Read full article in English here.
Ouvi o duo NAD M66/23, no auditório da Esotérico, a alimentar um par de Dynaudio Contour 30i. Este é o relato sucinto dessa audição. E também de como a NAD acompanha, desde há 40 anos, a minha carreira de crítico. Tal como eu, a NAD tentou manter-se sempre na crista da onda analógica e digital. E ainda cá andamos os dois.
Há 40 anos, a primeira crítica que publiquei, então no CM (!), um jornal que agora pinga sangue (e lágrimas) quando se torce, foi sobre um amplificador NAD, a que dei o título de ‘Som DaNADo’.
Vinte anos depois, abri assim um artigo sobre outro amplificador NAD:
‘A NAD foi a primeira marca europeia a tentar fazer frente aos japoneses (agora teria escrito chineses) no seu próprio terreno: o hifi acessível, com uma filosofia muito especial de “despojamento material”, dir-se-ia quase mística. Um máximo de potência de pico disponível por escudo gasto com um mínimo de funções redundantes e de ‘design’: os NAD nunca foram bonitos, sempre tiveram um ar vagamente militar, do tipo forte e feio - uma ideia que a opção pela cor verde-azeitona só vinha reforçar. O NAD é um Jeep Willy, da Segunda Guerra Mundial, e não um daqueles jeeps maricas de agora com pintura metalizada, jantes de alumínio e estofos de pele, que nunca se viram com lama pelos joelhos.’
As trovas do vento que passa
E a analogia militar continuava, seguindo uma linha de ironia bem-humorada. Mais 20 anos se passaram e muita coisa mudou: no design, na tecnologia e no preço. Não me entendam mal: a NAD continua a produzir amplificadores sóbrios e acessíveis, como o recentemente anunciado (e exibido no High End 2024) NAD C379, o modelo mais recente da linha Classic, que foi a vedeta do stand da NAD, mas com enorme evolução tecnológica: construção modular, que permite fazer ‘upgrades’, como instalar os módulos de ‘streaming’ BluOS e Dirac de correção de acústica de salas, saída HDMI ARC e um preço a rondar os 1000 € que, descontada a inflação, é igual ao de há 40 anos!
Tal como a NAD, tenho origens humildes, mas cedo me dediquei ao áudio highend, navegando por mares nunca dantes navegados. A NAD manteve-se espartana e acessível, mas a Master Series é uma tentativa bem sucedida de produzir áudio highend também acessível, uma contradição nos termos, pois sabemos como, hoje em dia, há fabricantes que pedem dezenas de milhares de euros por um passo de caracol na evolução tecnológica. O NAD M66, sendo o navio-almirante da armada Master Series, tem um preço que não se pode considerar obsceno: 5.999,00 €.
De Munique para Lisboa
Em Munique, ouvi com agrado o duo M66/M33 alimentar um par de colunas Dali Rubikore 8. Mas o M33 é autossuficiente, pois, além de prévio/streamer é também amplificador. Por isso, só fez par com o M66 por razões promocionais.
Na Esotérico, o M66 foi acolitado pelo M23 (3.999,00 €), que também utiliza a tecnologia de amplificação de Classe D Eigentakt, da Purifi, de baixa distorção e baixo ruído, elevado fator de amortecimento e excelente linearidade. O amplificador é capaz de fornecer 200 watts por canal em 8 ohms e 380 watts por canal em 4 ohms. Em modo bridge, pode fornecer uns impressionantes 700 watts em 8 ohms.
O M23 atacou um par de colunas Dynaudio Contour 30i, sendo acolitado pelo objeto desta análise, o NAD M66, um DAC/preamplificador/streamer que representa o auge da tecnologia de áudio da NAD, e já utiliza o novo chip DAC ESS ES9038PRO da Sabre. Utiliza ainda a plataforma de ‘streaming’ multi-sala BluOS e o ‘software’ de correção de sala Dirac, que não foi ativado para este teste.
Analógico ou digital
O M66 pode operar em modo totalmente analógico (tem andar Phono MM/MC integrado), ignorando todo o processamento digital quando necessário, o que não foi o caso, por funcionar como'streamer/DAC' nesta ocasião. Mas a sua versatilidade é enorme, ao incluir ainda quatro raras saídas de subwoofer XLR balanceadas e quatro saídas RCA não balanceadas, permitindo a calibração independente de múltiplos subwoofers com o ‘software’ Dirac.
Dynamic Digital Headroom (DDH)
Contudo, há uma característica do M66, que tem passado despercebida, talvez porque resolve um problema até agora desconhecido da reprodução digital: Dynamic Digital Headroom (DDH), que elimina a distorção de clipping de picos entre amostras digitais, melhorando o realismo dos sons de alta frequência, especialmente de percussão.
Os fabricantes passaram a última década a tentar resolver o problema do jitter. Mas descobriu-se agora que há uma outra forma de distorção digital igualmente gravosa: digital inter-sample peak clipping distortion. O primeiro fabricante a descobrir este tipo de distorção digital foi a MBL, cujos DACs não são propriamente acessíveis, mas a NAD mostra que também está atenta ao problema. Audível ou não, o melhor é não estar lá.
Trata-se de uma questão técnica complexa e não havia até agora provas de que era audível, até que a Production Advice publicou um vídeo no YouTube, que nos ajuda a equacionar o problema com base numa análise científica. A partir de agora, não se admirem se todos os fabricantes apostarem em DACs ISP-free (Inter Sample Peak), além de jitter-free.
Quer isto seja ou não mais uma ‘Guerra de Alecrim e Manjerona’, a verdade é que o conjunto NAD M66/M23, sendo de génese digital, soa ‘analógico’, reduzindo drasticamente o fosso que separava a boa amplificação analógica de Classe A e A/B da Classe D. Reparem que eu evitei falar de válvulas antes que me acusem de ser audio-xenófobo. Eu defendo a inclusão harmoniosa de todas as ‘raças’ de amplificadores.
Audição crítica
A audição estendeu-se por um par de horas, tendo sido ouvidos vários géneros musicais, sempre na companhia de Alberto Silva, de que destaco: ‘All About You’, por Sophie Zelmani; ‘Moonlight On Spring River’, por Zhao Cong; ‘Corina, Corina’ por Leo Kettle; ‘Life Goes On’, por Carla Bley, com Andy Sheppard & Steve Swallow; ‘No Depression’, por Bahamas; ‘Le Diable est à la Ronde’, por Ampee; ‘Some Kind Of Wonderful’, por Joss Stone; e ‘Bewitched, Bothered and Bewildered, por Chris Botti.
Para o registo sonoro, que podem ouvir no vídeo em baixo, selecionei:
'All About You', de Sophie Zelmani
Esta faixa tem uma atmosfera suave de conversa íntima. Zelmani canta com um humor delicado, quase como se estivesse a tentar contar-nos um segredo, envolta por guitarras etéreas. A bateria sincopada acrescenta complexidade e sustenta a peça com um ritmo de marcha.
As guitarras desempenham um papel essencial, com tons ricos e ressonantes que acrescentam profundidade e dimensão à peça. O som de alta definição convida o ouvinte a descobrir novas camadas em cada audição.
A qualidade de som de ‘All About You’ é extraordinariamente transparente. Todos os elementos da mistura são reproduzidos com um elevado grau de clareza, permitindo que a voz de Zelmani e o acompanhamento instrumental se destaquem particularmente bem. A gravação é equilibrada para que nenhum elemento se sobreponha aos outros, o que melhora a musicalidade geral.
‘No Depression’, Bahamas
Esta é talvez a melhor canção do álbum de 2018 Earthtones, dos Bahamas, do músico bahamiano-canadiano Afie Jurvanen. Como o título indica, a canção explora os temas da resiliência e da esperança, de não nos deixarmos cair em depressão e é um guia para ultrapassar os problemas amorosos.
A canção de inspiração folk desenvolve-se sobre uma batida sincopada e enérgica da bateria, sublinhada por uma discreta linha melódica da guitarra, numa perspetiva minimalista típica de Afie Jurvanen, com um coro de vozes femininas entre o ingénuo e o provocador, quase de gozo juvenil.
Tal como na canção anterior, por Sophie Zelmani, o som é muito transparente e mantém bem definidos todos os elementos acústicos que compõem a mistura.
Nota: Muita da incrível informação acústica que se ouve na gravação fica também a dever-se ao facto de termos utilizado no sistema um componente novo: o iFI LAN Purifier PRO, sobre o qual o Hificlube vai publicar um artigo especial.