JVH viveu 1 mês com uns auscultadores HEDDphone (não é uma gralha, é mesmo assim que se escreve) de 1700 euros a cantarem-lhe aos ouvidos, gostou do que ouviu e conta tudo aqui, à revelia das 'medidas' do Amir (ler Big Brother, no final).
Os leitores (e os distribuidores) sabem que eu gosto de testar auscultadores (ver Artigos Relacionados), ainda mais agora que estou confinado. Para ouvir música noite dentro, nada melhor do que esta experiência solitária de audição crítica.
Bom, não é tão solitária assim, porque eu sou adepto dos auscultadores abertos, com transdutores exóticos, que ‘vertem’ som para o ambiente, sobretudo os sons de gama média (refiro-me às frequências, não à qualidade) e agudos, pois é preciso tê-los colocados para ouvir também os sons graves.
Os de tipo ‘aberto’ não são, portanto, os auscultadores ideais para ouvir música nos transportes públicos ou para fazer jogging. E não é só por essa razão: são normalmente enormes e pesados, uns mais do que outros, e os HEDDphone não fogem a essa regra, pelo contrário, cumprem-na a rigor: 718 gramas!, um peso a que não são alheios os ímans necessários para gerar o poderoso campo magnético.
Além disso, os auriculares são enormes, com almofadas espessas, e a cabeceira estofada é também substancial. Tudo nos HEDDphones parece excessivo, menos o preço de 1700€, se comparado com a concorrência direta, da Abyss, Audeze, Hifiman, Meze, Stax, etc. cujos topos de gama custam em média mais mil euros.
Isto para falar apenas dos planarmagnéticos e eletrostáticos mais famosos, a que se podiam juntar os Focal Utopia do tipo dinâmico.
Contudo, quando colocados, os HEDDphones distribuem lateralmente o seu peso e nunca dão a sensação de que temos um tabuleiro de Tomar em cima da cabeça. Foram, aliás, concebidos para utilização em estúdio.
Eu não me considero particularmente cabeçudo e, mesmo assim, foi preciso puxar as hastes de extensão até ao limite máximo para que a abertura retangular dos auriculares envolvesse as minhas orelhas, condição sine qua non para obter os melhores resultados sonoros. Creio mesmo que algumas diferenças de opinião resultam do facto de as orelhas serem ‘pisadas’ (deixando escapar som) em vez de completamente ‘envoltas’ pelas almofadas.
Durante a colocação e ajuste, vai ouvir um som de papel vegetal amarrotado. Não se preocupe: não só isso cessa logo que retire as mãos, como nunca acontece durante a audição de música.
É fácil perceber que este é o tipo de auscultador que não deve ser comprado online no escuro. Deve experimentá-los primeiro, no distribuidor oficial Exaudio para ter a certeza que se adaptam a si, tanto física como acusticamente.
Até porque os auriculares giram num único eixo com ângulo muito limitado na moldura de suporte, e não são propriamente fáceis de ajustar a todas as cabeças.
Felizmente, a cabeceira é bem alcochoada, com um tecido tipo camurça na parte interior para absorver o suor, e os auriculares são forrados a pele macia e suave, pelo que compensam alguma ‘rigidez de rins’ e damos connosco a ouvi-los durante horas, sem aquele desejo de os tirar logo ao fim de uns minutos, circunstância a que não é alheia a qualidade do som, dá vontade de ouvir a eterna canção dos Hollies: ‘He ain’t heavy is my brother’.
Cada cabeça sua sentença
Mas já lá vamos, porque nisto do som dos auscultadores, nunca o aforismo ‘cada cabeça sua sentença’ foi tão apropriado, onde cada conjunto cabeça/orelhas é único e tem um efeito no som percebido semelhante ao do conjunto sala/decoração nas colunas de som.
…os HEDDphones são os auscultadores cuja experiência auditiva é mais semelhante à da audição com colunas…
Os HEDDphones são os auscultadores cuja experiência auditiva é a mais semelhante à da audição com colunas. Porque há também uma sensação ‘física’ na reprodução do som.
…há também uma sensação ‘física’ na reprodução do som…
Ao contrário da concorrência referida acima, os HEDDphones, não sendo do tipo dinâmico, com os Focal Utopia, também não são planarmagnéticos, utilizam uma unidade AMT full range. E é esta característica que os torna únicos no mercado.
Nota: na secção Artigos Relacionados, os leitores podem ler vários testes a auscultadores planarmagnéticos: Audeze, Hifiman, Meze, Mr.Speaker, Oppo, etc., onde se explica em pormenor com funciona a transdução magnetoestática.
AMT são as iniciais de Air Motion Transformer, um transdutor (chame-lhe altifalante se quiser), inventado por Oskar Heil, um judeu alemão de origem russa exilado nos EUA, durante a 2ª guerra mundial, que funciona por indução, como os eletrostáticos, magnetoestáticos (planar) e ribbons.
Ou seja, é uma membrana ultrafina, tornada condutora por vaporização de grafite ou colagem de um fita condutora de alumínio, que é atraída ou repelida por um poderoso campo magnético à passagem (modulação) de um sinal elétrico.
O AMT distingue-se pelo facto da membrana ser ‘plissada’, o que lhe permite ter uma área ativa muito maior no mesmo espaço limitado e funciona como um harmónio: as pregas abrem e fecham alternadamente (dipolo) e ‘disparam’ – é o termo – o ar a uma velocidade quatro vezes superior à dos diafragmas convencionais.
Rápido como o vento
Esta ‘velocidade’ torna-o particularmente indicado para a função de tweeter, e foi para isso que foi criado por Oskar Heil, embora tivesse a capacidade de reproduzir frequências médias até aos 700Hz.
Foi assim que me habituei a ouvi-lo, já no século passado (yes, I am that old…), montado nas colunas Heil A.M.T. Kithara, que me foram apresentadas e demonstradas pela própria neta de Oskar Heil, no HighEnd Show, que se realizava então em Frankfurt, no saudoso Hotel Kempinski.
Na reportagem de 2001, que publiquei no Diário de Notícias (o Hificlube.net ainda não tinha nascido), escrevi a propósito destas colunas o seguinte:
‘É tempo de alguém importar as colunas Kithara com o transdutor Air Motion Transformer. Médio/agudo puro, puro como o ar. O grave do tipo convencional faz o que pode para acompanhar a velocidade de reprodução do tweeter/médio’.
O mais fiel discípulo do Dr. Oskar Heil é Klaus Heinz, da Adam Audio, que criou uma versão melhorada do tweeter AMT, designada por X-ART, que passou a utilizar em quase todos os seus modelos de colunas de som, incluindo os monitores de estúdio.
Klaus Heinz, da Adam Audio, que já me tinha alertado há uns anos para a possibilidade de estar a construir uma unidade AMT full range, era uma das minhas visitas obrigatórias, no HighEnd de Munique, com salas sempre cheias (e gosto musical discutível…).
Esse desejo de Klaus Heinz ir mais longe levou-o a abandonar a Adam Audio para criar a HEDDphone, Heinz Electromagnetic Design, que utiliza a anunciada primeira unidade AMT full range do mundo (10Hz-40kHz), substituindo a estrutura geométrica fixa do AMT, por unidades com pregas ou dobras que variam tanto em largura como em profundidade.
O Dr. Oskar Heil sempre foi muito cioso da sua invenção, mas a patente acabou por cair no domínio público e surgiram variantes, como a Folded Motion da Martin Logan. Hoje há muitas colunas que utilizam o AMT, como as Elysean, da Wharfedale.
oBravo do pelotão
Os HEDDphones não são os primeiros auscultadores a utilizar uma unidade AMT. Quem tem essa honra é o oBravo, um auscultador asiático de tipo híbrido com tweeter AMT e grave dinâmico, que eu testei para o Hificlube, em 2015. Podem ler o teste aqui, ou em Artigos Relacionados, no final.
Nota: já nessa altura eu chamava a atenção para o facto de uma resposta ‘errática’, sobretudo no agudo, medida por um equipamento computorizado, não corresponder à linearidade subjetiva do som que se ouvia.
Os HEDDphones vêm com um cabo único de ligação por Jack de 6,3 mm e fichas XLR miniatura. Fica respondida a dúvida sobre se são compatíveis com o seu telefone.
Os HEDDphones são auscultadores de estúdio para ligar a amplificadores de qualidade e com a potência adequada, embora não sejam dos menos sensíveis que eu já testei. Os 87dB/1mW e os 42 Ohm de impedância no papel não apresentam dificuldade na prática para qualquer amplificador competente.
De qualquer forma ninguém de bom senso vai para o metropolitano com um par de HEDDphones na cabeça, a não ser que goste de dar nas vistas e queira gozar com os colegas que andam de ‘supositórios’ espetados nos ouvidos. E dar-lhes música ao mesmo tempo, porque, sendo abertos, toda a gente sabe o que está a ouvir.
Quando os HEDDphones chegaram, já tinha embalado o McIntosh MHA200 (e que parelha devem fazer!) e optei pelo Hugo Chord 2 para os alimentar, com excelentes resultados, o que comprova a minha afirmação de que não são uma carga difícil, sobretudo porque a impedância se mantém estável em toda a banda áudio.
A primeira impressão acústica foi muito positiva. Se gosta do som de filigrana e ultradetalhado dos auscultadores eletrostáticos, os HEDDphones não são para si, pois estão mais próximos no caráter sonoro dos planarmagnéticos, nomeadamente os Audeze e os Mezze Empyrean.
Os Hifiman HE1000 têm mais extensão dos extremos de frequência, são mais transparentes e têm mais ar circundante. Os HEDDphones são mais rápidos e têm um som mais homogéneo e mais coeso – se aumentar ou baixar o volume tudo sobe/desce ao mesmo tempo.
Os Meze Empyrean e os Audeze LCD2 são mais bem nutridos nos graves; o grave dos HEDDphones é mais articulado e definido, e também mais rápido.
…as vozes são particularmente bem tratadas, tanto as masculinas como as femininas…
Os HEDDphones têm uma estrutura harmónica e um equilíbrio tonal sobre o ‘encorpado’, com agudos muito bem comportados, gama média muito natural e um grave que, não sendo enfático ou omnipresente na mistura, tem extensão audível, até pelo menos aos 30Hz: as percussões têm impacte físico.
As vozes são particularmente bem tratadas, tanto as masculinas como as femininas; e a separação instrumental e destrinça tímbrica justificam a categoria de monitor-de-estúdio, dependendo embora da qualidade da gravação.
Todos os auscultadores são passíveis de igualização para se adaptarem ao gosto de quem os utiliza, mas os HEDDphones, tal como os Meze Empyrean, têm um ‘voicing’ bastante equilibrado logo à saída da caixa que melhora ainda mais com o tempo.
A tentação de puxar os graves 2 ou 3dB abaixo dos 60Hz (low shelf), dar um incentivo de 4 ou 5 dB aos 2kHz (zona de presença) e de tentar linearizar a resposta do agudo com um igualizador paramétrico parece resultar numa fase inicial, até percebermos que estamos a desestabilizar o equilíbrio tonal de fábrica - o ‘voicing’ - afetando o corpo e timbre das vozes para termos algum ganho ao nível instrumental, sobretudo de sons sintetizados de baixa frequência que, não tendo uma referência natural, se prestam a descuidos ou exageros. Mas cada um sabe de si…
A ‘imagem’ é estável, tanto no plano lateral como frontal, talvez um pouco closed-in para um auscultador aberto (passe a aparente contradição) a que não é alheia a boa selagem das almofadas, resultando contudo muito bem com experiências holográficas binaurais com os sons a surgirem claramente ‘fora-da-cabeça’.
O prazer da audição ajuda a esquecer que temos um capacete de 700 gramas, criando uma sensação de insustentável leveza, sem perder a estrutura sólida e encorpada do som em toda a banda áudio, com o grave, o médio e o agudo bem entrosados, resultando numa única entidade física e palpável: a música.
Ao contrário dos planarmagnéticos, que soam tanto melhor quanto mais alto tocam, os HEDDphones mantêm a compostura tanto a nível de volume baixo como alto, com a velocidade de cruzeiro ideal a depender apenas da sua capacidade e conforto auditivo.
Se o seu desejo é ouvir até o mínimo detalhe, aí sim vai ter de puxar por eles. E é como se ouvisse música através de uma lupa, para o bem e para o mal.
Quanto ao nível máximo de pressão sonora, os seus tímpanos são o limite! Esta versatilidade e poder de aceleração torna os HEDDphones ideais para todos os tipos de música: do rock à clássica, do jazz à folk, da pop ao country.
Deixem passar a música
Abri com a faixa Norbu, da banda sonora de Himalaya, para testar a resolução atmosférica, noção de espaço, vozes etéreas de vários timbres, singelas ou em coro, e reprodução de sons de percussão de média e baixa frequência de tambores reais, e não de sons sintetizados.
Deixo aqui o vídeo disponível no YouTube só para ficarem com uma ideia do que estou a falar, mas sugiro que procurem a faixa original na Tidal ou outra plataforma.
E por falar em tan-tans, que tal Hotel California, dos Eagles, Unplugged do álbum ao vivo Hell Freezes Over? Sente-se o ar a vibrar dentro das congas! E as guitarras múltiplas com o baixo a iluminar o caminho rítmico, as palmas, os gritos, e a voz rouca e sofrida de Don Henley? Estamos lá…
No verso: Last thing I remember/I was running for the door, Henley não canta, apenas sussurra a forma verbal ‘I was’ e os HEDDphones não deixam escapar esse pormenor.
O disco foi gravado ao vivo a um nível talvez excessivo, com alguma aspereza nos registos médio altos, que os HEDDphones não escondem debaixo do tapete.
Mas oiça a limpeza da voz negra e carnuda de Cecile McLorin Salvant em St. Louis Gal, quase accapela, só com o acompanhamento de uma guitarra semi-acústica no canal direito.
Ou o bem-humorado Pica do Sete, na voz bem timbrada de António Zambujo, e delicie-se com os pormenores da orquestração da Banda da Carris.
Música coral para avaliar a destrinça tímbrica e colocação espacial dos HEDDphones? Que tal And we Shall Purify, do Messias de Handel, na versão de Gardiner, com coro feminino?
A melhor reprodução que já ouvi deste disco foi com as Wamm. Os HEDDphone chegam lá? Claro que não, mas ajudam a matar saudades…
E que tal colocar em confronto Sinatra em ‘Close To You’ e Joyce Di Donato, do álbum Stella Di Napoli, para avaliar da preservação dos respetivos timbres de tenor dourado e mezzo-soprano com voz de prata?
…nunca a ouvi colocar os HEDDphones em dificuldades com aqueles agudos capazes de partir copos…
A escala de Joyce é espantosa, e nunca a ouvi colocar os HEDDphones em dificuldades com aqueles agudos capazes de partir copos e graves sobrenaturais para uma mulher.
E, se pensa que só tocam bem com música dita ‘audiófila’, divirta-se com este mini-concerto de Dua Lipa, da série Tiny Desk , que já foi visto 37 milhões de vezes, e provavelmente reproduzido por telefones e supositórios auriculares. Com os HEDDphones a música é outra…
Conclusão:
Os HEDDPhones situam-se algures entre os planarmagnéticos (equilíbrio tonal) e os eletrostáticos (velocidade) e são vendidos a um preço (1700€) bem inferior (-1000€) ao da concorrência direta. A construção mecânica podia ser mais refinada, mas o som da unidade AMT full range é o início auspicioso de uma nova forma de ouvir música com auscultadores.
Nota importante:
Aconselho a leitura de dois editoriais recentes do Hificlube.net: A Guerra dos Tronos - objetivistas vs. subjetivistas e, especialmente: Big Brother, sobre o polémico Amir Majidimehr, da Audio Science Review.
…nem tudo o que se mede se ouve, nem tudo o que se ouve se mede…
E desafio os leitores a fazer uma audição atenta dos HEDDphones, com discos que conheçam bem, nas instalações da EXAUDIO (clique para contatos e direções), que por certo vai deitar por terra a ideia feita de que as medições são sempre mais fiáveis que as audições, no que diz respeito à avaliação de áudio highend.
Olhem que não: eu se fosse a si acreditava mais nos seus ouvidos do que num computador, porque nem tudo o que se mede se ouve, nem tudo o que se ouve se mede…