Mauro Grange, CEO do WOW, World of McIntosh, antes Fine Sounds Group, que engloba marcas famosas como Audio Research, McIntosh, Sonus Faber e Wadia, revolucionou em poucos anos a indústria do áudio, estabelecendo um novo paradigma de marketing, que extravasa os limites claustrofóbicos do nicho audiófilo primordial, com o seu cortejo ideológico ultraconservador de escribas e opinion-makers, que se revêem e comprazem no inamovível dogmatismo do universo highend, arriscando levá-lo à extinção.
Foi preciso vir alguém de fora, da área das telecomunicações, que é actualmente a mais inovadora das indústrias, para lançar a primeira pedra no charco estagnado do áudio highend e dos seus tiques, obsessões e… barões!
Na notável apresentação informal com que brindou a imprensa especializada em NY (ver reportagem em 3-partes aqui), na WOM Townhouse, um espaço cultural que pretende simbolizar a viragem do século na comercialização de produtos áudio, Mauro Grange foi muito claro quanto aos seus objectivos:
‘Eu não pretendo acabar com a tradição do áudio highend, ou o microcosmos que o rodeia e sustenta, pretendo antes alargar o campo de ‘recrutamento’ ao ‘invadir’ os territórios da moda, da arte, do desporto e, claro, da música; e das grandes corporações empresariais da comunicação, como a Apple ou a Google, a quem alugamos este espaço para eventos, que movimentam milhares de pessoas com poder de compra e bom gosto, que pensavam que a McIntosh produzia computadores até ouvirem aqui os nossos amplificadores, e também nunca tinham ouvido falar na Sonus Faber, mas são sensíveis ao apelo da moda italiana e aos produtos ‘made in Italy’.
Foi neste contexto que nasceu, no seio da empresa-mãe Sonus Faber, a marca ‘Pryma’e o primeiro – e até agora único – produto são os auscultadores do mesmo nome ‘fatto a mano da Italia’, que englobam já o novo conceito de ‘acessório de moda áudio made in Italy’, concebido por Paolo Tezzon, o engenheiro-chefe da Sonus Faber, com design de Livio Cucuzza, responsável artístico por todos os últimos modelos das marcas Audio Research, Sonus Faber e Wadia.
Com esta mudança de paradigma, não admira que o meu primeiro contacto com os Pryma tenha sido apenas em Outubro de 2015, no decorrer do Festival du Son, de Paris 2015 (clique para ver reportagem), onde me foram amavelmente apresentados por Fiore Cappelletto:
O objectivo inicial era divulgar o produto ‘fora dos círculos audiófilos’ habituais. Assim, quando da vernissage, na WOM Towhouse, NY, em Julho, apenas foi convidada a imprensa generalista americana, revistas e bloggers de moda e do social ‘cor-de-rosa’: The Wall Street Journal, Esquire, Glamour, Gotham e Manhattan e, como excepção que fazia a regra, Doug Schneider, da Soundstage.
Finalmente, em Novembro, foi a ‘nossa’ vez, e lá estávamos eu, Ken Kessler, Michael Fremer, Alan Sircom, Doug Schneider, enfim, os suspeitos do costume, entre meia centena de jornalistas e distribuidores de todo o mundo, tendo o grupo WOM aproveitado para apresentar também o Audio Research Ref.6 e as Sonus Faber Venere S e ‘Il Cremonese’.
Nota: do acontecimento ‘social’, publiquei ampla reportagem no Hificlube , sob o título ‘Hifi and the City’, num registo bem humorado no qual pretendi estabelecer um paralelo com a famosa série de TV ‘Sex and the City’, que podem ler aqui.
Entretanto, seguindo a estratégia delineada por Mauro Grange, os Pryma já estavam a ser comercializados nas lojas de luxo e grandes armazéns de moda em NY, Londres, Paris, Milão, Tóquio e Xangai, com grande sucesso junto de mulheres e jovens. ‘We can’t make enough…’, regozijava-se Mauro com orgulho. A campanha estava a correr bem...
As notícias sobre os Pryma sucediam-se nos media, realçando a qualidade do design, da construção, dos materiais, da versatilidade e da fácil adaptação da cor que ‘vai melhor’ com os sapatos, a mala, o vestido; e as fotografias de belas modelos e gente famosa com os Pryma nos ouvidos ou pendurados no pescoço, no melhor estilo ‘Cristiano Ronaldo’, inundavam já as revistas de moda.
Acontece que o mundo da moda, dos famosos e das ‘socialites’ que alimentam a imprensa cor-de-rosa, é frívolo e insaciável: ‘la donna é mobile’; muito exigente em termos financeiros (quando acaba o contrato deixam de os exibir em público, e depressa passam de…moda…); e é, além disso, um público carente de novidades permanentes, como os telemóveis que se vendem aos milhões, o que não se coaduna com produtos fabricados à mão, em regime quase artesanal, logo com produção limitada.
O mercado da moda e do 'social' é muito volúvel, não tem qualquer sentido de lealdade ou pertença e parte para outra sem olhar para trás, ao contrário de muitos de nós, audiófilos, que temos por certos fabricantes e marcas icónicas respeito, admiração e consideração perenes, do mesmo modo que gostamos de certos músicos, artistas, pintores ou escritores e para quem: a obra feita conta mais que o feitio da obra.
Consciente disso, a WMO, depois da aventura no mercado dos luxury gadgets, regressou prodigamente ao seio da distribuição institucional, e é assim que a Imacustica tem finalmente também disponível nas suas lojas de Lisboa e Porto toda a colecção Primavera-Verão da Pryma.
Pryma headphones, uma questão de prestígio
Os Pryma constituem aquilo que vulgarmente se designa por ‘statement’: não é um simples produto comercial, é uma ‘afirmação de prestígio’ de uma nova marca que, sendo subsidiária da Sonus Faber, tem um importante legado a defender.
Assim, Mauro Grange deu carta branca a Livio Cuccuza e Paolo Tezzon, e não olhou a despesas, embora o objectivo não fosse fabricar os ‘melhores auscultadores do mundo’ mas um acessório de moda áudio luxuoso e funcional que conciliasse: design e beleza, solidez e leveza, desejo de posse e prazer de usar e mostrar, tudo por um preço razoável e justo face ao elevado valor percebido (€499), e com um som que fizesse jus às expectativas de um adepto da Sonus Faber, portanto sem nenhuma das funcionalidades digitais que agradam ao utilizador moderno mas degradam a qualidade: como o ‘wireless’, o ‘bluetooth’ e o ‘noise-cancelling’ activo.
O resultado está à vista – e ouve-se também! Os Pryma são os auscultadores menos ‘plásticos’ do mercado até aos 500 euros, e tudo neles transparece classe e qualidade.
O ‘cinto’ de suporte de arco flexível (permitam-me chamar-lhe assim, porque funciona segundo o mesmo princípio), ou seja, a ‘cabeceira’ em arco que suporta os auscultadores, é em couro verdadeiro, forrado no interior com um tecido de microfibra poroso para facilitar a respiração; as fivelas e os fechos são em metal niquelado, com quatro furos de ajuste (ergonomicamente simples e muito eficaz e seguro); as conchas dos auriculares são de alumínio ultraleve anodizado não-reflector e anti-dedadas; e as almofadas são forradas de pele sintética tão macia que parece mesmo genuína, sendo facilmente substituídas, pois a colocação faz-se por mecanismo magnético.
Finalmente, os painéis laterais decorativos são fornecidos por um fabricante de óculos de Vicenza, que trabalha com as mais famosas marcas da moda internacional, nas cinco cores até agora disponíveis - ver foto colecção (há mais cores e novidades na forja), em conjugação com outras tantas cores da pele dos ‘cintos’, que por sua vez são intermutáveis: Classic Coffee&Cream, com auriculares de cor creme e pele castanho claro; Classic Pure Black (o meu modelo preferido e o mais discreto ou talvez por isso), em preto e prata; Classic Heavy Gold, em preto com pormenores em metal dourado; Special Rose Gold & Grey, em cinza com pormenores de metal em ouro-rosa; e o mais espectacular (e 50 euros mais caro) Special Carbon & Marsala, em fibra de carbono com pele castanho-terra.
Os ‘cintos’ de pele vendem-se em separado, por 89 euros cada, pelo que pode mudar-se a cor para se adaptar ao seu estilo de roupa, ou dispensá-lo e utilizar apenas os auriculares para uma audição romântica a dois, partilhando os canais em separado e os beijos em comum...
Nota: não se preocupe, o cabo tem um comutador de atendimento remoto com microfone, pelo que está sempre contactável por telemóvel, mesmo naqueles casos em que o devia ter desligado…
Na apresentação, a que assisti na WOM Townhouse, NY, Paolo Tezzon não se ‘alargou’ muito quanto aos aspectos técnicos. Ficámos a saber que o Pryma 0/1 (significa isto que vai haver o 0/2 e /ou o 0/3?) utiliza um altifalante dinâmico full-range (10kHz-25kHz) de 40mm com diafragama em Mylar (o mesmo material utilizado nos auscultadores electrostáticos e planar magnéticos, embora o princípio de transdução seja diferente), a impedância é baixa (32 ohms) e a sensibilidade elevada (118dB/1mW/1kHz). Uma variante de ressoador de Helmholz com 9 ‘furinhos’ na concha dos auriculares funciona como carga acústica dos graves.
Mas deixemos que seja o próprio Paolo Tezzon a narrar a aventura desta sua primeira incursão num novo território até agora desconhecido:
'Our target in the Pryma headphone's design was obviously to achieve the best sounding results, first of all, with the Sonus faber loudspeaker “family sound” in our mind. But also we aimed to an “enjoyable” sound in every situation, having in mind as well that this product was also aiming to simple situations like plugging the headphone straight to a smartphone.
Of course again at first we weren't familiar with the design of a headphone.
Like schoolboys we tried to learn the lesson by listening and measuring the best headphone models available on the market.
To this precise purpose we developed a special measuring dummy head. Our dummy head is seemingly quite simple, being composed by a human head sized absorbing material block and custom, specially designed, internally mounted miniature condenser microphones.
Despite the fact there are two mics available, the headphone frequency response has always been taken singularly, in order to avoid any mutual influence.
The reason why we decided not to use a commercial dummy head or ear simulator is because we made some tests but we definitely didn't get any useful info.
As you might know, speaking about headphone frequency response, there is no target curve which is universally accepted.
When you measure in close field a headphone, the resulting frequency response is a nightmare, what we call a roller coaster shape.
What we found quite humoristic was the fact that the various eq. curve proposed in the past are simply such to flatten the response of the headphone under study!
It's for this reason that it's impossible to compare headphones from their rated frequency response.
With this in mind we selected the driver after many listening tests performed by my team and myself. A clear advantage (or disadvantage....) was we didn't have to design a crossover network! So concerning the bass response we tuned the headphones cases by means of suitable eq holes (The one you see on top of the case close to the headband). The high frequencies response has been adjusted by acoustical filtering provided by a special material we placed inside: the Mikrofonfiltz (It’s the same kind of material used on Neumann studio microphones)'.
Parabéns à Pryma!
Os Pryma estão no limite do tamanho e do peso certo. Mais, e não seriam portáteis; menos, e perdiam o apelo ‘lifestyle luxury product made in Italy’.
São como um par de sapatos Ferragamo, na qualidade da pele, na perfeição dos pontos cosidos à mão e nos detalhes em metal: basta ver na montra para saber que calçam bem. E os Pryma ‘calçam’ bem e são confortáveis de usar, mesmo com tempo quente.
Embora a designação de circum auriculares seja optimista, o formato de diamante (a girl’s best friend…), inspirado na secção romboidal atípica das Sonus Faber ‘Il Cremonese’, não permite a ‘acomodação’ total da orelha, mesmo para quem não é orelhudo, como eu, pelo que se podem considerar também como supra auriculares, a não ser que a referência seja a orelhinha feminina das modelos fotográficas…
Contudo, o isolamento acústico é bastante razoável, e suficiente para não incomodar ou ser incomodado, como acontece com os auscultadores planar magnéticos abertos (estou a pensar nos Hifiman, também distribuídos pela Imacustica), que envolvem todo o pavilhão auricular numa massa de ar transparente em contacto com o ar ambiente. Ganha-se, claro, em isolamento o que se perde em ‘palco’ e ‘espacialidade’. São opções.
Quanto mais Pryma, mais se lhe arrima, diz o povo.
Oiçamos, pois, os Pryma, tendo em atenção que não há nada mais subjectivo que a ‘resposta em frequência’ de um par de auscultadores, Paolo Tezzon dixit. Não só porque não há um padrão de resposta (talvez a curva de Harman) como o relevo interno e o formato do pavilhão auricular de cada um de nós tem uma influência decisiva naquilo que se ouve ou… ‘julga’ ouvir. Se há caso em que ‘deve-se experimentá-lo antes de julgá-lo’, é este.
Nota: Na audição foram utilizados os seguintes amplificadores de auscultadores: McIntosh MHA100, Chord Hugo e Mojo, Meridian Explorer II ( com ficheiros MQA).
Do toque de luxo ao luxo do toque
Já sabemos, por informação do próprio Paolo Tezzon (ver declarações acima), que o altifalante seleccionado dispensa o filtro divisor, pelo que a afinação ou ‘voicing’ foi obtida por uma variante de ressoadores de Helmoltz para reforçar os graves e de filtragem mecânica para os agudos.
O resultado é notável:
O som é cheio, encorpado, carnudo, sem arestas vivas (o agudo é doce, talvez um pouco fechado e curto para quem está habituado à pirotecnia harmónica dos planares e electrostáticos), bem entrosado, com ênfase na gama média e excelente extensão dos graves.
Os Pryma reproduzem notas de subgraves quase subliminares, como as registadas na banda sonora de filmes de acção. A tecnologia de ‘ressonância de Helmoltz’ não está lá só para enfeitar.
Aliás, os Pryma são excelentes para ouvir diálogos, entrevistas e tutoriais, pois foram claramente afinados para reproduzir a voz humana, que soa natural, cheia, com realismo, presença e inteligibilidade; sem sibilância excessiva, agressividade, dureza ou nasalidade.
O som dos Pryma deve ser apreciado como um todo orgânico e coerente, sem a tentação de o dividir em ‘fatias’, até porque é reproduzido por um único altifalante com diafragma de Mylar, embora não ofereça o mesmo poder de resolução e transparência dos melhores exemplares electrostáticos e ortodinâmicos ou planarmagnéticos como os Audeze LCD-3 e os Hifiman HE1000 (3x e 6x mais caros, respectivamente!...). Nem era esse o objectivo, pois foram concebidos como produto lifestyle.
Os Pryma partilham com as Chameleon a intermutabilidade e a diversidade cromática, mas a performance acústica inspira-se na melhor tradição Sonus Faber Vintage, com ‘taninos’ redondos e notas de frutos maduros, servido em copos de cristal de Murano, a lembrar as saudosas Concertino originais.
‘Bebe-se’ bem ao ar livre com música moderna, sozinho no meio da multidão; ou à lareira com música clássica, no prazer da solidão partilhada de gostos musicais e afectos comuns.
Os Pryma têm forte concorrência dentro da sua gama de preços até €500: Audioquest Nighthawk, B&0 Beolab H6, Hifiman 400S, Opus PM3, PSB M4U 1
Mas neste grupo variado e ecléctico (ler testes), os Pryma são os que melhor resolvem a proverbial dicotomia entre ser e parecer, conciliando ambos os elementos num único produto.
Recomenda-se a audição, porque à primeira vista… o amor acontece.
Para mais informações: