatra, Dean Martin e Brel.
… o CTH-8550 II está aqui como se não estivesse. Não lhe encontro defeito, nem feitio, simplesmente deixa passar a música! …
Também ouvi CD e SACD, claro. E muitos ficheiros de alta resolução via Hugo 2. Há muito anos que não utilizo LP, embora admita que, em certas circunstâncias, ainda é a fonte de referência absoluta, junto com a fita magnética de 15ips. Portanto, a sua experiência com LP só pode ser ainda melhor.
O CTH-8550 II está aqui como se não estivesse. Não lhe encontro defeito, simplesmente deixa passar a música! E não é isso que se pretende quando se investe 31 mil euros num amplificador? Que anule o constante desejo de mudança, de novas experiências? E não é assim também no amor, quando as outras/outros deixam de nos atrair, porque encontrámos a alma-gémea, e estamos felizes assim?
Alma minha, gentil, que te partiste…
O DarTZeel é a minha alma-gémea. Pelo menos até ao dia em que partir, que será breve, hélas. Nem me apetece dizer que ouvi isto ou aquilo, assim e assado, no disco tal e tal, porque a música como um todo passou a fazer sempre sentido.
…o CTH-8550 II não se deixa definir facilmente. É tudo e não é nada ao mesmo tempo…
Escalpelizar a música em graves, médios e agudos, micro e macro dinâmicas, texturas e linhas de definição, ou palcos sonoros virtuais seria um crime de violação de privacidade, porque o CTH-8550 II não se deixa definir facilmente e não gosta que o analisem, apenas que o oiçam. É tudo e não é nada ao mesmo tempo.
Como se define um amplificador integrado que é cheio de cor sem ser colorido; alegre sem ser demasiado vivace; escuro e simultaneamente de uma aconchegante luminosidade interior; transparente sem ser analítico; poderoso e suave como um bom gigante, que nunca magoa a música antes a protege sempre; rápido sem ser apressado; que é autoritário mas sabe ser condescendente e consensual, quando o processo musical em curso assim o exige?
Se tudo o que eu escrevi não lhe diz nada, porque considera que não passa de ‘conversa da treta’ (todas as cartas de amor são ridículas), não compre o CTH-8550 II.
Se, por outro lado, percebeu onde eu quero chegar, vá pelo menos ouvi-lo à Imacustica, e leve-lhe saudades minhas.
Mas cuidado: tal como eu vai ficar sob o feitiço do amor. E não há filtro nem poção que o faça desaparecer…
DarTZeel CTH-8550 II amplificador integrado de linha com opção Phono
Preço: 31.500 euros
Distribuidor: Imacustica
Características
- Potência de saída: 220 Watts RMS / 8 Omhs; 350Watts / 4 Ohms
- Ganho de entrada: linha: 0 a +22 dB; MM: 24 a 44 dB; MC: 50 a 70 dB
- Sensibilidade de entrada: linha 250 mV, phono0.5 dB
- Frequência de resposta: 10 Hz a 100KHz, ±0.5 dB
- THD: <1% a qualquer frequência
- Distorção temporal: nenhuma em todo o espectro sonoro.
- Intermodulação de canais: < -90 dB de 20 Hz a 20 KHz
- SNR: > 100 dB (A), linha, a 2 volts saída; > 70 dB (A), phono, a 2 volts saída
- Consumo: 45 Watts, máximo 1000 Watts; Standby: menos que 5 Watts
- Medidas (LxAxP): 44 x 41,5 x 17 cm, com apoios
- Peso: 29 kg (aproximadamente)