As Stradivari G2 foram apresentadas à imprensa especializada, no decorrer do High End 2023, no âmbito da celebração do 40 Aniversário da famosa marca italiana. Não no ‘show’, propriamente dito, mas ‘hors-concours’, no luxo do Hotel Kempinski ‘Four Seasons’, na baixa de Munique, incluindo comes-e-bebes, ou ‘amuse-bouche’, porque soa mais fino em francês e o ambiente pedia 'finesse'.
Na ocasião, o Hificlube publicou no Facebook as primeiras imagens e sons deste extraordinário ‘remake’ de um clássico imortal: as Stradivari, de Franco Serblin. E logo ali, prometi voltar ao assunto.
Franco Serblin e as Stradivari
A apresentação das Stradivari originais, em Vicenza, em 2003, então ainda sob a batuta de Mestre Franco Serblin, que partiu para o assento etéreo em 2013, foi um dos momentos mais altos da minha longa carreira de escrítico, sempre dedicada ao delicado e polémico tema do áudio highend.
As G2 mantêm a qualidade do trabalho artesanal da madeira e os acabamentos sublimes do modelo original, mas agora com uma forma pentagonal, substituindo a icónica forma elíptica, que reforça ainda mais a experiência auditiva, segundo a Sonus faber.
Nota: os leitores saudosistas podem ler aqui a minha reportagem em 5 partes (e em inglês), da apresentação das Stradivari em 2003.
Segundo o comunicado de imprensa da Sonus faber, as Stradivari originais, como o nome indica, foram inspiradas na arte do construtor de violinos Antonio Stradivari, enquanto as G2 pretendem ser a união visionária de um sonho tornado realidade por Franco Serblin e as atuais técnicas de engenharia eletroacústica que desafiam os limites da inovação.
Lívio Cucuzza, o responsável pelo redesenho da Stradivari, admite que foi um desafio fascinante, e cito do comunicado de imprensa:
‘Como recriar um produto que desafia a passagem do tempo, e se tornou ele próprio um objeto de arte? A solução é tentar manter o mais possível o aspeto único e o toque especial do original e integrar todos os avanços tecnológicos que a Sonus faber conseguiu até agora.'
Eis algumas das novas características-chave:
- Low Frequency Adjuster: uma funcionalidade do sistema que oferece controle total da afinação de ultra-baixa frequência, gerando uma experiência sonora sem precedentes e otimização de resposta da sala sem compromisso.
Nota: a tecnologia LFA permite controlar mecanicamente o pico de ressonância dos dois woofers sem necessidade de adicionar novos elementos ao filtro passa-baixas
- Anti-Resonant Basket: cesta do woofer especialmente projetada para evitar modos de vibração gerados pelo diafragma.
Nota: a cesta do woofer é impressa em 3D, com uma estrutura assimétrica, que vibra em oposição de fase com os modos gerados pelo diafragma, eliminando as ressonâncias mecânicas.
- Clepsydra Technology: pórtico reflex projetado em forma de ampulheta para maximizar o desempenho da extensão de baixa frequência, reduzindo o comprimento do tubo.
Nota: o pórtico reflex em forma de ampulheta reduz as ondas estacionárias dentro do tubo e dispara para baixo, facilitando o posicionamento na sala e reforçando os graves até aos 25Hz.
- INTONO Technology: uma característica que garante a reprodução mais natural possível das frequências médias, reduzindo significativamente o tamanho e número de componentes do filtro divisor.
Nota: Trata-se de um segundo pórtico, este sem ligação ao exterior, que liga a câmara do altifalante de médios a uma cavidade interior maior (no topo) para minimizar a pressão do ar gerada na parte de trás do diafragma, controlando-o mecanicamente sem necessidade de aumentar o número de componentes do filtro.
As Stradivari G2 são agora de 3 vias 1/2 e os altifalantes são todos novos: um tweeter Tripod DAD Arrow Point, um altifalante de médios de 5,9 polegadas (ca. 15 cm) e dois ‘woofers’ de 10 polegadas (ca. 25 cm) e um quarto.
E o som? Perguntam-me os leitores. O som é completamente diferente das originais, ao ponto de se poder afirmar que são outras colunas, sendo os únicos pontos comuns o nome e o painel frontal largo e curvo. Até o acabamento violino tem um tom vermelho mais vivo e ainda mais espelhado. Digamos que soam como parecem. E em comparação com as originais?
Stradivari no Meridien de Lisboa (2004)
Eis o que escrevi sobre as Stradivari originais no DN, em 2004, quando da apresentação das Stradivari no Hotel Meridien, pois a Imacustica não tinha ainda, então, a loja de Lisboa, num artigo intitulado ‘Porto de Honra’ (clicar para ler), e de que passo a transcrever algumas passagens:
Alguma dureza na gama média (slapping echo effect), que se fez sentir com um ou outro CD, e uma óbvia ressonância no grave, ambas culpas da sala e não das colunas (não é fácil colocar umas colunas de banda larga numa sala enorme e com ‘maus modos’ e obter resultados ótimos em tão pouco tempo).
A qualidade das Stradivari, contudo, ultrapassou com facilidade esse inconveniente acústico e permitiu que nos concentrássemos apenas na sua notável capacidade de ‘music making’…
…As Stradivari têm paz interior, e transmitem-na ao ouvinte na forma de música com coerência temporal, integridade tímbrica e riqueza tonal, tal como são percebidas pelo ouvido humano, e não necessariamente por equipamento de medida.
As Stradivari esgotaram o meu catálogo de lugares-comuns e hipérboles ao redefinirem o conceito de realismo acústico e transparência, patente, em particular, na forma como reproduzem o ‘decay’, o último suspiro dos sons antes de se extinguirem no silêncio.
Eis como uma coluna de som que reproduz tão bem a vida, ao ponto de instrumentos e vozes corporizarem-se na sala com elevado fator-surpresa (startling effect), se revelou também exímia na reprodução da... morte (dos sons). Há outras colunas capazes deste realismo impressionante. Mas, tal como as figuras de cera no museu de Madame Tussaud, causam-nos por vezes um profundo mal-estar, porque lhes falta a alma, como aos cadáveres na pedra fria da morgue.
Stradivari G2, no Kempinsky, de Munique (2023)
Até agora, ainda só ouvi as Stradivari G2, em Munique, também numa sala de hotel e em ambiente festivo, e não num dos auditórios da Imacustica, como gostaria.
No caso das originais, Manuel Dias importou um par, apenas 4 meses após terem sido anunciadas ao mundo. Mas os tempos são outros: há menos audiófilos endinheirados com capacidade financeira para investir 50.000 euros num par de colunas; e os poucos que há, estão todos bem servidos, pelo que qualquer nova compra implica uma retoma e negociações complexas.
Por isso, resolvi escrever já sobre as Stradivari G2, com os poucos dados que tenho, pois não tenho garantia de que em breve estará um par em Portugal, e é importante para mim comemorar os 40 Anos da Sonus faber, tantos quantos eu tenho de carreira, um caminho que fizemos juntos
A estrutura interna da Stradivari é agora muito diferente. Por isso, o som é também mais sólido, projetado e dinâmico. O grave tem um controlo e ataque que faz as originais soarem lentas por comparação.
A espiritualidade das originais é agora substituída pela fisicalidade das G2. Ao espírito barroco das orquestras com instrumentos antigos, sucede o poder das grandes orquestras do período romântico. Ao inefável véu da arte sucede a transparência da verdade crua. A G2 é assim uma coluna mais moderna, mais apta para reproduzir a atual universalidade da música: da clássica ao jazz, do hip-hop ao rock.
A nova estrutura interna talvez lhe tenha roubado a ‘anima’, uma peça de madeira que nos violinos liga o painel frontal ao painel traseiro, mas nem por isso lhe roubou a alma, que é agora apenas mais voluntariosa e menos recatada.
Deixo os leitores com alguns excertos de faixas variadas que ouvi em Munique, na esperança de que se juntem a mim num ‘abaixo-assinado’ exigindo que a Imacustica importe um par de Stradivari G2.
Nota: todos os registos áudio foram feitos na sala, diretamente das Stradivari G2, com um gravador Nagra portátil a 24/96. As imagens vídeo são meramente ilustrativas e foram obtidas posteriormente.
Se tivesse dinheiro, comprava um par de Stradivari para ter na sala, porque, ao contrário das originais, não me iriam suscitar sentimentos de nostalgia do tempo que passa, antes uma garantia de satisfação, num futuro incerto e breve.