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Primeira audição crítica mundial do novo dCS Rossini APEX DAC. JVH ouviu e concluiu que o APEX é mais um pequeno passo para a dCS, mas um salto gigantesco para a comunidade audiófila.
Pessoas como Oscar Wilde, que tinha gostos muito simples, ficam sempre satisfeitas com o melhor. Infelizmente, não devo ser um deles, porque os DACs da dCS, considerados por muitos como os melhores do mundo, nem sempre me satisfizeram, talvez com exceção do Bartok.
Se bem me lembro, achei o Rossini original um pouco estéril, apesar do atestado laboratorial limpo. Talvez fosse demasiado perfeito para os meus gostos menos simples. Com o tempo, alguma coisa mudou. Porque eu agora gosto do Rossini. Muito. Por favor, continue a ler para saber porquê.
O Ring DAC
O circuito de conversão Ring DAC da dCS é único. Trata-se de uma tentativa bem sucedida de combinar a conversão monotónica de 'bit único' com 'bitstream', obtendo-se assim uma conversão do tipo DSD de 4,6 bits cujos 24 valores variáveis possíveis são combinados empregando um algoritmo complexo com os 48 níveis fixos do circuito Ring DAC, superando assim as limitações do típico bit único da DSD e a modulação de largura de impulso do bitstream. É claro que isto é uma simplificação grosseira de uma tecnologia engenhosa. Leia a explicação técnica completa no final no pdf em inglês.
Melhorar o que é perfeito
Por definição, não se pode melhorar a perfeição. Mas, de alguma forma, a dCS tem conseguido melhorar continuamente os seus produtos com 'updates' que os mantêm atualizados e livres da obsolescência digital.
O algoritmo de mapeamento Ring DAC (2017) e o firmware v2.0 (2019) foram passos na direção certa, e a aplicação dCS Mosaic, lançada no mesmo ano em Munique, libertou o utilizador das complexidades de um Menu complicado com uma série de botões minúsculos, facilitando assim a sua utilização.
…APEX é mais um pequeno passo para a dCS, mas um salto gigantesco para a comunidade audiófila mundial…
A nova atualização APEX, que pode ser adaptada aos modelos anteriores Rossini e Vivaldi, é mais um pequeno passo para a dCS, mas um salto gigantesco para a comunidade audiófila mundial.
Segundo a dCS, a plataforma Ring DAC foi mantida basicamente inalterada, com o seu conjunto único de resistências alinhadas como soldados na parada (ver foto acima). Contudo, todo o hardware do Ring DAC é novo, e tanto o desempenho digital como analógico foi muito melhorado.
As modificações incluem:
- Modificação da tensão de referência que alimenta o Ring DAC para obter uma impedância de saída mais reduzida.
- Melhorias no filtro e andares de soma e de saída.
- Andar analógico de saída totalmente novo.
- Reconfiguração do circuito principal do Ring DAC.
- Substituição dos transístores individuais por pares emparelhados de transístores contidos numa única cápsula.
Segundo a dCS, estas mudanças trouxeram, e cito, "melhorias sónicas, tanto nas medidas como no desempenho musical".
Todos os resultados 'objetivos' estão abaixo dos limites de medição de um Audio Precision', confidenciou-me James Cook num e-mail. Conseguimos reduzir a distorção de 3ª harmónica em 12dB. Mas quando lhe pedi gráficos, escusou-se, alegando que se trata de dados confidenciais. Portanto, aqueles que preferem ‘ouvir’ dados vão ter de esperar para ver, ou ter fé nos meus ouvidos, porque é com música e não com dados que faço a minha análise. Peço desculpa, mas sou apenas humano.
A mesma caixa, melhor conteúdo
Para além do módulo APEX (e do Mapper), o DAC Rossini não é muito diferente do modelo anterior. Do exterior, parece até igual. A caixa é soberba com construção robusta em alumínio e as já icónicas ondas esculpidas no painel frontal.
Um botão rotativo de volume e cinco pequenos botões de pressão para Power, Menu, Filter, Input e Mute trabalham em conjunto para permitir a navegação. O mostrador é demasiado pequeno para mostrar capas de discos, mas de resto é suficientemente informativo. Infelizmente, é necessária alguma prática para melhor utilização, por isso use a dCS Mosaic App no seu telefone, que é muito mais fácil.
A vasta gama de opções compreende fase, troca e equilíbrio de canais e regulação de nível: selecione 2V se o utilizar como DAC; e 6V para funções de pré-amplificador ou para alimentar um par de colunas ativas. Os níveis 0.2 e 0.6 são para utilizar com Apple AirPlay.
Um DAC com swing
‘A par dos testes quantitativos, foram realizados extensos testes de audição subjetiva por profissionais músicos e outros especialistas em audição’, diz-nos a dCS que não acredita só nas medidas. Eles afinal também ouvem. Como todos nós.
Sejam eles quem forem, fizeram um bom trabalho. A primeira impressão é de um baixo robusto, tenso articulado, bem definido e com uma extensão impressionante, para aí meia se não mesmo uma oitava abaixo do que é possível com um DAC mediano.
...um baixo robusto, tenso, articulado, bem definido e com uma extensão impressionante...
A dinâmica é explosiva e mantém um ritmo perfeito. Os amantes do tempo certo, do passo e compasso, vão ficar totalmente satisfeitos com o Rossini APEX DAC. Além disso, também tem 'swing'. E a resolução dos registos médios do Rossini não parece interferir nunca na sua musicalidade intrínseca.
...a resolução dos registos médios do Rossini não parece interferir nunca na sua musicalidade intrínseca…
O brilhozinho nos olhos
Este tipo de desempenho do grave funciona como uma base perfeita para a complexa estrutura da gama média: harmonicamente rica, tonalmente sem falhas e timbricamente precisa; transparente, musicalmente cativante e envolvente.
Quanto ao brilhozinho nos olhos dos agudos', 'oh, Billie!, they 'sparkle and bubble' e soam como a extensão natural dos registos médios.
I fell in love with you the first time I looked into them there eyes
And you have a certain lil cute way of flirtin' with them there eyes…
They sparkle, they bubble, they're gonna get you
In a whole lot of trouble, oh baby, them there eyes..
- Da letra da canção 'Them, there eyes (highs), de Billie Holiday
DXD e DSD
O Rossini é compatível com todos os formatos conhecidos, incluindo WAV, FLAC e AIFF até 24bit-384kHz, DSD128 e MQA até 352,4kHz (ver filtro MQA abaixo); permite streaming via Ethernet a partir de um NAS ou serviços de música online tais como Tidal, Spotify e Internet Radio.
Nota: Deezer e Qobuz não estão disponíveis em Portugal pelo menos oficialmente.
Também é Roon-ready. Pode aceder a música no seu PC através de Roon ou aceder diretamente ao Tidal através da aplicação dCS Mosaic.
É compatível com AirPlay mas falta-lhe a ligação Bluetooth para telefones Android. Não que isso seja importante se vai comprar o Rossini apenas pela sua alta qualidade sonora.
…os fanáticos do tempo certo, do passo e do compasso, vão ficar totalmente satisfeitos…
DAC Multiplicador
O Rossini faz ‘upsampling’ (multiplicação) de todas as frequências de amostragem para DXD ou DSD. O ‘upsampling’ faz parte da própria natureza técnica do DAC e está sempre ativo por defeito, não sendo possível desativá-lo.
Nota: se optar por upsampling DSD, o DAC adiciona-o no final da sequência de upsampling padrão PCM, antes da conversão para analógico. Esta característica não se aplica aos sinais DSD nativos, que são processados de forma diferente.
A escolha de fazer upsampling para DXD apenas ou DXD+DSD já é uma decisão do utilizador. Se eu fosse a si, mantinha o default DXD e deixava ficar assim. Contudo, se optar pelo DSD, utilize os Filtros 3 ou 5 (e não 4) para uma melhor filtragem do ruído ultrasónico. Em qualquer caso, apenas será exibida no mostrador a taxa de amostragem dos dados originais.
Também reproduz DSD nativo até DSD128 (sem upsampling) através da entrada USB A, a partir de ficheiros guardados numa pen USB ou hard drive, com excelente qualidade.
O Rossini reproduziu o Finale da Sinfonia Nº 1 de Mahler, pela Orquestra do Festival de Budapeste, dirigida por Ivan Fischer (uma faixa DSD que eu tinha numa pen) com metais e tímbales gloriosos, enquanto exibia DSDx2 no ecrã.
Achei curioso, porque esta era uma faixa DSD256 nativa que o Rossini não era suposto tocar. Aparentemente, faz downsampling para DSD128=DSDx2 para a poder reproduzir. Boa!
Os ficheiros DSD também podem ser reproduzidos no formato DoP via USB/PC. É necessário selecionar USB Classe 2 e instalar um driver Asio, utilizando o JRiver como Media Player, que deve ser configurado para DoP (nos Device Settings) para funcionar corretamente.
Nota: DoP (DSD sobre PCM) foi concebido pela própria dCS e depois aberto a outros fabricantes para permitir a transferência de áudio DSD nativo, quando a interface (JRiver) está apenas a ser usada como mecanismo de transporte, e não envolve qualquer perda de dados DSD ou conversão de DSD para PCM.
SACD direto da fonte
O Rossini também aceita dados encriptados de SACD. Mas isso apenas é possível com um transporte dCS via Dual AES (2xDSD).
É pena não ter também uma entrada HDMI para eu o poder alimentar com dados SACD (.dff e .dsd) não-encriptados com o meu Oppo Player.
Experimentei fazer isso com um Bryston DAC (com entrada HDMI) e funciona muito bem. O Leitor e o Relógio completam o sistema Rossini. Infelizmente, eu só tinha o DAC para testes. Tenho ouvido dizer maravilhas do sistema completo.
Filtros
Todos os bons DAC hoje em dia oferecem uma coleção de filtros para nos entreter nos primeiros dias até acabarmos por optar por um ou outro e esquecê-los.
Os filtros 1-4 são de fase linear adequados para todas as taxas de amostragem. O filtro 1 tem uma pendente mais rápida. Como regra geral, utilize os Filtros 1-2 para música clássica e 3-4 para rock, pop e jazz, etc. Gosto do Filtro 3 para tudo (12dB de atenuação), mas não apostaria a minha vida num teste cego.
Os Filtros 5 e 6 devem ser selecionados apenas com taxas de amostragem mais elevadas -176,4 kHz e superiores.
Filtros DSD
Com ficheiros DSD, quanto maior for o número, mais o filtro reduz o ruído ultrasónico e mais limita a largura de banda.
O filtro 4 começa a atuar logo acima dos 25kHz e nega a vantagem da maior largura de banda do DSD. Esqueça-o. Mantenha-se fiel ao Filtro 3, mas não se esqueça de experimentar também o Filtro 1, que é de banda larga (- 8,5dB a 100kHz!), mesmo com o risco (remoto) de colocar o seu amplificador em oscilação. Se ouvir distorção, mude para o Filtro 2 (-21 dB a 100kHz) ou 3 (-3dB a 60kHz).
Ouvi sempre um som excelente de todos os filtros e pouca diferença entre eles. O Filtro 5 soa mais suave do que o Filtro 1 com material DSD; até aí ainda consigo ouvir. Ou será que consigo?
Se fizer ‘upsampling’ DSD de sinais PCM, tanto a escolha prévia de filtros para PCM como para DSD estará ativa. Mas apenas o filtro PCM será exibido no mostrador. O tipo de ‘upsampling’ também não aparece no ecrã apenas na aplicação Mosaic.
Mapeamento
No entanto, pode facilmente ouvir a diferença ao selecionar MAP1/3 (6MHz) vs MAP2 (3Mhz). Experimente. Acho que continuo a gostar mais do velho MAP2 para música clássica. Parece mais aberto, relaxado e descontraído, o que não é uma coisa má dada a precisão clínica da apresentação geral. MAP1 e 3 soam mais tensos, ligeiramente mais frontais e têm melhor saturação e contraste. E provavelmente também melhor dinâmica, embora seja tudo a um nível muito subtil. Eu não disse que era difícil melhorar a perfeição?
Filtro MQA
Há ainda o filtro M1 ativado por defeito com sinais codificados em MQA, que atua em sobreposição aos filtros PCM previamente selecionados.
A entrada USB2 do Rossini também aceita ficheiros MQA nativos armazenados numa pen USB ou num disco rígido. Assim, toquei uma faixa MQA, 'Fragile from the Storm', de Amy Duncan, do álbum 'Undercurrents', e acendeu logo o filtro M1/MQA.
Se aceder diretamente ao Tidal (sem Roon) com o seu PC ligado à entrada USB1, não poderá desdobrar completamente os ficheiros MQA, a menos que dê o controlo total à Tidal nas ‘Definições’.
Os melhores resultados são assim obtidos com Roon/Tidal permitindo a conversão/renderização completa do MQA com ligação Ethernet.
Nota: a dCS informa que, de facto, na entrada USB1, a partir de um PC, o Rossini executa apenas a renderização de MQA previamente descodificado pela Tidal, mas não executa uma descodificação e renderização completas. Nesta situação, com a entrada USB1, o Rossini só executa a renderização MQA, sendo a descodificação realizada pelo software TIDAL. O ficheiro MQA é totalmente descodificado e renderizado - apenas estas fases são divididas entre o software da TIDAL e do Rossini.
Rossini APEX DAC é a sua escada para o céu
Música, Maestro!
Vamos abrir com Rossini, o compositor, Il Barbieri de Siviglia: Una Voce poco fa, de Cecilia Bartoli, do álbum 'Sospiri' (Tidal) e descobrir o que uma voz tocada pelos anjos e intocada por mal-estar digital pode fazer pelo seu bem-estar mental. Continue com Casta Diva, e pronto, aqui chegado até pode verter uma lágrima, tal é o envolvimento emocional.
Ouça agora o magnífico (Magnificat) Et Misericordia MQA Studio 352kHz de Kim André Arnesen (Tidal) e delicie-se com a beleza das vozes do Coro Juvenil Feminino da Catedral de Nidaros, envoltas pela acústica do espaço sagrado; ou siga cada contribuição individual e a sua posição relativa no coro, com as jovens de pé distribuídas pelos degraus do altar, com a cantora principal no meio, mesmo atrás das cordas da Orquestra Trondheimsolistene, enquanto o piano nos prepara delicadamente para o final com o poder avassalador do poderoso órgão de tubos. Deus seja louvado!
A solista Lise Berg está colocada ao centro, entre o coro e a orquestra, numa posição ligeiramente elevada e canta com tal paixão religiosa que poderia converter até mesmo um ouvinte agnóstico. O Rossini APEX DAC é a sua escada para o céu.
Anseia por um vasto palco sonoro e mais impacto? Oiça a interpretação de Simon Rattle de O Fortuna, da Carmina Burana, de Orff, com a Filarmónica de Berlim. Sente-se, e fique de boca aberta de espanto, como eu fiquei.
'Uncle Jim', de Jay Leonhart/Mike Renzi, Salamander Pie, dmp, é uma história trágica de embriaguez, contada (e reproduzida pelo Rossini) com tanta veemência que se pode cheirar até a bebida; sentir o contrabaixo nas tripas; e as notas de piano a formigar com cada expressão de ironia, sarcasmo, desespero e pathos.
Será possível obter um som ainda melhor com o Vivaldi que custa 40.000 euros!? Provavelmente, mas eu já ficava satisfeito com o Rossini APEX DAC.
Justificar-se-à pagar 30.000 euros por um DAC?
Depende das prioridades e do tamanho da sua carteira, e não tanto da qualidade do som, que está mais próximo da perfeição digital do que eu alguma vez ouvi. Não se trata de uma questão de relação custo-benefício. Há os (poucos) que podem pagar e os (muitos) que não podem pagar. Ponto. Portanto, não se lastime se, como eu, não o puder comprar - o valor está na música, que está em todo o lado. O dinheiro é apenas uma comodidade mal distribuída.
Para ter acesso à verdade digital, a toda a verdade e nada mais que a verdade, é preciso pagar 30.000 euros por um Rossini APEX DAC? Não dispare sobre o mensageiro, e descubra porquê por si próprio. Faça como eu, e vá ouvi-lo na Imacustica. Não paga nada por isso...