O dinheiro pode não dar felicidade no amor, mas dá muito jeito quando se procura a felicidade auditiva, nem que seja por breves momentos, que perduram depois apenas na memória. Foi o que senti, ao ouvir na UAE, as Tidal Akira, que custam tanto como um T1 na zona nobre: 240 mil euros!
Essa história de ‘o amor e uma cabana’ pode ser muito romântica, mas nem o amor dura sempre, nem é possível colocar na cabana um sistema de som, como o que ouvi no auditório principal da UAE:
Transporte CEC TLO 3.0 – Wadax Reference DAC – gira-discos Brinkmann Balance – célula DS Audio Grand Master – Phono Audio Master 1 – Colunas Tidal Akira - Boulder 2110 (pré) – Tidal Ferio Mono – Cabos (coluna e XLR) Tidal Assoluta – Power cords Siltech Triple Crown e Esprit Gaia – filtro Isotek Supernova – Racks Mass Maxxum
Não tenho aqui a máquina de calcular, mas estamos na presença de um sistema acima de meio milhão, descontando os cabos. Só pode tocar bem, certo?
Sim, mas a este nível, a transparência é de tal ordem que basta mudar um cabo para alterar o equilíbrio do todo. É aqui que entra a qualidade do serviço de montagem e aconselhamento. Este não é um sistema que se possa comprar pela internet e montar no sótão – e não é só pelos valores envolvidos!...
Miguel Carvalho sabe que eu sou exigente, e que digo (e escrevo) sem papas na língua o que penso sobre a qualidade dos sistemas que analiso.
Talvez por isso, fez-me esperar mais de um mês até eu poder ouvir as Akira para que tudo estivesse afinado ao pormenor. Só que cometeu um erro: substituiu na fonte digital um par de cabos de corrente por outros novos sem ‘queima’ mesmo antes de eu chegar, porque achou que um cabo novo de melhor qualidade era preferível a um cabo já estabilizado.
Cables make no difference whatsoever, right?
Tal como na questão do Covid19, também há no tema dos cabos os negacionistas. Colocar um metro de cabo no final de um circuito ruidoso com milhares de quilómetros de cobre de má qualidade pode fazer diferença audível no som?
A pergunta é lógica e legítima. A resposta é simples e não tem lógica (científica): faz, pois. Muita diferença. Não me perguntem porquê. Eu só como bifes, não sou cozinheiro, nem criador de vacas.
Eu só como bifes, não sou cozinheiro, nem criador de vacas.
E a ‘’carne que, ao princípio, estava um pouco rija, foi tornando-se macia até se desfazer na boca, sápida e suculenta. E como?
O efeito do pão na audição
Primeiro, Miguel trocou os cabos na fonte digital, colocando o de melhor qualidade no transporte CEC. O som ganhou corpo e coesão. Depois, foi só deixar ‘marinar’, perdão, estabilizar, durante duas horas. O salto qualitativo foi enorme, e melhorava ainda mais à medida que o tempo passava.
Miguel ainda referiu que, depois das seis da tarde, quando os poderosos fornos da padaria do Lidl, ali perto, são desligados, a corrente geral na zona melhora muito, logo também o som de todos os sistemas na Ultimate Audio, como já constatou várias vezes.
Acha que isto não passa de uma anedota? Que tal marcar uma audição na UAE entre as seis e as sete da tarde?
Crítica de áudio ou vudu?
Mas isto é crítica de áudio ou uma sessão de vudu? Não. É apenas uma forma diferente de abordar a transparência de um sistema e, sobretudo, das Akira.
Quando se perdem pequenas diferenças, isso significa que as colunas não são suficientemente transparentes e disfarçam os detalhes, embrulhando-os em colorações de vários tipos. É como juntar molho para disfarçar a má qualidade da carne…
De La fille mal gardé a Dominique Fils-Aimé
Tinha chegado a hora de me sentar à mesa e provar os ‘pratos da casa’. Miguel Carvalho tem algumas ‘iguarias’ musicais, que são sempre um sucesso de audição, e gosta de as reproduzir com todos os sistemas que demonstra com evidente gosto e paixão:
If You Go, Shirley Horn, Pa-Pa-Pa-Pa-Pa-Papageno, da Flauta Mágica, It’s All Right With Me, René Marie, La fille mal gardé, pela Royal Opera House (primeira faixa selecionada para o vídeo), You Look Good To Me, Oscar Peterson Trio, a voz maravilhosa da mezzo soprano Joyce DiDonato ou Jen Chapin, cantando Stevie Wonder.
Para fechar em beleza, voltámos a Dominique Fils-Aimé, uma agradável surpresa, que me prendeu ao sofá, tanto mais que a qualidade do som foi subindo também em consonância (acabámos por ouvir o disco quase todo), depois de no início da audição ter selecionado a faixa Revolution Serenade para o vídeo, tendo hesitado entre esta e It’s All Right With Me, por René Marie.
Nota: Ambas as gravações foram registadas com o sistema ainda em fase de estabilização: uma hora depois e outro galo cantaria. O nível também está um pouco baixo, pelo que para melhores resultados puxe pelo volume e oiça com auscultadores.
Stenheim Ultime, Tidal Contriva e Akira
E isso é bom, porque me permite estabelecer comparações de memória com o som de outras parelhas, que analisei recentemente no mesmo auditório: como as Stenheim Ultime com amplificação CH Precision/Boulder e o mesmo prévio Boulder 2110 e o Wadax Reference DAC; ou as Tidal Contriva G2 com amplificação Boulder e o DAC/Transporte Wadax Atlantis.
Duas coisas me saltaram aos ouvidos de imediato:
- as Contriva (65 mil) não têm o mesmo poder de resolução e transparência, nem a extensão do grave (as Akira têm na ‘mochila’ cinco altifalantes passivos, ver video), mas são claramente filhas do mesmo pai e, já agora, têm a beleza da mãe, o que as torna uma excelente alternativa para quem não quer/pode/sonha desembolsar 240 mil biscas por um par de colunas;
- as Stenheim Ultime (300 mil euros !) são mais envolventes, imponentes (deslocam mais ar) e dinamicamente arrebatadoras (sobretudo com percussão).
A famosa faixa Dance to the Drummer Again, por Cassandra Wilson (que também ouvi com as Akira) soou tão empolgante ao vivo, quanto na gravação. De tal forma que, Logan Rosencrans, da Boulder, me pediu autorização para publicar o vídeo na página do Facebook, da Boulder.
A Ultime parece um ‘armário’, tipo cacifo de ginásio, embora seja construída como um cofre-forte, quando comparadas com a beleza e elegância estética da Akira.
Isto para não falar dos acabamentos sumptuosos (40 quilos de camadas de tinta de poliéster, polidas até ficar com 3mm de espessura) que escondem no interior o esqueleto, contruído por 13 camadas de fibra de vidro/mdf e resinas epoxídicas sujeitas a elevada compressão (TIRALIT Ultra), e os desafios da engenharia mecânica, como a moldura e as caixas de compressão do conjunto médio/tweeter fabricadas em aço inoxidável, que é montado no painel com um vedante de cortiça (portuguesa, suponho…).
Os altifalantes são todos da Accuton, conhecida pelos diafragmas cerâmicos e os tweeters de diamante. Aqui os diafragmas dos woofers são em alumínio com estrutura de favo de abelha: 3 activos à frente de 7 polegadas e meia e cinco passivos atrás. A frequência de corte para o médio faz-se aos 250Hz, de forma sequencial, com o woofer inferior a cortar mais cedo, depois o central e, finalmente, o superior que acompanha o médio até mais tarde.
O crossover é, por isso, muito complexo, com bobinas Mundorf e resistências Duelund, e pesa cerca de 20 quilos!
O diafragma da unidade médios de cinco polegadas é, tal como a do tweeter de 1,2 polegadas, fabricado por vaporização de pó de diamante sobre um substrato plástico.
Além dos bornes de ligação, a Akira exibe um terceiro borne de ligação à terra e 3 comutadores (não utilizado, como se pode ver no video).
Nota: Isto não tem nada a ver com o enigmático tratamento de terra da Computer Audio Design, que o Miguel refere na listagem de material, para ser utilizado na eletrónica associada.
Diz-me como soas…
A ‘plasticidade’ estética é extensiva ao som, que é transparente, atlético, elástico e com um poder de resolução microscópico, fruto da total ausência de ressonâncias ou colorações. Aliás, a resolução é de tal ordem que é preciso muito cuidado, quer com o equipamento associado, quer com os cabos.
O que, ao princípio, me soou como um ‘estrangulamento’ ou compressão, que tornava os registos médio-altos algo artificiais, desapareceu com a troca de cabos, e todo o som ganhou coesão e fluidez com o passar do tempo na audição.
Quem está disposto a pagar 240 mil euros por este Ferrari do som, tem de ter ‘unhas’ (euros) para o conduzir.
Por exemplo, a voz de Joyce DiDonato é como o algodão: não perdoa. Cantando, ‘Doppo L’oscuro Nembo’, do álbum Stella Di Napoli, com aquela voz de crème brulée, que é, ao mesmo tempo, doce, cremosa e flamejante (nos EUA é conhecida como flame-toned mezzo), não deixou nenhuma ‘nuvem negra’ sobre o meu espírito.
Ou ‘You Look Good To Me’, pelo Oscar Petersen Trio, com o ritmo percutivo do piano, das vassouras na bateria, evoluindo sobre um substrato de contrabaixo com perfeito equilíbrio entre o peso e o recorte das notas. It Sounds Good To Me, indeed!
Finalmente, Shirley Horn, If You Go:
If you go, if you leave me alone
If I know you're no longer my own
Winter would replace the spring
The birds no more would sing
This cannot be, stay…
De facto, dá vontade de ficar (com elas) no escurinho da sala…
Podemos especular se o som seria melhor com amplificação Boulder (mais carnuda), ou se os Tidal Fiero (mais informativos), sendo da mesma escuderia, não são afinal os mais adequados; ou se um Transporte CEC é o ideal para o Wadax Reference DAC; ou ainda como soaria este sistema com ficheiros áudio de alta resolução lidos a partir do Streamer Wadax Reference, que vai ser lançado até ao final do ano (só ouvi CD, CD-R e apenas um LP).
É a vantagem (ou desvantagem, porque torna a escolha mais difícil) de o vasto portfolio de marcas distribuídas pela Ultimate Audio permitir múltiplas variantes, todas no elevado patamar do highend, onde o mais pequeno pormenor faz uma enorme diferença.
Este sistema está à V. disposição para audição na: